STJ - Segunda Seção

CC 181.190-AC

Conflito de Competência

Relator: Marco Aurélio Bellizze

Julgamento: 30/11/2021

Publicação: 07/12/2021

STJ - Segunda Seção

CC 181.190-AC

Tese Jurídica Simplificada

O conflito de competência a ser instaurado perante o STJ só estará presente se o juízo da execução fiscal se opor, de fato, à decisão do juízo da recuperação judicial.

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Contexto

A Fazenda Nacional ajuizou ação de execução fiscal em face de uma empresa perante o juízo da 3ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Acre. Posteriormente, essa empresa ingressou com pedido de recuperação judicial, que foi deferido pela 2ª Vara Cível de Rio Branco/AC. Ocorre que, mesmo com a recuperação em curso, o juízo da execução fiscal determinou a intimação da exequente para prosseguir com a execução, rejeitando a exceção de pré-executividade apresentada pela empresa, por meio da qual argumenta que teve sua recuperação judicial deferida, o que impediria a constrição de seu patrimônio por parte de outro juízo sem passar pelo crivo do juízo da recuperação.

Por conta disso, a empresa entendeu estar caracterizado um conflito de competência entre os dois juízos.

O juízo da execução fiscal invadiu a competência do juízo universal?

O §7º-B do art. 6º da Lei de Recuperação Judicial e Falências foi incluído pela Lei 14.112/2020 com a seguinte redação:

Art. 6º.

§ 7º-B. O disposto nos incisos I, II e III do caput deste artigo não se aplica às execuções fiscais, admitida, todavia, a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial, a qual será implementada mediante a cooperação jurisdicional, na forma do art. 69 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), observado o disposto no art. 805 do referido Código.

Ou seja, mesmo que haja o deferimento da recuperação judicial, a execução fiscal continua tramitando, sendo possível, em tese, a constrição sobre os bens do devedor. Além disso, a prescrição também não se suspende.

Isso significa que a competência do juízo em que se processa a execução fiscal não se suspende pelo deferimento da recuperação judicial. Contudo, o dispositivo firmou a competência do juízo da recuperação judicial para exercer um juízo de controle em relação aos atos de constrição sobre bens essenciais à manutenção da atividade empresarial.

Logo, o juízo da execução fiscal é competente para promover atos de constrição de bens da recuperanda, sendo que o juízo da recuperação judicial fica responsável pelo controle desses atos.

E se o juízo universal ainda não teve conhecimento da constrição judicial feita na execução fiscal?

Como a Lei 14.112/2020 trata sobre regras processuais, possui aplicação imediata, estendendo-se aos processos em trâmite. Por conta disso, o STJ entende que não se pode arguir conflito de competência perante o Tribunal pelo simples fato de o juízo da recuperação ainda não ter deliberado sobre a constrição judicial determinada na execução fiscal, em razão justamente de a questão não ter sido, até então, a ele submetida.

A submissão da constrição judicial ao juízo da recuperação judicial pode ser feita de ofício pelo juízo da execução fiscal, em atenção à necessária cooperação entre os juízos, disposta no art. 69 do CPC, ao qual o §7º-B faz menção. Essa cooperação não possui uma forma específica, sendo que "os atos concertados entre os juízos cooperantes poderão consistir, além de outros, no estabelecimento de procedimento para a efetivação de medidas e providências para recuperação e preservação de empresas" (art. 69, §2º, IV, CPC).

Se o juízo da execução fiscal não submeteu a questão ao juízo universal, é prematuro falar em conflito de competência perante o STJ, com o objetivo de interromper a execução fiscal. Nesse cenário não há nenhuma usurpação da competência a ensejar caracterização de conflito. A falta de ação do juízo da execução fiscal não pode, por si, ser considerada como usurpação de competência do juízo recuperacional, que sequer foi exercida.

Logo, nesse caso, a recuperanda deve provocar o juízo da execução fiscal ou levar diretamente a questão ao juízo universal, que deverá exercer seu juízo de controle sobre o ato constritivo, se tiver elementos para tanto, valendo-se, se necessário, da cooperação judicial.

