STJ - Primeira Turma

REsp 1.985.977-DF

Recurso Especial

Relator: Sérgio Kukina

Julgamento: 18/06/2024

Publicação: 26/06/2024

Você não completou esse conteúdo
Marcar como completo
Favoritar
Imprimir em PDF

STJ - Primeira Turma

REsp 1.985.977-DF

Tese Jurídica Simplificada

Aplica-se a responsabilidade civil pela perda de uma chance no caso de profissionais médicos que não observam orientação do Ministério da Saúde, retirando do paciente uma chance concreta e real de ter um diagnóstico correto e de alcançar as consequências normais que dele se poderia esperar.

Vídeos

Nossos Comentários

Responsabilidade civil

A discussão sobre a perda de uma chance está relacionada à responsabilidade civil.

De forma simplificada, a responsabilidade civil é formada pelos seguintes elementos:

  • Conduta (ação/omissão)
  • Dano
  • Nexo de causalidade

Tratando-se de responsabilidade civil do Estado, sabe-se que a responsabilidade é objetiva, ou seja, independe de culpa ou dolo:

CF/88

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:   

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Ademais, a responsabilidade civil do Estado rege-se pela Teoria do Risco Administrativo que admite excludentes de responsabilidade como caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima, entre outros. 

Em relação ao dano, há diversas espécies definidas pela doutrina: dano material, dano moral, danos estéticos, dano social, dano coletivo e a perda de uma chance.

Para compreensão do julgado, é fundamental entender a teoria da perda de uma chance.

Trata-se, na verdade, da perda de uma oportunidade real, atual e certa ou a frustração de uma expectativa legítima em razão da conduta de terceiro. Esse dano gerado por terceiro impede o resultado final que poderia ter sido obtido.

Caso concreto 

No caso concreto analisado, os genitores de uma menina prematura ajuizaram ação indenizatória contra o Distrito Federal alegando que lhes foram causados danos em razão da falha na prestação do serviço público de saúde, haja vista a perda do útero da primeira recorrente (genitora) e a morte da pequena filha. 

No caso, o bebê nasceu com 29 semanas de idade gestacional e permaneceu internado na UTI Neonatal, tempo em que precisou de tratamento intensivo com ventilação mecânica e antibioticoterapia, diante da gravidade de sua condição de saúde.

Já com 9 meses de vida, precisou de atendimento médico de emergência, após apresentar febre intensa, tosse seca e vômitos. Os pais o levaram para a Unidade de Pronto Atendimento 24h (UPA), onde ele recebeu, inicialmente, a classificação de risco muito urgente. Contudo, o infante não foi internado e apenas lhe foi prescrito medicamento sem efeito antibiótico ou anti-inflamatório. 

Em seguida, quando estava em casa, o bebê continuou a apresentar os mesmos sintomas e, novamente, precisou de atendimento médico de emergência. Retornando ao hospital, a equipe de profissionais diagnosticou o caso como pneumonia bacteriana, prescreveu tratamento com medicamento antibiótico e concedeu alta médica. Na residência da família, o bebê dormiu na madrugada do dia seguinte, mas não acordou novamente.

O Tribunal de origem entendeu pela improcedência do pedido condenatório por não ter havido comprovação de falha no serviço ou nexo de causalidade entre as condutas empregadas no atendimento médico e a morte da criança. 

É importante ressaltar que, de acordo com orientação do Ministério de Saúde, a internação deve ser recomendada para crianças com diagnóstico de pneumonia e com histórico de doença de base debilitante (como no caso, criança prematura de 29 semanas e que possuía displasia broncopulmonar). No entanto, não houve internação após o diagnóstico de pneumonia. 

Julgamento 

A Primeira Turma do STJ considerou presentes os elementos para responsabilidade civil e condenação do Distrito Federal pela perda de uma chance. 

De início, a Corte destacou a hipossuficiência probatória dos genitores da criança falecida. Em outras palavras, os médicos e o hospital têm melhores condições técnicas e econômicas para comprovar o que levou à morte da criança. Nesse sentido, aplicou-se o art. 373, § 1º, do CPC para inverter o ônus de produzir essa prova: 

Art. 373. O ônus da prova incumbe:

[...]

§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

Uma vez realizada a inversão do ônus da prova, o ente público possuía o dever de comprovar que a morte do bebê não ocorreu por ausência de internação no momento em que se detectou a pneumonia bacteriana, especialmente quando considerada a orientação do Ministério da Saúde sobre a necessidade de internação das crianças portadoras de doença de base debilitante (displasia broncopulmonar), perfil no qual se encaixava o pequeno paciente. 

Com base na teoria da perda de uma chance, se o infante, diagnosticado com pneumonia bacteriana pela equipe médica, tivesse sido oportunamente internado na unidade hospitalar, sua morte poderia ter sido evitada, acaso providenciado o monitoramento médico de que necessitava em razão de sua grave condição de saúde.

