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STJ - Terceira Seção

REsp 1.890.344-RS

Recurso Especial

Paradigma

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REsp 1.890.343-SC

Relator: Reynaldo Soares da Fonseca

Julgamento: 23/10/2024

Publicação: 28/10/2024

STJ - Terceira Seção

REsp 1.890.344-RS

Tese Jurídica Simplificada

1ª Tese: O ANPP é um negócio jurídico processual penal com natureza híbrida.

2ª Tese: Em razão da natureza híbrida da norma, é possível aplicar o ANPP retroativamente em processos em andamento, mesmo sem confissão prévia, desde que solicitado antes do trânsito em julgado da condenação.

3ª Tese: Em processos pendentes em 18/09/2024, o Ministério Público deve se manifestar sobre o cabimento do ANPP na primeira oportunidade, de ofício, a pedido da defesa ou a requerimento do juiz, na primeira oportunidade de falar nos autos.

4ª Tese: Para as investigações ou ações penais iniciados após 18/09/2024, o ANPP pode ser celebrado antes do recebimento da denúncia, com possibilidade de proposta durante a ação penal em casos específicos.

Nossos Comentários

Contexto

O julgado trata do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), introduzido pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime) no art. 28-A do Código de Processo Penal.

De acordo com a doutrina brasileira, o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) é um instituto jurídico que representa uma forma de justiça penal negociada.

Principais características do ANPP segundo a doutrina:

  • É um negócio jurídico de natureza extrajudicial, celebrado entre o Ministério Público e o investigado, com a assistência de seu defensor;
  • Aplica-se a crimes cometidos sem violência ou grave ameaça, com pena mínima inferior a 4 anos;
  • Visa evitar o processo penal tradicional, oferecendo uma alternativa mais célere e eficiente para casos de menor potencial ofensivo;
  • Requer a confissão formal e circunstanciada da prática da infração penal pelo investigado;
  • Envolve o cumprimento de condições ajustadas cumulativa e alternativamente, como reparação do dano, renúncia a bens e direitos, prestação de serviços à comunidade, entre outras;

O ANPP é considerado pela doutrina como um importante instrumento de política criminal, que busca desafogar o sistema judiciário, promover a ressocialização do infrator e garantir uma resposta mais efetiva às vítimas e à sociedade.

Outro ponto importante para compreensão do julgado é o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica. Esse é um dos princípios fundamentais do direito penal, consagrado na Constituição Federal e no Código Penal. Este princípio estabelece que:

  • Uma lei penal nova, quando mais favorável ao réu, deve ser aplicada retroativamente, mesmo aos fatos ocorridos antes de sua vigência;
  • Essa retroatividade se aplica inclusive a processos já encerrados, com sentença transitada em julgado;
  • O princípio visa garantir que o indivíduo seja beneficiado por mudanças na legislação que reflitam uma nova compreensão social sobre determinada conduta.

A discussão sobre a aplicação deste princípio se torna mais complexa quando se trata de normas processuais penais:

  • Normas puramente processuais: em geral, aplicam-se imediatamente aos processos em curso, sem retroagir (princípio do tempus regit actum);
  • Normas materiais penais: seguem o princípio da retroatividade da lei mais benéfica;
  • Normas mistas ou híbridas (com aspectos processuais e materiais): Geram debates na doutrina e jurisprudência sobre a aplicação ou não da retroatividade.

A inserção do ANPP no sistema jurídico gerou discussões sobre a natureza da norma e sobre a retroatividade da lei penal. 

Entendimento anterior do STJ  

Inicialmente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendia que o ANPP:

  • Era aplicável apenas antes do recebimento da denúncia;
  • Poderia ser aplicado retroativamente a fatos ocorridos antes da lei, desde que a denúncia não tivesse sido recebida;

Como se vê, segundo o STJ, não haveria a total retroatividade da norma que inseriu o ANPP, limitando sua aplicabilidade.

Nova interpretação do STF sobre o ANPP

Em 18/09/2024, alterando o entendimento da Corte, o STF decidiu no HC 185.913/DF que:

  • O ANPP tem natureza híbrida (processual e material);
  • Pode ser aplicado retroativamente até o trânsito em julgado da sentença condenatória;

Em resumo, segundo o STF, não havendo sentença condenatória transitada em julgado, é possível e legítima a aplicação retroativa do artigo 28-A do CPP.

