STF - Plenário

ARE 843.989-PR

Recurso Extraordinário com Agravo

Repercussão Geral

Relator: Alexandre de Moraes

Julgamento: 18/08/2022

Publicação: 12/12/2022

STF - Plenário

ARE 843.989-PR

Tese Jurídica Simplificada

1ª Tese: A partir de 26.10.2021 (vigência da L. 14.230/2021) deixou de existir, no ordenamento jurídico, a tipificação para atos culposos de improbidade administrativa.

2ª Tese: A revogação da improbidade culposa (L. 14.230/2021) é irretroativa, não aplicável a sentenças transitadas em julgado.

3ª Tese: A revogação da improbidade culposa promovida pela Lei 14.230/2021 poderá atingir atos praticados na vigência da Lei 8.429/1992 ainda não transitados em julgado, cabendo ao juízo competente o exame da ocorrência de eventual dolo por parte do agente.

4ª Tese: Os prazos prescricionais previstos na Lei 14.230/2021 não retroagem, sendo aplicáveis a partir da publicação do novo texto legal (26.10.2021).

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Nossos Comentários

Nova Lei de Improbidade Administrativa

Recentemente, a Lei de Improbidade Administrativa (LIA) foi alvo de intensas alterações legislativas promovidas pela Lei 14.230/2021. A Lei 8.429/92, acrescida pelas alterações da referida lei de 2021, passou a ser conhecida como a "Nova Lei de Improbidade Administrativa".

Vejamos algumas mudanças principais.

1. FIM DA MODALIDADE CULPOSA

Com a mudança da lei, foram extintas as modalidades culposas de Improbidade Administrativa. 

LIA antiga LIA nova (2021)

Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.

Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.

Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei.    

Parágrafo único. (Revogado).   

§ 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais.

(...)

2. EXCLUSÃO DO TERCEIRO QUE SE BENEFICIE DA PRÁTICA DE IMPROBIDADE

Como a conduta deve ser dolosa, o terceiro que não concorre para a prática, mas somente se beneficia, está excluído da incidência da LIA.

LIA antiga LIA nova (2021)

Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

Art. 3º As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade.

3. SANÇÕES 

As sanções também foram alteradas. Como sabemos, a LIA prevê três tipos de ilícitos ensejadores de Improbidade:

  • Atos de Improbidade que Geram Enriquecimento Ilícito: São os atos mais graves, e por isso punidos de forma mais severa pelo legislador. 
  • Atos de Improbidade que Causam Prejuízo ao Erário: São atos que geram um prejuízo para o Estado, mas sem gerar enriquecimento a quem os comete. 
  • Atos de Improbidade que Atentam Contra os Princípios da Administração Pública: São atos "imorais", mas que não geram nem enriquecimento de seu causador, nem prejuízo aos cofres públicos. 

 

  Enriquecimento Ilícito Prejuízo ao Erário Princípios da Administração
LIA antiga

- Perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio

- Ressarcimento integral do dano, quando houver

- Perda da função pública

- Suspensão dos direitos políticos de 8 a 10 anos;

Multa civil de até 3x o valor do acréscimo patrimonial

- Proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de 10 anos.

- Ressarcimento integral do dano

- Perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio (se tiver)

- Perda da função pública

- Suspensão dos direitos políticos de 5 a 8 anos;

- Multa civil de até 2 vezes o valor do dano

- Proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios pelo prazo de 5 anos;

- Ressarcimento integral do dano, se houver;

- Perda da função pública

- Suspensão dos direitos políticos de 3 a 5 anos

- Multa civil de até 100 vezes o valor da remuneração percebida pelo agente

- Proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios pelo prazo de 3 anos.

LIA atual

- Perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente;

- Perda da função pública;

- Suspensão dos direitos políticos até 14 anos;

- Multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial;

- Proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios por até 14 anos.

- Perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente (se tiver)

- Perda da função pública;

- Suspensão dos direitos políticos até 12 anos;

- Multa civil equivalente ao valor do dano;

- Proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios por até 12 anos;

- Multa civil de até 24 vezes o valor da remuneração percebida pelo agente;

- Proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios por até 4 anos.

4. PRESCRIÇÃO

Outra importante mudança da LIA foi a referente à prescrição. Vejamos o comparativo entre os dois diplomas.

  LIA antiga LIA nova (2021)
Prazo 5 anos 8 anos
Início do Prazo Como regra geral, contava-se a partir do término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança. A partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência

Perceba que a LIA atual está bem mais branda do que a redação original de 1992. Além da previsão de punição somente para atos dolosos, também podemos perceber que inexistem patamares mínimos às punições. Ex.: Se antes a punição para enriquecimento ilícito era proibição de contratar com o poder público por 10 anos, agora o indivíduo poderá ser proibido por "até" 14 anos (ou seja, menos que isso).

Julgamento

Chegou ao STF um Recurso Extraordinário questionando três teses:

1. A supressão da modalidade culposa foi dada de forma válida?

Segundo o STF, sim. Isso porque a própria CF delega à lei ordinária a regulamentação dos atos de improbidade (art. 37, §4º). Não há que se falar de vício de forma, portanto.  

2. É possível aplicar a LIA nova a fatos culposos cometidos antes de sua vigência, ou seja, antes de 26/10/2021, gerando uma abolitio criminis a esses fatos culposos que não são mais ilícitos?

O argumento para a aplicação dessa lei a fatos pretéritos foi no sentido de que o caráter sancionatório da LIA a equiparava a uma norma penal. Para o STF, a LIA não retroage, pois não é uma lei penal.

