1ª tese: É necessária a edição de lei em sentido formal para a tipificação do crime contra a humanidade trazida pelo Estatuto de Roma, mesmo se cuidando de Tratado internalizado.
O conceito de crime contra a humanidade se encontra positivado no art. 7º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, o qual foi adotado em 17/07/1998, porém apenas passou a vigorar em 01/07/2002, quando conseguiu o quórum de 60 países ratificando a convenção, sendo internalizado por meio do Decreto n. 4.388/2002. No Brasil, no entanto, ainda não há lei que tipifique os crimes contra a humanidade, embora esteja em tramitação o Projeto de Lei n. 4.038/2008, que "dispõe sobre o crime de genocídio, define os crimes contra a humanidade, os crimes de guerra e os crimes contra a administração da justiça do Tribunal Penal Internacional, institui normas processuais específicas, dispõe sobre a cooperação com o Tribunal Penal Internacional, e dá outras providências". Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se manifestar no sentido de que não é possível utilizar tipo penal descrito em tratado internacional para tipificar condutas internamente, sob pena de se violar o princípio da legalidade - art. 5º, XXXIX, da CF/1988 segundo o qual "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal" - art. 5º, XXXIX, da CF/1988. Assim, tanto no Supremo Tribunal Federal como também no Superior Tribunal de Justiça, não obstante a tendência em se admitir a configuração do crime antecedente de organização criminosa - antes da entrada em vigor da Lei n. 12.850/2013 - para configuração do crime de lavagem de dinheiro, em virtude da internalização da Convenção de Palermo, por meio Decreto n. 5.015/2004, prevaleceu o entendimento no sentido de que a definição de organização criminosa contida na referida convenção não vale para tipificar o art. 1º, inciso VII, da Lei n. 9.613/1998 - com redação anterior à Lei n. 12.683/2012. De igual modo, não se mostra possível internalizar a tipificação do crime contra a humanidade trazida pelo Estatuto de Roma, mesmo se cuidando de Tratado internalizado por meio do Decreto n. 4.388/2002, porquanto não há lei em sentido formal tipificando referida conduta.
2ª tese: O disposto na Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade não torna inaplicável o art. 107, inciso IV, do Código Penal.
A Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade foi adotada pela Resolução n. 2.391 da Assembleia Geral da ONU, em 26/11/1968, e entrou em vigor em 11/11/1970. Contudo, mencionada Convenção não foi ratificada pelo Brasil. Prevalece na jurisprudência que "os tratados em geral, inclusive os de direitos humanos, somente podem ser aplicados na ordem jurídica brasileira depois de serem promulgados na ordem interna. Ademais, a depender da forma como o tratado internacional de direitos humanos for incorporado, ele pode ter status constitucional ou supralegal. De fato, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 466.343/SP, o Supremo Tribunal Federal concluiu que o art. 5º, § 3º, da Constituição Federal revela que os tratados sobre direitos humanos, que não foram aprovados naqueles termos, não possuem status constitucional. Contudo, embora se tratem de normas infraconstitucionais, posicionam-se acima das leis, assumindo posição de supralegalidade. Na hipótese, entretanto, a referida Convenção não foi ratificada pelo Brasil, não sendo internalizada nem como norma supralegal. Nada obstante, no presente julgamento se discute sua observância independentemente de ratificação, por se tratar de norma jus cogens, ou seja, conforme disposto no art. 53 da Convenção de Viena: norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza. Relevante, anotar, independentemente do status que se atribua à Convenção analisada, que, no julgamento da Extradição n. 1.362/DF, considerou-se inaplicável o jus cogens, prevalecendo o entendimento no sentido de que a qualificação do crime como de lesa-humanidade não afasta a sua prescrição, porquanto: (a) o Brasil não subscreveu a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade, nem aderiu a ela; e (b) apenas lei interna pode dispor sobre prescritibilidade ou imprescritibilidade da pretensão estatal de punir (ADPF 153, Relator(a): Min. Eros Grau, voto do Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJe de 06/08/2010). Ainda que se admita o jus cogens, na contramão do que decidido pelo Supremo Tribunal Federal, o controle de convencionalidade exercido pelo STJ, com a finalidade de aferir se a legislação infraconstitucional está em dissonância com o disposto no tratado internacional sobre direitos humanos, deve se harmonizar com os princípios e garantias constitucionais. Com efeito, não se pode perder de vista que o tratado possui status supralegal, porém infraconstitucional, porquanto não internalizado nos termos do art. 5º, § 3º, da CF/1988. Conclusão em sentido contrário violaria não apenas o disposto no referido dispositivo da Constituição da República, mas também a jurisprudência consolidada do STF sobre o status dos tratados sobre direitos humanos, bem como inviabilizaria o exame dos temas pelo STJ. Não se coaduna com a ordem constitucional vigente, admitir a paralisação da eficácia da norma que disciplina a prescrição, com o objetivo de tornar imprescritíveis crimes contra a humanidade, por se tratar de norma de direito penal que demanda, da mesma forma, a existência de lei em sentido formal. Ademais, se deve igual observância ao princípio da irretroatividade. Portanto, não é possível tornar inaplicável o disposto no art. 107, IV, do CP, em face do disposto na Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade, sob pena de se vulnerar o princípio constitucional da legalidade e da irretroatividade, bem como a própria segurança jurídica, com consequências igualmente graves, em virtude da mitigação de princípios relevantes à própria consolidação do Estado Democrático de Direito.
