STJ - Terceira Seção
CC 177.100-CE
Conflito de Competência
Relator: Joel Ilan Paciornik
Julgamento: 08/09/2021
Publicação: 10/09/2021
STJ - Terceira Seção
CC 177.100-CE
Tese Jurídica Simplificada
Cabe aos Tribunais de Justiça Estaduais julgar os crimes comuns praticados por Promotores de Justiça.
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Tese Jurídica Oficial
Compete aos tribunais de justiça estaduais processar e julgar os delitos comuns, não relacionados com o cargo, em tese praticados por Promotores de Justiça.
Resumo Oficial
O núcleo da controvérsia consiste em definir se Promotores de Justiça estaduais, pelo suposto cometimento de crime comum, possuem foro por prerrogativa de função no respectivo Tribunal de Justiça estadual, nos termos do art. 96, inciso III, da Constituição Federal; ou se incide, na espécie, por aplicação do princípio da simetria, a interpretação restritiva dada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal ao art. 102, inciso I, alíneas 'b' e 'c', da Carta Magna, no julgamento da QO na AP 937-RJ, segundo a qual o foro por prerrogativa de função se aplica apenas aos crimes praticados no exercício e em razão da função pública exercida.
Nesse ponto, é importante ressaltar que, de fato, o STF restringiu sua competência para julgar membros do Congresso Nacional somente nas hipóteses de crimes praticados no exercício e em razão da função pública exercida. Todavia, frise-se que referido precedente analisou apenas o foro por prerrogativa de função referente a cargos eletivos, haja vista que o caso concreto tratava de ação penal ajuizada em face de Deputado Federal.
Sobre o tema, a Corte Especial do STJ, no julgamento da QO na APN 878/DF reconheceu sua competência para julgar Desembargadores acusados da prática de crimes com ou sem relação ao cargo, não identificando simetria com o precedente do STF. Naquela oportunidade firmou-se a compreensão de que se Desembargadores fossem julgados por Juízo de Primeiro Grau vinculado ao Tribunal ao qual ambos pertencem, criar-se-ia, em alguma medida, um embaraço ao Juiz de carreira responsável pelo julgamento do feito. Em resumo, esta Corte Superior apontou discrimen relativamente aos Magistrados para manter interpretação ampla quanto ao foro por prerrogativa de função, aplicável para crimes com ou sem relação com o cargo, com fundamento na necessidade de o julgador desempenhar suas atividade judicantes de forma imparcial.
Nesse contexto, considerando que a prerrogativa de foro da Magistratura e Ministério Público encontra-se descrita no mesmo dispositivo constitucional (art. 96, inciso III, da CF), seria desarrazoado conferir-lhes tratamento diferenciado.
Por outro lado, a Suprema Corte, em 28/05/2021, nos autos do ARE 1.223.589/DF, de Relatoria do Ministro Marco Aurélio, por unanimidade, afirmou que a questão ora em debate possui envergadura constitucional, reconhecendo a necessidade de analisar, com repercussão geral (Tema 1.147), a possibilidade ou não do STJ, a partir do artigo 105, inciso I, alínea a, da CF, processar e julgar Desembargador por crime comum, ainda que sem relação com o cargo. Destarte, o precedente estabelecido pelo STF no julgamento da QO na AP 937/RJ diz respeito apenas a cargos eletivos, ao passo que a prerrogativa de foro disciplinada no art. 96, III, da Constituição Federal, que abrange magistrados e membros do Ministério Público, será analisada pela Suprema Corte no julgamento do ARE 1.223.589, com repercussão geral. Observe-se que o Pleno do STF proveu o agravo para determinar sequência ao recurso extraordinário, razão pela qual, em 08/06/2021 o processo foi reautuado para RE 1.331.044.
