AgRg no REsp 2.015.310-MG
STJ • Sexta Turma
Agravo Regimental no Recurso Especial
Relator: Jesuíno Rissato
Julgamento: 12/09/2023
Publicação: 21/09/2023
Tese Jurídica Simplificada
É possível o distinguishing quanto ao Tema 918/STJ e absolvição do acusado por crime de estupro de vulnerável, quando no caso concreto: (i) não houver grande diferença de idade entre vítima e acusado; e (ii) houver convívio marital do casal, após nascimento da filha, devidamente reconhecida.
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Tese Jurídica Oficial
Admite-se o distinguishing quanto ao Tema 918/STJ, na hipótese em que a diferença de idade entre o acusado e a vítima não se mostrou tão distante quanto do acórdão sob a sistemática dos recursos repetitivos (no caso, o réu possuía 19 anos de idade, ao passo que a vítima contava com 12 anos de idade), aliado ao fato de a menor viver maritalmente com o acusado desde o nascimento da filha do casal, devidamente reconhecida, o que denota que não houve afetação relevante do bem jurídico a resultar na atuação punitiva estatal.
A Terceira Seção, no julgamento do REsp 1.480.881/PI , submetido ao rito dos recursos repetitivos, reafirmou a orientação jurisprudencial, então dominante, de que absoluta a presunção de violência em casos da prática de conjunção carnal ou ato libidinoso diverso com pessoa menor de 14 anos. Contudo, a presente hipótese enseja distinguishing quanto ao acórdão paradigma da nova orientação jurisprudencial, diante das peculiaridades circunstanciais do caso.
Na questão tratada no referido julgado, sob a sistemática dos recursos repetitivos, a vítima era criança, com 8 anos de idade, enquanto que o imputado possuía idade superior a 21 anos. No caso em análise, com absolvição nas duas instâncias, consta dos autos que o réu possuía, ao tempo do fato, 19 anos de idade, e praticou conjunção carnal com a vítima, adolescente, que na época dos fatos contava com apenas 12 anos de idade, resultando em gravidez, cuja criança do sexo feminino veio a nascer [...].
A necessidade de realização da distinção feita no REsp Repetitivo 1.480.881/PI se deve em razão de que, no presente caso, a diferença de idade entre o acusado e a vítima não se mostrou tão distante quanto do acórdão paradigma, bem como porque houve o nascimento da filha do casal, devidamente registrada, fato social superveniente e relevante que deve ser considerado no contexto do crime.
Considerando as particularidades do presente feito, em especial o fato de a vítima viver maritalmente com o acusado desde o nascimento da filha do casal, denota que não houve afetação relevante do bem jurídico a resultar na atuação punitiva estatal. Não se evidencia a necessidade de pena, consoante os princípios da fragmentariedade, subsidiariedade e proporcionalidade.
Não se registra proveito social com a condenação do denunciado. Diversamente, o encarceramento se mostra mais lesivo aos valores protegidos, em especial, à família e à proteção integral da criança do que a resposta estatal para a conduta praticada, o que não pode ocasionar punição na esfera penal.
Assim, a eventual condenação de um jovem pelo delito de estupro de vulnerável acarretaria uma sanção severa, a ponto de destruir uma entidade familiar, colocando em grave risco a própria vítima e a filha, que não terá o suporte material e emocional do pai, cujo genitor terá que sofrer a estigmatização pela sociedade, diante da etiqueta de estuprador.
Estupro de vulnerável e Tema Repetitivo 918 do STJ
O estupro de vulnerável está previsto no art. 217-A ao Código Penal:
É possível perceber que é crime praticar conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso contra menor de 14 anos. Ademais, cabe destacar que a lei traz uma presunção absoluta de que a vítima não tem capacidade de compreender a gravidade dos fatos. Veja-se:
Por isso, a interpretação literal permite concluir que o consentimento da vítima é irrelevante para a consumação do delito, mesmo que haja um relacionamento entre a vítima e o autor da conduta.
Embora a lei seja clara, a controvérsia jurisprudencial surgiu exatamente em relação às situações em que há o consentimento da vítima, em especial em razão da existência de relacionamento amoroso.
Em razão disso, o STJ afetou o Tema Repetitivo 918 para discutir se a concordância da vítima menor de 14 anos possui relevância jurídico-penal a afastar a tipicidade do crime previsto no art. 217-A do Código Penal.
Ao julgar o Tema, o STJ entendeu que não há relevância do consentimento e fixou a seguinte tese, em observância à interpretação literal da lei:
Importante destacar, para a compreensão do julgado que, no caso concreto analisado no Repetitivo, a vítima era criança, com 8 anos de idade, enquanto que o imputado possuía idade superior a 21 anos. Portanto, nota-se considerável diferença de idade.
Caso concreto e distinguishing
No caso agora em análise, o réu possuía, ao tempo do fato, 19 anos de idade, e praticou conjunção carnal com a vítima, adolescente, que na época dos fatos contava com apenas 12 anos de idade, resultando em gravidez, cuja criança do sexo feminino nasceu. Desde o nascimento da filha, o casal passou a viver maritalmente (como casados). O réu foi absolvido em duas instâncias.
A discussão sobre a absolvição do imputado chegou ao STJ.
A Corte, no caso concreto, realizou o distinguishing em relação ao precedente do Repetitivo 918.
O distinguishing é técnica de decisão adotada pelos tribunais quando há evidente distinção do caso concreto apreciado no julgado paradigma e no processo em julgamento. Como explica Fredie Didie Jr:
Nesse contexto, o STJ diferenciou os casos concretos analisados e manteve a absolvição do imputado por ausência de afetação relevante do bem jurídico, pela desnecessidade da pena e inexistência de proveito social com a condenação do denunciado. A Corte apontou que, no caso:
Relevante pontuar que o Direito Penal aplica-se apenas em último caso quando os outros ramos do Direito forem insuficientes para proteger o bem jurídico (princípio da subsidiariedade) e protege apenas alguns bens jurídicos (princípio da fragmentariedade). Ademais, a pena deve ser proporcional (princípio da proporcionalidade). Assim, observando os princípios da fragmentariedade, subsidiariedade e proporcionalidade, o imputado deve ser absolvido.