1ª tese: É necessária a edição de lei em sentido formal para a tipificação do crime contra a humanidade trazida pelo Estatuto de Roma, mesmo se cuidando de Tratado internalizado.
O conceito de crime contra a humanidade se encontra positivado no art. 7º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, o qual foi adotado em 17/07/1998, porém apenas passou a vigorar em 01/07/2002, quando conseguiu o quórum de 60 países ratificando a convenção, sendo internalizado por meio do Decreto n. 4.388/2002. No Brasil, no entanto, ainda não há lei que tipifique os crimes contra a humanidade, embora esteja em tramitação o Projeto de Lei n. 4.038/2008, que "dispõe sobre o crime de genocídio, define os crimes contra a humanidade, os crimes de guerra e os crimes contra a administração da justiça do Tribunal Penal Internacional, institui normas processuais específicas, dispõe sobre a cooperação com o Tribunal Penal Internacional, e dá outras providências". Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se manifestar no sentido de que não é possível utilizar tipo penal descrito em tratado internacional para tipificar condutas internamente, sob pena de se violar o princípio da legalidade - art. 5º, XXXIX, da CF/1988 segundo o qual "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal" - art. 5º, XXXIX, da CF/1988. Assim, tanto no Supremo Tribunal Federal como também no Superior Tribunal de Justiça, não obstante a tendência em se admitir a configuração do crime antecedente de organização criminosa - antes da entrada em vigor da Lei n. 12.850/2013 - para configuração do crime de lavagem de dinheiro, em virtude da internalização da Convenção de Palermo, por meio Decreto n. 5.015/2004, prevaleceu o entendimento no sentido de que a definição de organização criminosa contida na referida convenção não vale para tipificar o art. 1º, inciso VII, da Lei n. 9.613/1998 - com redação anterior à Lei n. 12.683/2012. De igual modo, não se mostra possível internalizar a tipificação do crime contra a humanidade trazida pelo Estatuto de Roma, mesmo se cuidando de Tratado internalizado por meio do Decreto n. 4.388/2002, porquanto não há lei em sentido formal tipificando referida conduta.
2ª tese: O disposto na Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade não torna inaplicável o art. 107, inciso IV, do Código Penal.
A Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade foi adotada pela Resolução n. 2.391 da Assembleia Geral da ONU, em 26/11/1968, e entrou em vigor em 11/11/1970. Contudo, mencionada Convenção não foi ratificada pelo Brasil. Prevalece na jurisprudência que "os tratados em geral, inclusive os de direitos humanos, somente podem ser aplicados na ordem jurídica brasileira depois de serem promulgados na ordem interna. Ademais, a depender da forma como o tratado internacional de direitos humanos for incorporado, ele pode ter status constitucional ou supralegal. De fato, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 466.343/SP, o Supremo Tribunal Federal concluiu que o art. 5º, § 3º, da Constituição Federal revela que os tratados sobre direitos humanos, que não foram aprovados naqueles termos, não possuem status constitucional. Contudo, embora se tratem de normas infraconstitucionais, posicionam-se acima das leis, assumindo posição de supralegalidade. Na hipótese, entretanto, a referida Convenção não foi ratificada pelo Brasil, não sendo internalizada nem como norma supralegal. Nada obstante, no presente julgamento se discute sua observância independentemente de ratificação, por se tratar de norma jus cogens, ou seja, conforme disposto no art. 53 da Convenção de Viena: norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza. Relevante, anotar, independentemente do status que se atribua à Convenção analisada, que, no julgamento da Extradição n. 1.362/DF, considerou-se inaplicável o jus cogens, prevalecendo o entendimento no sentido de que a qualificação do crime como de lesa-humanidade não afasta a sua prescrição, porquanto: (a) o Brasil não subscreveu a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade, nem aderiu a ela; e (b) apenas lei interna pode dispor sobre prescritibilidade ou imprescritibilidade da pretensão estatal de punir (ADPF 153, Relator(a): Min. Eros Grau, voto do Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJe de 06/08/2010). Ainda que se admita o jus cogens, na contramão do que decidido pelo Supremo Tribunal Federal, o controle de convencionalidade exercido pelo STJ, com a finalidade de aferir se a legislação infraconstitucional está em dissonância com o disposto no tratado internacional sobre direitos humanos, deve se harmonizar com os princípios e garantias constitucionais. Com efeito, não se pode perder de vista que o tratado possui status supralegal, porém infraconstitucional, porquanto não internalizado nos termos do art. 5º, § 3º, da CF/1988. Conclusão em sentido contrário violaria não apenas o disposto no referido dispositivo da Constituição da República, mas também a jurisprudência consolidada do STF sobre o status dos tratados sobre direitos humanos, bem como inviabilizaria o exame dos temas pelo STJ. Não se coaduna com a ordem constitucional vigente, admitir a paralisação da eficácia da norma que disciplina a prescrição, com o objetivo de tornar imprescritíveis crimes contra a humanidade, por se tratar de norma de direito penal que demanda, da mesma forma, a existência de lei em sentido formal. Ademais, se deve igual observância ao princípio da irretroatividade. Portanto, não é possível tornar inaplicável o disposto no art. 107, IV, do CP, em face do disposto na Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade, sob pena de se vulnerar o princípio constitucional da legalidade e da irretroatividade, bem como a própria segurança jurídica, com consequências igualmente graves, em virtude da mitigação de princípios relevantes à própria consolidação do Estado Democrático de Direito.