STF - Plenário

ARE 1.495.711-SP

Recurso Extraordinário com Agravo

Relator: Flávio Dino

Julgamento: 29/11/2024

STF - Plenário

ARE 1.495.711-SP

Tese Jurídica Simplificada

É constitucional a lei municipal de iniciativa parlamentar que prevê políticas públicas destinadas ao combate da alienação parental.

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Alienação parental

Para compreender o julgado, é relevante ter uma noção básica do que significa alienação parental.

Grosso modo, é a prática realizada por um ascendente em relação a criança ou a adolescente com o objetivo de prejudicar ou dificultar o vínculo dessa pessoa em desenvolvimento com o outro genitor.

Conforme definição do Ministério Público do Estado do Paraná:

A prática caracteriza-se como toda interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos pais, pelos avós ou por qualquer adulto que tenha a criança ou o adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância. O objetivo da conduta, na maior parte dos casos, é prejudicar o vínculo da criança ou do adolescente com o genitor. A alienação parental fere, portanto, o direito fundamental da criança à convivência familiar saudável, sendo, ainda, um descumprimento dos deveres relacionados à autoridade dos pais ou decorrentes de tutela ou guarda.

No Brasil, temos a Lei de Alienação Parental que reconhece o afeto como um valor jurídico a ser protegido:

Lei de Alienação Parental

Art. 3º. A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda.

Controvérsia

No caso concreto, o Município de Santo André no Estado de São Paulo aprovou a Lei nº 10.509/2020 para tratar de medidas contra alienação parental.

Houve ADI ajuizada no Tribunal de Justiça de São Paulo e a ação foi julgada procedente para reconhecer a inconstitucionalidade da lei municipal em razão de:

  • suposta usurpação da iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo municipal, porque as políticas públicas significam aumento de despesa.
  • invasão da competência privativa da União em direito civil.
  • violação da autonomia do Ministério Público estadual ao prever que as ações ações governamentais serão desenvolvidas, em conjunto, “pelas Secretarias Municipais responsáveis, pelo Ministério Público e entidades governamentais e não governamentais ligadas à defesa dos direitos da criança e do adolescente, observando os termos da Lei 8.069/90”.

A Mesa Diretora da Câmara Municipal de Santo André interpôs recurso extraordinário para levar a discussão ao STF.

Portanto, a controvérsia consiste em saber:

  • se existe reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Executivo para a instituição de ações governamentais e políticas públicas municipais em razão de consequências econômico-financeiras decorrentes das medidas;
  • se o combate à alienação parental constitui matéria de direito civil de competência legislativa privativa da União; e
  • se viola a autonomia ministerial a orientação dirigida aos órgãos administrativos municipais para organizarem as ações governamentais conjuntamente com o Ministério Público estadual;

Julgamento

De acordo com o Plenário do STF, é constitucional a lei municipal de iniciativa parlamentar que prevê políticas públicas destinadas ao combate da alienação parental.

De acordo com a Corte, a proteção à infância e juventude é uma competência compartilhada entre União, Estados e Distrito Federal e Municípios, conforme artigo 227 da CF/88:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.   

Além disso, o fato de as medidas ocasionarem aumento de despesas para a Administração Pública não é motivo suficiente para limitar a iniciativa de leis aos Chefes do Executivo. Sobre o tema, o Plenário fundamentou a decisão na Repercussão Geral nº 917:

Não usurpa competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art. 61, § 1º, II,"a", "c" e "e", da Constituição Federal).

No caso de Santo André, a lei municipal apenas reforçou normas já existentes sobre proteção contra alienação parental, não criando novas regras

Por fim, a menção ao Ministério Público na lei não cria novas obrigações para o órgão, apenas orienta a integração entre instituições. Em outras palavras, não houve criação ou imposição de dever, obrigação ou responsabilidade para o Ministério Público.

Dessa forma, o Plenário do STF deu provimento ao recurso extraordinário para considerar constitucional a Lei nº 10.509/2020 do Município de Santo André/SP.

Tese Jurídica Oficial

É constitucional — e não usurpa a prerrogativa de iniciativa legislativa do chefe do Poder Executivo em matéria de organização e funcionamento da Administração Pública local (CF/1988, art. 61, § 1º, II, “a” e “e”), a competência legislativa privativa da União ou a autonomia do Ministério Público (CF/1988, arts. 127, § 2º; e 128, § 5º) — lei municipal de origem parlamentar que estabelece políticas públicas voltadas ao combate à alienação parental na respectiva localidade.

Resumo Oficial

Não há falar em competência legislativa privativa da União, pois a proteção à infância e à juventude constitui competência legislativa concorrente da União, dos estados federados e do Distrito Federal (CF/1988, art. 24, XV). Tampouco há reserva de iniciativa legislativa privativa do chefe do Poder Executivo, uma vez que o simples aumento de despesas para a Administração Pública não a justifica e as hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão taxativamente previstas (CF/1988, art. 61).

Ademais, a legislação municipal não inovou em relação às normas gerais referentes à proteção das crianças e dos adolescentes contra a alienação parental, mas apenas instituiu medidas destinadas a concretizar a difusão do esclarecimento e da conscientização dos órgãos públicos e da comunidade local contra os graves riscos à população infantojuvenil decorrentes do abuso resultante da alienação parental.

Por outro lado, a previsão de que as ações governamentais serão desenvolvidas, em conjunto, “pelo Ministério Público” não cria, por si só, obrigação, dever ou responsabilidade imputável aos órgãos do Parquet. Trata-se de diretriz focada em orientar a atuação dos órgãos da Administração Pública municipal no sentido de promover a integração operacional com os órgãos responsáveis pela Política de Atendimento à Criança, conforme dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990, art. 88, V), expressamente mencionado na norma municipal.

Na espécie, interpôs-se agravo da decisão de inadmissibilidade do recurso extraordinário deduzido contra acórdão do tribunal de justiça paulista que, em representação de inconstitucionalidade (ADI estadual), declarou a inconstitucionalidade dos arts. 2º e 3º da Lei nº 10.509/2020 do Município de Santo André/SP.

Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, conheceu do agravo e deu provimento ao recurso extraordinário, para reformar o acórdão recorrido e julgar totalmente improcedente a ação direta de inconstitucionalidade estadual proposta contra a Lei nº 10.509/2020 do Município de Santo André/SP.

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