Novas teses fixadas pelo STJ

Com base na decisão do STF, o STJ afetou o Tema Repetitivo nº 1.098 e alterou seu entendimento, fixando as seguintes teses:

  1. O ANPP é um negócio jurídico processual penal com natureza híbrida;
  2. Em razão da natureza híbrida da norma, é possível aplicar o ANPP retroativamente em processos em andamento, mesmo sem confissão prévia, desde que solicitado antes do trânsito em julgado da condenação;
  3. Em processos pendentes em 18/09/2024, o Ministério Público deve se manifestar sobre o cabimento do ANPP na primeira oportunidade, de ofício, a pedido da defesa ou a requerimento do juiz, na primeira oportunidade de falar nos autos;
  4. Para as investigações ou ações penais iniciados após 18/09/2024, o ANPP pode ser celebrado antes do recebimento da denúncia, com possibilidade de proposta durante a ação penal em casos específicos;

É importante observar que essa nova interpretação amplia significativamente as possibilidades de aplicação do ANPP, beneficiando réus em processos já em andamento e potencialmente reduzindo a carga do sistema judiciário criminal.

No caso, tanto o STF quanto o STJ promoveram o overruling. Trata-se de técnica jurídica utilizada pelos tribunais superiores para modificar ou superar um precedente judicial anteriormente estabelecido. Esta técnica é fundamental no sistema de precedentes, permitindo a evolução do direito e a adaptação da jurisprudência às mudanças sociais e legais.

Tese Jurídica Oficial

1ª Tese: O Acordo de não persecução penal constitui um negócio jurídico processual penal instituído por norma que possui natureza processual, no que diz respeito à possibilidade de composição entre as partes com o fim de evitar a instauração da ação penal, e, de outro lado, natureza material em razão da previsão de extinção da punibilidade de quem cumpre os deveres estabelecidos no acordo (art. 28-A, § 13, do Código de Processo Penal - CPP).

2ª Tese: Diante da natureza híbrida da norma, a ela deve se aplicar o princípio da retroatividade da norma penal benéfica (art. 5º, XL, da CF), pelo que é cabível a celebração de acordo de não persecução penal em casos de processos em andamento quando da entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019, mesmo se ausente confissão do réu até aquele momento, desde que o pedido tenha sido feito antes do trânsito em julgado da condenação.

3ª Tese: Nos processos penais em andamento em 18/09/2024 (data do julgamento do HC 185.913/DF pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal), nos quais seria cabível em tese o ANPP, mas ele não chegou a ser oferecido pelo Ministério Público ou não houve justificativa idônea para o seu não oferecimento, o Ministério Público, agindo de ofício, a pedido da defesa ou mediante provocação do magistrado da causa, deverá, na primeira oportunidade em que falar nos autos, manifestar-se motivadamente acerca do cabimento ou não do acordo no caso concreto.

4ª Tese: Nas investigações ou ações penais iniciadas a partir de 18/09/2024, será admissível a celebração de ANPP antes do recebimento da denúncia, ressalvada a possibilidade de propositura do acordo, no curso da ação penal, se for o caso.

Resumo Oficial

A Lei n. 13.964/2019, de 24/12/2019, com vigência superveniente a partir de 23/1/2020, conhecida como "Pacote Anticrime", inseriu no Código de Processo Penal o art. 28-A, que disciplina o instrumento de política criminal denominado Acordo de Não Persecução Penal - ANPP.

Sobre o tema, a Terceira Seção desta Corte vinha consagrando o entendimento de que o Acordo de Não Persecução Penal - ANPP corresponde a um negócio jurídico pré-processual entre o Ministério Público e o investigado, juntamente com seu defensor, como alternativa à propositura de ação penal, para certos crimes, mediante o cumprimento de algumas condições e desde que preenchidos os requisitos legais.