É possível, contudo, que incida a nova LIA a fatos culposos ocorridos antes da vigência, desde que ainda não transitados em julgado. Ou seja:

  • Fato culposo anterior à vigência da Nova LIA (26/10/2021) que ainda não teve Trânsito em Julgado: Aplica-se a nova LIA.
  • Fato culposo anterior à vigência da Nova LIA (26/10/2021) com Trânsito em Julgado: Mantém a aplicação da antiga LIA. 

3. É possível aplicar os novos prazos prescricionais a fatos anteriores à nova LIA?

Não. Os prazos prescricionais da Nova LIA não retroagirão para atingir atos de improbidade ocorridos antes de 26/10/2021.

Tese Jurídica Oficial

1ª Tese: A partir do advento da Lei 14.230/2021 (nova Lei de Improbidade Administrativa – LIA) — cuja publicação e entrada em vigor ocorreu em 26.10.2021 —, deixou de existir, no ordenamento jurídico, a tipificação para atos culposos de improbidade administrativa.

2ª Tese: Por força do art. 5º, XXXVI, da CF/1988, a revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, promovida pela Lei 14.230/2021, é irretroativa, de modo que os seus efeitos não têm incidência em relação à eficácia da coisa julgada, nem durante o processo de execução das penas e seus incidentes.

3ª Tese: Incide a Lei 14.230/2021 em relação aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência da Lei 8.429/1992, desde que não exista condenação transitada em julgado, cabendo ao juízo competente o exame da ocorrência de eventual dolo por parte do agente.

4ª Tese: Os prazos prescricionais previstos na Lei 14.230/2021 não retroagem, sendo aplicáveis a partir da publicação do novo texto legal (26.10.2021).

Resumo Oficial

A partir do advento da Lei 14.230/2021 (nova Lei de Improbidade Administrativa – LIA) — cuja publicação e entrada em vigor ocorreu em 26.10.2021 —, deixou de existir, no ordenamento jurídico, a tipificação para atos culposos de improbidade administrativa.

A alteração promovida pelo legislador no texto original da Lei 8.429/1992, no sentido de suprimir a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, é clara e plenamente válida, pois a própria Constituição Federal delega à legislação ordinária a forma e tipificação dos atos ímprobos, assim como a gradação das sanções constitucionalmente estabelecidas (CF/1988, art. 37, § 4º).

Nada obstante, com o advento da nova lei, o agente público que culposamente causar dano ao erário, embora não mais responda por ato de improbidade administrativa, poderá responder civil e administrativamente pelo ato ilícito.

Por força do art. 5º, XXXVI, da CF/1988, a revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, promovida pela Lei 14.230/2021, é irretroativa, de modo que os seus efeitos não têm incidência em relação à eficácia da coisa julgada, nem durante o processo de execução das penas e seus incidentes.

O princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica (CF/1988, art. 5º, XL) não tem aplicação automática para a responsabilidade por atos ilícitos civis de improbidade administrativa, por ausência de expressa previsão legal e sob pena de desrespeito à constitucionalização das regras rígidas de regência da Administração Pública e responsabilização dos agentes públicos corruptos com flagrante desrespeito e enfraquecimento do direito administrativo sancionador.

Referido princípio baseia-se em particularidades do direito penal, o qual está vinculado à liberdade do criminoso (princípio do favor libertatis), fundamento inexistente no direito administrativo sancionador. Trata-se de regra de exceção que, como tal, deve ser interpretada restritivamente, prestigiando-se a regra geral da irretroatividade da lei e a preservação dos atos jurídicos perfeitos, especialmente porque, no âmbito da jurisdição civil, prevalece o princípio tempus regit actum.

Incide a Lei 14.230/2021 em relação aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência da Lei 8.429/1992, desde que não exista condenação transitada em julgado, cabendo ao juízo competente o exame da ocorrência de eventual dolo por parte do agente.

Diante da revogação expressa do texto legal anterior, não se admite a continuidade de uma investigação, uma ação de improbidade, ou uma sentença condenatória por improbidade com base em uma conduta culposa não mais tipificada legalmente.

Entretanto, a incidência dos efeitos da nova lei aos fatos pretéritos não implica a extinção automática das demandas, pois deve ser precedida da verificação, pelo juízo competente, do exato elemento subjetivo do tipo: se houver culpa, não se prosseguirá com o feito; se houver dolo, prosseguir-se-á. Essa medida é necessária porque, na vigência da Lei 8.429/1992, como não se exigia a definição de dolo ou culpa, muitas vezes a imputação era feita de modo genérico, sem especificar qual era o elemento subjetivo do tipo.

Nesse contexto, todos os atos processuais até então praticados são válidos, inclusive as provas produzidas, as quais poderão ser compartilhadas no âmbito disciplinar e penal, assim como a ação poderá ser utilizada para fins de ressarcimento ao erário.

Os prazos prescricionais previstos na Lei 14.230/2021 não retroagem, sendo aplicáveis a partir da publicação do novo texto legal (26.10.2021).

Isso se dá em respeito ao ato jurídico perfeito e em observância aos princípios da segurança jurídica, do acesso à Justiça e da proteção da confiança, garantindo-se a plena eficácia dos atos praticados validamente antes da alteração legislativa.

Com efeito, a inércia nunca poderá ser caracterizada por uma lei futura que, diminuindo os prazos prescricionais, passe a exigir o impossível, isto é, que, retroativamente, o poder público — que foi diligente e atuou dentro dos prazos à época existentes — cumpra algo até então inexistente. Por outro lado, a teor do que decidido pela Corte no Tema 897 de repercussão geral, permanecem imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na LIA.

Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, ao apreciar o Tema 1.199 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário para extinguir a ação, e, por maioria, acompanhou os fundamentos do voto do ministro Alexandre de Moraes (relator). Vencidos, parcialmente e nos termos de seus respectivos votos, os ministros André Mendonça, Nunes Marques, Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.

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