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STJ - Segunda Seção

REsp 1.818.564-DF

Recurso Especial

Repetitivo

Relator: Moura Ribeiro

Julgamento: 09/06/2021

Publicação: 14/06/2021

STJ - Segunda Seção

REsp 1.818.564-DF

Tese Jurídica Simplificada

É possível usucapião de imóveis particulares ainda que inseridos em loteamento irregular.

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O caso

Na ação, discute-se acerca do cabimento de ação de usucapião de imóvel particular sem registro e inserido em loteamento localizado no Setor Tradicional de Planaltina - DF, que não é regularizado nem autorizado, apesar de existir há muito tempo. 

Diante do ajuizamento de diversas ações de usucapião por parte dos moradores do Setor Tradicional de Planaltina, o juízo da vara do Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do DF propôs a instauração de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), que permite o julgamento conjunto de casos semelhantes.

O caso foi levado ao TJ-DF, que entendeu ser cabível a aquisição dos imóveis por usucapião, mesmo que a área não esteja regularizada. O Tribunal afirmou que os imóveis estão situados em áreas particulares, as quais estão registradas em cartórios do DF e de Goiás, além de possuir estrutura urbana consolidada há anos.

O MP-DF apresentou o recurso especial em questão sob o fundamento de que a falta de regularização do loteamento torna o registro imobiliário indivisível,  impedindo o reconhecimento da usucapião, pois ainda que a sentença seja favorável, não poderá ser levada a registro no cartório de imóveis.

O julgamento

No julgamento, destacou-se que a possibilidade de registro da sentença declaratória da usucapião não é condição para reconhecer o direito material, que se baseia, essencialmente, na posse ad usucapionem e no decurso do tempo.

O STJ, ainda, aponta para as três dimensões da regularização fundiária:

  • dimensão urbanística: são os investimentos necessários para melhorar as condições de vida da população;
  • dimensão jurídica: são os instrumentos que permitem a aquisição da propriedade nas áreas privadas e o reconhecimento da posse nas áreas públicas;
  • dimensão registrária: o lançamento nas respectivas matrículas da aquisição desses direitos, atribuindo eficácia para todos os efeitos da vida civil.

Diante disso, ensina que não é possível negar o direito à usucapião sob o argumento de que o imóvel está inserido em loteamento irregular, porque o direito de propriedade declarado pela sentença (dimensão jurídica) é diferente da certificação e publicidade geradas pelo registro (dimensão registrária) e da efetiva regularidade urbanística da ocupação (dimensão urbanística).

Assim, reconhecer a usucupião não impede a implementação de políticas pública de desenvolvimento urbano. Ao contrário, muitas vezes esse reconhecimento constitui o primeiro passo para restabelecer a regularidade da urbanização.

Assim, o Tribunal afirma que é obrigação do Estado promover a regularização fundiária de modo a disciplinar a ocupação do solo. No caso, o fato de a ocupação da área estar sedimentada há décadas demonstra flagrante omissão estatal, que, implicitamente, concordou com a situação, tendo, inclusive, instalado diversos serviços e equipamentos públicos na área, como pavimentação de ruas, iluminação pública, linhas de ônibus etc. 

Conclui-se que é possível usucapião de imóveis particulares ainda que inseridos em loteamento irregular.

Tese Jurídica Oficial

É cabível a aquisição de imóveis particulares situados no Setor Tradicional de Planaltina/DF, por usucapião, ainda que pendente o processo de regularização urbanística.

Resumo Oficial

Tem-se, inicialmente, que a possibilidade de registro da sentença declaratória da usucapião não é pressuposto ao reconhecimento do direito material em testilha, o qual se funda, essencialmente, na posse ad usucapionem e no decurso do tempo.

A propósito da questão da regularização fundiária, a doutrina esclarece que ela compreende três dimensões: (a) a dimensão urbanística, relacionada aos investimentos necessários para melhoria das condições de vida da população; (b) a dimensão jurídica, que diz respeito aos instrumentos que possibilitam a aquisição da propriedade nas áreas privadas e o reconhecimento da posse nas áreas públicas; e (c) a dimensão registrária, com o lançamento nas respectivas matrículas da aquisição destes direitos, a fim de atribuir eficácia para todos os efeitos da vida civil.

Não há, portanto, como negar o direito à usucapião sob o pretexto de que o imóvel está inserido em loteamento irregular, porque o direito de propriedade declarado pela sentença (dimensão jurídica) não se confunde com a certificação e publicidade que emerge do registro (dimensão registrária) ou com a regularidade urbanística da ocupação levada a efeito (dimensão urbanística).

O reconhecimento da usucapião não impede a implementação de políticas públicas de desenvolvimento urbano. Muito ao revés, constitui, em várias hipóteses, o primeiro passo para restabelecer a regularidade da urbanização.

No mesmo sentido, o Pleno do STF, ao julgar o RE 422.349/RS, sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli, fixou a tese de que preenchidos os requisitos do art. 183 da Constituição Federal, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote).

Admitindo-se que aquele não era o único imóvel da região com metragem inferior ao módulo mínimo legal, parece razoável sustentar que o STF, ao fim e ao cabo, reconheceu a possibilidade de usucapião de glebas inseridas em loteamentos não regularizados.

Nesse contexto, é preciso ter em mente que Poder Público não faz favor nenhum quando promove a regularização de áreas ocupadas irregularmente. Muito pelo contrário, limita-se a desempenhar uma obrigação que lhe foi expressamente confiada pela CF. Admitindo-se que a regularização fundiária concorre para a segurança, saúde e bem estar da população e, bem assim, que esses são deveres essenciais do Estado, nada mais lógico do que concluir que a Administração Pública tem o dever de promover a regularização fundiária.

Não parece acertado assumir como linha de princípio que as ocupações irregulares do solo atentem, todas elas, contra o interesse público. Muito ao revés, o que atenta contra o interesse público é a inércia do Estado em promover e disciplinar a ocupação do solo.

No caso, essa omissão estatal é mais do que flagrante. A ocupação da área está sedimentada há décadas e contou com a anuência implícita do Poder Público, que fingiu não ter visto nada, tolerou durante todos esses anos e ainda providenciou a instalação de vários serviços e equipamentos públicos, como pavimentação de ruas, iluminação pública, linhas de ônibus, praça pública, posto do DETRAN; etc. Não por outro motivo, a região é conhecida como Setor Tradicional de Planaltina, o que bem denota a idade do parcelamento do solo.

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