Por derradeiro, a Quinta Turma do STJ, no julgamento do AgRg no HC 647437/SP, de Relatoria do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, realizado em 25/5/2021 (DJe 1/6/2021), não identificou teratologia em situação de denúncia ofertada pelo titular da ação penal perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, na qual se imputou a Promotora de Justiça a prática, em tese, de conduta delituosa não relacionada com o cargo. Naquela oportunidade o ilustre relator ponderou que "(...) não foi demonstrado de maneira patente e inquestionável que o precedente estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da QO na AP 937/RJ, limitando o foro por prerrogativa de função às hipóteses de crimes praticados no exercício da função ou em razão dela, se aplicaria à paciente, posto que a Corte Suprema, na ocasião, não deliberou expressamente sobre o foro para processo e julgamento de magistrados e membros do Ministério Público, limitando-se a estabelecer tese em relação ao foro por prerrogativa de função de autoridades indicadas na Constituição Federal que ocupam cargo eletivo."
Diante disso, enquanto pendente manifestação do STF acerca do tema, deve ser mantida a jurisprudência até o momento aplicada que reconhece a competência dos Tribunais de Justiça Estaduais para julgamento de delitos comuns em tese praticados por Promotores de Justiça.
O artigo 96, inciso III, da Constituição Federal determina:
Com base nesse dispositivo, em tese, os Promotores de Justiça, enquanto membros do Ministério Público, teriam foro privilegiado tanto nos crimes comuns quanto nos crimes de responsabilidade.
No entanto, por interpretação restritiva do art. 102, I, "b" e "c", da CF, decidiu o STF, na Questão de Ordem na Ação Penal 937-RJ, que o foro por prerrogativa de função se aplica apenas aos crimes cometidos no exercício e em razão da função pública exercida.
Caso um Promotor de Justiça cometa um crime comum, será beneficiado pelo foro privilegiado, nos termos do art. 96, III, da CF, ou será cabível o entendimento do STF, por aplicação do princípio da simetria, fazendo com que o Promotor seja julgado pela Justiça Comum?
Inicialmente, cabe destacar que o referido precedente do STF analisou apenas o foro privilegiado referente a cargos eletivos, dado que o caso concreto tratava de ação penal ajuizada em face de Deputado Federal.
Sobre o tema, a Corte Especial do STJ, no julgamento da Questão de Ordem na Ação Penal 878-DF, reconheceu sua competência para julgar desembargadores acusados da prática de crimes com ou sem relação ao cargo, não identificando simetria com o precedente do STF. No caso, prevaleceu o entendimento de que, se o juiz da causa e o desembargador (réu) fossem vinculados ao mesmo Tribunal, isso poderia gerar problemas ao magistrado responsável pelo julgamento. Ou seja, os desembargadores possuem foro privilegiado, aplicável para crimes com ou sem relação com o cargo, a fim de manter a imparcialidade do julgador. Tal entendimento é baseado em uma interpretação ampla quanto ao foro por prerrogativa de função.
Nesse sentido, considerando que o foro privilegiado da Magistratura e Ministério Público encontra-se descrito no mesmo dispositivo constitucional (art. 96, III, CF), não seria razoável conferir a eles tratamento diferenciado.
Além disso, há processo em trâmite no STF, no qual foi reconhecida a existência de repercussão geral (Tema 1.147), onde se discute se o STJ é competente para julgar desembargador de Tribunal de Justiça por crime comum, sem relação com o cargo. Logo, a prerrogativa de foro disciplinada no art. 96, III, da CF, será analisada pela Suprema Corte no julgamento do ARE 1.223.589. Até o momento, o Pleno do STF proveu o agravo para determinar sequência ao recurso, razão pela qual, em 08/06/2021, o processo foi reautuado para RE 1.331.044.
Por fim, no julgamento do AgRg no HC 647.437-SP, a Quinta Turma do STJ também afastou a aplicação do precedente do STF ao caso concreto, no qual se imputou a Promotora de Justiça a prática de crime não relacionado com o cargo. Isso porque a Suprema Corte, no precedente em questão, não deliberou expressamente sobre o foro para processo de julgamento de magistrados e membros do MP, mas somente estabeleceu tese em relação ao foro privilegiado de autoridades indicadas na CF que ocupam cargo eletivo.
Assim, enquanto a questão não for julgada pelo STF, deve ser mantida a jurisprudência do STJ no sentido de que cabe aos Tribunais de Justiça Estaduais julgar os crimes comuns praticados por Promotores de Justiça.