STJ - Primeira Turma
REsp 2.103.140-ES
Recurso Especial
Relator: Gurgel de Faria
Julgamento: 04/06/2024
Publicação: 18/06/2024
STJ - Primeira Turma
REsp 2.103.140-ES
Tese Jurídica Simplificada
A penalidade administrativa rege-se pela lei vigente à época do fato e a retroatividade da lei mais benéfica somente será possível quando houver expressa previsão legislativa nesse sentido.
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Tese Jurídica Oficial
A penalidade administrativa deve se basear pelo princípio do tempus regit actum, salvo se houver previsão expressa de retroatividade da lei mais benéfica.
Resumo Oficial
A controvérsia tem origem na discussão sobre a extensão que deve ser dada às normas constitucionais, estampadas no art. 5º, XXXVI e XL, de que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (refletidas também na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) e que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.
No caso, o Tribunal a quo seguiu o entendimento de que o ato normativo posterior mais benéfico é aplicável no Direito Administrativo Sancionador e aplicou retroativamente valor reduzido da pena de multa.
Sobre o tema, a jurisprudência da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça - STJ admite a possibilidade de retroação de lei mais benéfica nos casos que envolve penalidades administrativas, por compreender que o art. 5º, XL, da Constituição da República traria princípio geral de Direito Sancionatório.
Entretanto, no julgamento do Tema n. 1199, o Supremo Tribunal Federal - STF apontou a necessidade de interpretação conjunta dos incisos XL e XXXVI, do art. 5º da Constituição Federal, devendo existir disposição expressa na legislação para se afastar o princípio do tempus regit actum, porque a norma constitucional que estabelece a retroatividade da lei penal mais benéfica está diretamente vinculada ao princípio do favor libertatis, peculiaridade inexistente no Direito Administrativo Sancionador.
Tal entendimento, inclusive por se tratar de precedente obrigatório, já vem sendo aplicado por esta Corte quanto aos processos envolvendo as demandas relacionadas a improbidade administrativa, aliás, com interpretação restritiva quanto à aplicação retroativa da Lei n. 14.230/2021.
Nesse contexto, não se mostra coerente (com o entendimento do STF) que se aplique o postulado da retroatividade de lei mais benéfica aos casos em que se discute a mera redução do valor de multa administrativa (portanto, muito mais brandos) e, por outro lado, deixe-se de aplicar o referido princípio às demandas de improbidade administrativa, cuja sanção é seguramente muito mais grave, com consequência que chegam a se equiparar às do Direito Penal.
É importante lembrar que, em consonância com o art. 5º, XXXVI da Constituição da República, o art. 6º da LINDB dispõe que "a Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada", esclarecendo em seu § 1º que "reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou". Assim, a penalidade aplicada conforme o ato normativo vigente à época da infração constitui ato jurídico perfeito, não tendo, inclusive, eventual e posterior discussão na esfera judicial o condão de afastar a perfeição daquele ato, consubstanciada na esfera administrativa, com o encerramento de seu ciclo de formação.
Desse modo, considerando os critérios delineados pelo STF, a rigor, a penalidade administrativa deve se basear pelo princípio do tempus regit actum, salvo se houver previsão autorizativa de aplicação do normativo mais benéfico posterior às condutas pretéritas.
Irretroatividade da lei penal, Direito Administrativo Sancionador e entendimento da Primeira Turma do STJ
A CF/88, em seu artigo 5º, XL, prevê o princípio da irretroatividade da lei penal ou da retroatividade da lei mais benigna:
Esse princípio é conhecido e amplamente aplicável em Direito Penal.
No entanto, há outro ramo do Direito que guarda muitas semelhanças com o Direito Penal: o Direito Administrativo Sancionador, responsável por prever as sanções aplicáveis em caso de violações ao Direito Administrativo.
Em razão das semelhanças, a Primeira Turma do STJ entende que esse princípio também é aplicável no âmbito do Direito Administrativo Sancionador.
Em caso julgado recentemente, por exemplo, a Primeira Turma considerou cabível a retroação de um novo ato administrativo que reduziu o valor de uma multa:
Ocorre que, no julgado ora analisado, a Primeira Turma do STJ acrescentou uma condição para que haja aplicação desse princípio para penalidades administrativas: a existência de lei expressamente prevendo a retroatividade.
Portanto, as disposições mais benéficas só poderão retroagir se a lei prever expressamente essa possibilidade. Caso contrário, a penalidade permanece regida pela lei vigente à época da infração (princípio do tempus regit actum).
E qual a razão para esse novo entendimento da Primeira Turma?
A Primeira Turma destacou que, ao julgar o Tema de Repercussão Geral nº 1.199 o STF apontou a necessidade de interpretação conjunta dos incisos XL e XXXVI, do art. 5º da Constituição Federal:
Em resumo, para evitar violação à segurança jurídica, o STF estabeleceu que, em regra, as relações de direito administrativo são regidas pela lei vigente ao tempo de cada ato. Excepcionalmente, caso a lei assim disponha, poderá haver a aplicação retroativa de outra lei mais benéfica.
Esse entendimento do STF foi proferido em relação às sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa.
Assim, o STJ observou que se a irretroatividade da lei mais benéfica é exceção para os casos de improbidade administrativa (casos com penalidades graves), também deve ser a exceção para casos em que se discute a mera redução do valor de multa administrativa (casos, portanto, muito mais brandos).
Portanto, para a Primeira Turma do STJ, a penalidade administrativa rege-se pela lei vigente à época do fato e a retroatividade da lei mais benéfica somente será possível quando houver expressa previsão legislativa nesse sentido.