O conflito de competência só estará presente se o juízo da execução fiscal se opor, de fato, à decisão do juízo da recuperação judicial a respeito da constrição do bem, substituindo o juízo universal ou tornando a sua deliberação sem efeito, ou sobre a essencialidade do bem constrito. 

Tese Jurídica Oficial

A caracterização de conflito de competência perante o Superior Tribunal de Justiça pressupõe a materialização da oposição concreta do Juízo da execução fiscal à efetiva deliberação do Juízo da recuperação judicial a respeito do ato constritivo.

Resumo Oficial

O incidente processual centra-se em saber se o Juízo em que tramita execução fiscal contra empresa em recuperação judicial - ao rejeitar a exceção de pré-executividade e determinar o prosseguimento do feito executivo, com a realização de atos constritivos sobre o patrimônio da executada -, invade ou não a competência do Juízo da recuperação judicial, segundo dispõe o § 7º-B do art. 6º da Lei de Recuperação e Falência, com redação dada pela Lei n. 14.112/2020.

A divergência jurisprudencial então existente entre esta Segunda Seção e as Turmas integrantes da Seção de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça acabou por se dissipar em razão da edição da Lei n. 14.112/2020, que, a seu modo, delimitou a competência do Juízo em que se processa a execução fiscal (a qual não se suspende pelo deferimento da recuperação judicial) para determinar os atos de constrição judicial sobre os bens da recuperanda; e firmou a competência do Juízo da recuperação judicial para, no exercício de um juízo de controle, "determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial".

A partir da vigência da Lei n. 14.112/2020, com aplicação aos processos em trâmite (afinal se trata de regra processual que cuida de questão afeta à competência), não se pode mais reputar configurado conflito de competência perante esta Corte de Justiça pelo só fato de o Juízo da recuperação ainda não ter deliberado sobre a constrição judicial determinada no feito executivo fiscal, em razão justamente de não ter a questão sido, até então, a ele submetida.

A submissão da constrição judicial ao Juízo da recuperação judicial, para que este promova o juízo de controle sobre o ato constritivo, pode ser feita naturalmente, de ofício, pelo Juízo da execução fiscal, em atenção à propugnada cooperação entre os Juízos. O § 7º-B do art. 6º da Lei n. 11.101/2005 apenas faz remissão ao art. 69 do CPC/2015, cuja redação estipula que a cooperação judicial prescinde de forma específica. E, em seu § 2º, inciso IV, estabelece que "os atos concertados entre os juízos cooperantes poderão consistir, além de outros, no estabelecimento de procedimento para a efetivação de medidas e providências para recuperação e preservação de empresas".

Caso o Juízo da execução fiscal assim não proceda, tem-se de todo prematuro falar-se em configuração de conflito de competência perante o STJ, a pretexto de se obter o sobrestamento da execução fiscal liminarmente. Não há, nesse quadro, nenhuma usurpação da competência, a ensejar a caracterização de conflito. A inação do Juízo da execução fiscal - como um "não ato" que é - não pode, por si, ser considerada idônea a fustigar a competência do Juízo recuperacional ainda nem sequer exercida.

Assim, na hipótese de o Juízo da execução fiscal não submeter, de ofício, o ato constritivo ao Juízo da recuperação judicial, deve a recuperanda instar o Juízo da execução fiscal a fazê-lo ou levar diretamente a questão ao Juízo da recuperação judicial, que deverá exercer seu juízo de controle sobre o ato constritivo, se tiver elementos para tanto, valendo-se, de igual modo, se reputar necessário, da cooperação judicial preconizada no art. 69 do CPC/2015.

Registre-se que, após o exercício de tais competências, a caracterização de conflito perante esta Corte de Justiça somente se fará presente se o Juízo da execução fiscal vier, concretamente, a se opor à deliberação do Juízo da recuperação judicial a respeito da constrição do bem, substituindo-o ou tornando-a sem efeito, ou acerca da essencialidade do bem de capital constrito, o que, por ora, nem se cogita.

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