A Primeira Turma do STJ destacou que a responsabilização do ente público não se dá em razão da morte da pequena paciente, mas em razão da perda da chance que a bebê teria de obter a cura ou, ao menos, melhores condições de sobrevida e tratamento menos doloroso.

Tese Jurídica Oficial

Aplica-se a responsabilidade civil pela perda de uma chance no caso de atuação dos profissionais médicos que não observam orientação do Ministério da Saúde, retirando do paciente uma chance concreta e real de ter um diagnóstico correto e de alçar as consequências normais que dele se poderia esperar.

Resumo Oficial

Trata-se, na origem, de ação indenizatória em face de ente público, alegando danos que lhes foram causados em decorrência da falha na prestação do serviço público de saúde, haja vista a morte de bebê prematuro.

No caso, o bebê nasceu com 29 semanas de idade gestacional e permaneceu internado na UTI Neonatal, tempo em que precisou de tratamento intensivo com ventilação mecânica e antibioticoterapia, diante da gravidade de sua condição de saúde. Já com nove meses de vida, precisou de atendimento médico de emergência, após apresentar febre intensa, tosse seca e vômitos. Os pais o levaram para a Unidade de Pronto Atendimento 24h (UPA), onde ele recebeu, inicialmente, a classificação de risco muito urgente. Contudo, o infante não foi internado e apenas lhe foi prescrito medicamento sem efeito antibiótico ou anti-inflamatório. Em seguida, quando estava em casa, o bebê continuou a apresentar os mesmos sintomas e, novamente, precisou de atendimento médico de emergência. Retornando ao hospital, a equipe de profissionais diagnosticou o caso como pneumonia bacteriana, prescreveu tratamento com medicamento antibiótico e concedeu alta médica. Na residência da família, o bebê dormiu na madrugada do dia seguinte, mas não acordou novamente.

A Corte estadual, embora pontuando expressamente que a equipe médica não seguiu a orientação de internação, emanada do Ministério de Saúde para crianças com diagnóstico de pneumonia e com histórico de doença de base debilitante (como no caso, criança prematura de 29 semanas e que possuía displasia broncopulmonar), culminou por reformar a sentença de procedência do pleito, sob o entendimento de não ter havido comprovação de falha no serviço ou nexo de causalidade entre as condutas empregadas no atendimento médico e a morte da criança.

Contudo, tal entendimento não se coaduna com a disposição do art. 373, § 1º, do CPC, pois, inequivocamente, a situação se amolda à hipossuficiência probatória de que trata o referido dispositivo de lei.

A Primeira Turma, no âmbito do AREsp n. 1.723.285/DF, de relatoria do Ministro Sérgio Kukina, já havia concluído pela possibilidade de inversão do ônus da prova em razão da hipossuficiência da parte autora: "é cabível inversão do ônus da prova nas ações que tratam de responsabilidade civil por erro médico, quando configurada situação de hipossuficiência técnica da parte autora". (AgInt no AREsp n. 1.723.285/DF, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 23/2/2021, DJe 26/2/2021).

O ente público possuía o dever de comprovar que a morte do bebê não seria fruto da ausência de internação no momento em que se detectou a pneumonia bacteriana, especialmente quando considerada a orientação assentada pelo Ministério da Saúde sobre a necessidade de internação das crianças portadoras de doença de base debilitante (displasia broncopulmonar), perfil no qual se encaixava o pequeno paciente.

Com base na teoria da perda de uma chance, se o infante, diagnosticado com pneumonia bacteriana pela equipe médica, tivesse sido oportunamente internado na unidade hospitalar, sua morte poderia ter sido evitada, acaso providenciado o monitoramento médico de que necessitava em razão de sua grave condição de saúde.

A respeito da mencionada teoria, no âmbito da responsabilidade civil por erro na prestação de serviços médico-hospitalares, vale destacar a seguinte lição: "embora não haja a prova do nexo causal entre a ação e o dano, o defeito na ação médica reduziu as "expectativas (cura, melhores condições de sobrevida, tratamento menos doloroso etc.), a responsabilidade é pela perda dessa oportunidade, a ser indenizada segundo o regime da perda da chance".

Exercícios

Questão 1.
No contexto da responsabilidade civil pela perda de uma chance em virtude de erro médico, qual é o principal fator que levou o STJ à determinar a responsabilização de ente público? 
A
A falha na prestação de serviços públicos por ausência de comunicação ao paciente de todas as opções de tratamento disponíveis
B
A inobservância das orientações do Ministério da Saúde pelos profissionais de saúde pública e o óbito do paciente
C
A perda de uma chance de tratamento, por demora na prestação do serviço público de saúde, independentemente das orientações seguidas
Encontrou um erro?

Onde Aparece?