STF - Plenário

RE 1.075.412-PE

Recurso Extraordinário

Paradigma

Relator: Marco Aurélio

Relator Divergente: Edson Fachin

Julgamento: 29/11/2023

Publicação: 05/12/2023

STF - Plenário

RE 1.075.412-PE

Tese Jurídica Simplificada

1ª Tese: A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa está associada à liberdade com responsabilidade, vedada censura prévia por parte do Poder Judiciário. Eventual violação dos direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem será resolvida na seara da responsabilização civil. 

2ª Tese: De forma excepcional, as empresas jornalísticas podem ser responsabilizadas civilmente pela publicação de entrevista em que o entrevistado faz atribuição falsa de crime a terceiro. Essa responsabilização ocorre quando comprovada má-fé ou culpa grave do meio de comunicação. Em regra, é o próprio entrevistado que deverá ser responsabilizado.

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Contexto 

No caso concreto, um ativista político contrário ao regime militar processou o Jornal Diário de Pernambuco por uma entrevista publicada em 1995, objetivando o pagamento de indenização por danos morais.

Em síntese, o Jornal entrevistou um político alinhado ao regime militar que acusou o ativista de ser o responsável por um atentado realizado em 1966, o qual resultou em diversas mortes.

Quando a entrevista foi publicada, já era possível encontrar evidências de que a acusação era falsa. Embora tenha havido processo criminal para apurar os fatos relacionados ao atentado, o ativista não foi acusado e as testemunhas já haviam excluído a sua participação. 

Porém, essas circunstâncias não impediram que o Jornal publicasse a entrevista. Além de ter publicado, não houve qualquer alerta de que a afirmação oferecida pelo político entrevistado era controvertida e não comprovada. O direito de resposta do ativista também não foi respeitado. 

Nesse contexto, quando a questão chegou ao STJ, o Tribunal condenou o Jornal ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 50.000,00 em benefício do ativista político. 

Inconformado, o Jornal interpôs recurso extraordinário contra essa decisão do STJ. 

O STF reconheceu a repercussão geral e afetou o Tema 995.  

É possível a condenação da empresa jornalística pela divulgação de entrevista em que há falsa imputação de crime a uma terceira pessoa, sem provas desses fatos?

Para responder essa pergunta, o STF fixou quatro premissas sobre o tema: 

  • Conflitos entre liberdades e direitos individuais e a prevalência do direito à informação: a CF/88 atribui especial valor às liberdades de expressão, informação e imprensa (arts. 5º, IV, V, X e XIV, e 220). Por outro lado, há os os direitos à privacidade, à honra e à imagem (art. 5º, X). Em caso de conflito entre as liberdades e os direitos individuais, deve prevalecer, sempre que possível, o interesse da coletividade em obter informações relevantes. 
  • Impossibilidade de censura prévia e a violação de direitos individuais que deve ser resolvida pelo regime da responsabilização civil: como já decidido em outras oportunidades pelo STF, não é cabível ao Judiciário limitar previamente a liberdade de expressão e de manifestação de pensamento, sob pena de configurar censura. De toda forma, se forem divulgadas informações falsas com o objetivo de prejudicar terceiros, a violação dos direitos de privacidade, honra e imagem será resolvida pela responsabilização civil. 
  • Responsabilização da pessoa que faz a acusação falsa: em regra, se um meio de comunicação divulga uma entrevista em que há imputação falsa de crime a terceiro, a indenização caberá a quem fez a acusação falsa. 
  • Excepcionalmente, o meio de comunicação será responsabilizado: a responsabilização civil do jornal ou de outro meio de comunicação por divulgação de entrevista nessas condições ocorre apenas de forma excepcional, desde que haja má-fé ou culpa grave do jornal na divulgação da entrevista. Essa má-fé ou culpa grave deve ser comprovada pela pessoa falsamente acusada. Essa prova existirá se ficar evidente que (i) o jornal sabia das evidências de que a acusação era falsa e, (ii) não tomou os cuidados de divulgar que a acusação seria, no mínimo, duvidosa.

Logo, o STF fixou duas teses: 

  • 1ª Tese: A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa está associada à liberdade com responsabilidade, vedada censura prévia por parte do Poder Judiciário. Eventual violação dos direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem será resolvida na seara da responsabilização civil. 
  • 2ª Tese: De forma excepcional, as empresas jornalísticas podem ser responsabilizadas civilmente pela publicação de entrevista em que o entrevistado faz atribuição falsa de crime a terceiro. Essa responsabilização ocorre quando comprovada má-fé ou culpa grave do meio de comunicação. Em regra, é o próprio entrevistado que deverá ser responsabilizado.

Tese Jurídica Oficial

1ª Tese: A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia. Admite-se a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais. Isso porque os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.

2ª Tese: Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios.

Resumo Oficial

Não viola o direito à liberdade de imprensa (CF/1988, art. 220) a condenação de veículo de comunicação ao pagamento de indenização por dano moral que decorra da publicação de entrevista em que veiculada informação falsa. Essa medida excepcional é aplicável quando existir intenção deliberada, má-fé ou grave negligência por parte do canal de imprensa, isto é, quando, mesmo presentes indícios concretos acerca da inveracidade da acusação, ele se abstém do estrito cumprimento de seu dever de cuidado, consistente em oportunizar a manifestação da pessoa atingida e em adotar providências e cautelas que objetivem uma análise mais apurada da genuinidade das informações.

O regime jurídico de proteção da liberdade de expressão garante, por um lado, a impossibilidade de censura prévia, e, por outro, a possibilidade de que os direitos da personalidade se façam respeitar, a posteriori, por meio de responsabilização civil e penal.

A liberdade de imprensa goza de um regime de prevalência, sendo exigidas condições excepcionais para seu afastamento quando em conflito com outros princípios constitucionais. Para além da configuração de culpa ou dolo do agente, é necessário também que as circunstâncias fáticas indiquem uma incomum necessidade de salvaguarda dos direitos da personalidade.

Não se pode tolerar a extrapolação no exercício da atividade jornalística que menospreze direitos de personalidade de outrem, motivo pelo qual, nas circunstâncias acima citadas, é admissível a responsabilização dos culpados.

Na espécie, estão presentes requisitos dessa natureza, pois, além de a empresa jornalística recorrente não ter feito as ressalvas devidas quanto à honra do recorrido e dado a ele a oportunidade de apresentar sua versão dos fatos, a entrevista publicada não examinou o potencial lesivo da informação divulgada nem empregou os mecanismos razoáveis de aferição de sua veracidade. Ademais, sequer foi provado nos autos que o entrevistado, responsável pelas alegações que atribuíam ao recorrido a prática de fato tipificado como crime, havia promovido, de fato, essa imputação.

Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 995 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário e, em continuidade de julgamento, fixou a tese supracitada.

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