STJ - Primeira Seção
REsp 2.078.485-PE
Recurso Especial
Outros Processos nesta Decisão
REsp 2.078.989-PE • REsp 2.078.993-PE • REsp 2.079.113-PE
Relator: Herman Benjamin
Julgamento: 18/08/2024
STJ - Primeira Seção
REsp 2.078.485-PE
Tese Jurídica Simplificada
Extinção do cumprimento de sentença coletiva por prescrição intercorrente não impede a execução individual.
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Tese Jurídica Oficial
A extinção do cumprimento de sentença coletiva proposta pelo legitimado extraordinário, por prescrição intercorrente, não impede a execução individual do mesmo título.
Resumo Oficial
Cinge-se a controvérsia acerca do alcance dos efeitos da decretação da prescrição intercorrente na execução coletiva, isto é, se a decisão desfavorável ao substituto processual atinge os membros do grupo.
O núcleo do regime jurídico da coisa julgada no microssistema do processo coletivo está previsto nos arts. 103 e 104 do Código de Defesa do Consumidor. De acordo com o art. 103, III, do CDC, nas demandas coletivas propostas para a defesa dos direitos individuais homogêneos, a coisa julgada é erga omnes "apenas no caso de procedência do pedido." A previsão é complementada pelo § 2º, segundo o qual, "em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual."
O CDC inaugurou o que a doutrina chama de coisa julgada secundum eventum litis. Significa que a sentença coletiva só alcançará os membros do grupo para beneficiá-los. A razão da previsão legal é a ausência de efetiva participação de cada um dos membros do grupo no processo coletivo. Não há coisa julgada contra aquele que não participou do contraditório. A essa regra existe apenas uma exceção: na hipótese de intervenção do membro do grupo no processo coletivo como litisconsorte (§ 2º do art. 103 e 94).
Portanto, a coisa julgada desfavorável ao substituto processual não é oponível aos membros do grupo em suas execuções individuais, especialmente quando, reconhecidamente, houve desídia do substituto na condução da execução coletiva. Ademais, não há motivo para a não incidência dessa previsão legal em relação ao processo de execução coletiva. Isso porque estão presentes as mesmas razões para não haver o prejuízo aos interessados, a saber, a ausência de sua efetiva participação no processo. Precedentes: AgInt no REsp n. 2.102.083/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 19.4.2024; AgInt no REsp n. 2.093.101/PE, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 28.2.2024; AgInt no REsp n. 1.927.562/PE, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 15.12.2022; e AgInt no REsp n. 1.960.015/PE, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 1.4.2022.
Outrossim, no que tange à ausência de prescrição da pretensão executória, o ordenamento jurídico induz o titular do direito individual a permanecer inerte até o desfecho do processo coletivo, quando só então decidirá pelo ajuizamento da ação individual.
À luz da racionalidade do microssistema do processo coletivo, não se pode exigir do credor individual o ajuizamento do cumprimento de sentença quando pendente execução coletiva. Por isso, o Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente decidido que a propositura do cumprimento de sentença pelo legitimado extraordinário interrompe o prazo prescricional para a execução individual. Precedentes: AgInt no AgInt no REsp n. 1.932.536/DF, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 5.10.2022; AgInt no AREsp n. 2.292.113/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 17.8.2023; AgInt no REsp n. 1.927.562/PE, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 15.12.2022; AgInt no AREsp n. 2.207.275/RJ, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe de 15.3.2023.
Breve contextualização
No caso, o STJ analisou o cumprimento de sentença coletiva e individual por servidores públicos, relacionado ao direito de contagem de tempo de serviço para recebimento de anuênios.
Sentença coletiva x sentença individual
É uma decisão terminativa de litígio que envolve grupo ou coletividade de pessoas, normalmente em ações coletivas, como ações civis públicas ou ações populares.
Essas sentenças têm efeito abrangente e atingem todos os membros de uma determinada coletividade, mesmo aqueles que não estão diretamente envolvidos no processo. Por exemplo, uma sentença coletiva pode determinar medidas que beneficiam todos os consumidores de um produto defeituoso.
Ao contrário, a sentença individual é a decisão judicial que afeta apenas as partes diretamente envolvidas no processo. Trata-se de uma resolução de um litígio entre duas ou mais partes, mas que não tem efeitos além dos envolvidos no caso específico. Um exemplo seria a decisão em um processo de divórcio, onde o juiz determina como será a partilha de bens entre o casal.
Anuênio
O anuênio é uma forma de adicional por tempo de serviço concedido a servidores públicos. Trata-se de um benefício financeiro que aumenta a remuneração do servidor a cada ano de trabalho no serviço público. Tradicionalmente, o servidor recebe um acréscimo de 1% no seu salário-base por cada ano completo de efetivo exercício.
Nos últimos anos, muitos entes federativos deixaram de conceder o anuênio para novos servidores, em razão de reformas administrativas ou legislações que buscam reduzir o impacto financeiro nas contas públicas. Em alguns lugares, o anuênio foi substituído por outras formas de progressão por tempo de serviço, como quinquênios (adicional a cada cinco anos) ou triênios (a cada três anos).
O anuênio está previsto em legislações específicas de cada ente público. No âmbito federal, ele foi suprimido pela lei 8.112/90 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Federais), mas continua em vigor para algumas categorias de servidores estaduais e municipais, de acordo com os estatutos próprios de cada localidade.
Caso concreto
A ação foi movida pelo Sindicato dos Trabalhadores Públicos Federais da Saúde e Previdência Social (SINDSPREV) em nome de um grupo de servidores federais, buscando o reconhecimento do direito à contagem do tempo de serviço prestado antes da lei 8.112/1990 para fins de anuênios.
O direito foi reconhecido em uma sentença coletiva, beneficiando o grupo. Após o reconhecimento desse direito, o sindicato iniciou o cumprimento de sentença coletiva.
No entanto, o cumprimento de sentença coletiva foi extinto sem análise de mérito devido à prescrição intercorrente, que ocorre quando há inatividade no processo por um longo período.
Posteriormente, os servidores ajuizaram, individualmente, o cumprimento de sentença, já que o sindicato havia sido inerte no cumprimento coletivo.
A União argumentou que a coisa julgada desfavorável ao sindicato (no cumprimento de sentença extinto) deveria impedir os servidores de prosseguir com a execução individual.
Prescrição intercorrente
Prevista no art. 924, V, do CPC, trata-se da extinção do direito de exigir ato processual ou a satisfação de uma obrigação durante o curso de um processo, devido à inércia da parte interessada por um determinado período de tempo.
Ela é mais comum em processos de execução ou cumprimento de sentença. O prazo para que ocorra a prescrição intercorrente geralmente é o mesmo da prescrição original da obrigação.
Por exemplo, se o prazo prescricional inicial era de 5 anos, a prescrição intercorrente também será de 5 anos a partir da inércia da parte.
Ela pode ser interrompida por atos processuais que impulsionem o andamento do processo, como pedidos de citação, penhora, ou qualquer medida adotada pelo credor para satisfazer a obrigação. No entanto, se a parte não agir dentro do prazo adequado, a prescrição intercorrente poderá ser decretada pelo juiz.
Julgamento
O STJ decidiu que a extinção do cumprimento de sentença coletiva, por prescrição intercorrente, não impede que os membros do grupo busquem a execução individual.
O tribunal entendeu que a coisa julgada que desfavorece o sindicato não pode ser usada contra os servidores em suas execuções individuais, uma vez que estes não participaram diretamente do processo coletivo e, portanto, não houve contraditório ou ampla defesa de suas partes.
O tribunal destacou que os servidores têm o direito de aguardar o desfecho da ação coletiva antes de iniciar a ação individual, sem que isso configure prescrição.
O prazo prescricional para a execução individual fica suspenso enquanto houver tramitação da execução coletiva.
Assim, o STJ negou provimento do recurso especial da União, permitindo que os servidores prosseguissem com as execuções individuais, mesmo após a extinção do cumprimento coletivo.