Ademais, a jurisprudência desta Corte assentou-se no sentido de que "o acordo de não persecução penal se aplica a fatos ocorridos antes da Lei n. 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia. O caráter predominantemente processual do art. 28-A do CPP e a razão de ser do instituto conduzem a se sustentar que sua retroatividade, diversamente do que ocorre com as normas híbridas com prevalente conteúdo material, deve ser limitada à fase pré-processual da persecutio criminis" (AgRg no REsp 1.993.219/CE, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 9/8/2022).

Ressalvava-se a possibilidade de aplicação do ANPP após o oferecimento da denúncia, em casos de superveniente alteração do enquadramento jurídico da conduta imputada ao réu que redundem no preenchimento dos requisitos objetivos de prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima em abstrato inferior a 4 (quatro) anos.

Na mesma linha do entendimento, a Primeira Turma do STF, no julgamento do HC n. 191.464/SC, de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso (DJe 18/9/2020), externou a impossibilidade de fazer-se incidir o ANPP quando já existente condenação, conquanto ela ainda esteja suscetível de impugnação. Na ocasião, o ilustre Relator da Corte Suprema manifestou seu entendimento no sentido de que a Lei nº 13.964/2019, no ponto em que institui o ANPP, pode ser considerada lei penal de natureza híbrida, pois (i) tem natureza processual por estabelecer a possibilidade de composição entre as partes com o fim de evitar a instauração da ação penal; e (ii) tem natureza material em razão da previsão de extinção da punibilidade de quem cumpre os deveres estabelecidos no acordo (art. 28-A, § 13, do Código de Processo Penal - CPP).

Relembrou, ainda, que, diante de leis penais híbridas, a conformação entre os postulados da retroatividade penal mais benéfica ao réu - prevista no art. 5º, XL, da CF e no art. 2º, parágrafo único, do Código Penal - e da aplicação imediata da lei processual penal segundo o postulado tempus regit actum (art. 2º do Código de Processo Penal) será realizada pelo intérprete da norma legal, caso não tenha sido efetuada expressamente pelo legislador.

Com base nessas premissas, firmou a convicção de que o texto do art. 28-A do Código de Processo Penal evidenciava que a composição ali prevista se esgotava na fase anterior ao recebimento da denúncia, "Não apenas porque o dispositivo refere investigado (e não réu) ou porque aciona o juiz das garantias (que não atua na instrução processual), mas sobretudo porque a consequência do descumprimento ou da não homologação é especificamente inaugurar a fase de oferta e de recebimento da denúncia (art. 28-A, §§ 8º e 10)". Nessa toada, salientou que "a finalidade do acordo é evitar que se inicie processo, razão pela qual, por consequência lógica, não se justifica discutir a composição depois de recebida a denúncia" (HC 191.464/SC, Ministro Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 18/9/2020).

Contudo, recentemente, em 18/9/2024, o Plenário do Supremo Tribunal Federal finalizou o julgamento do HC 185.913/DF, no qual, por maioria de votos, assentou a possibilidade de aplicação retroativa do art. 28-A do CPP aos casos em que ainda não haja trânsito em julgado da sentença condenatória.

No referido julgamento, prevaleceu a compreensão externada pelo Ministro Gilmar Mendes, assim como pela Segunda Turma do STF, no sentido de que, muito embora o ANPP corresponda a um negócio jurídico processual penal, ele tem um impacto direto em relação ao poder punitivo estatal, na medida em que sua celebração implica a interdição da própria persecução penal. Nessa linha, o instituto também se reveste de conteúdo de direito material no que tange às suas consequências que dizem respeito à dicotomia "lícito-ilícito", intimamente ligada à dicotomia "punível - não punível", pelo que se caracteriza como norma processual de conteúdo material.

Assim, por se tratar de lei processual de conteúdo material, a ela deve ser aplicada a regra intertemporal de direito penal material (art. 5º, XL, da CF) que autoriza a incidência retroativa do benefício aos processos ainda em andamento quando da entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019, desde que não haja condenação definitiva, pois se trata de medida despenalizadora mais benéfica ao réu. Nesse sentido: RHC 213.118 AgR, Ministro André Mendonça, Segunda Turma, DJe 7/7/2023).

Portanto, diante desse novo panorama, deve ser alterada a atual compreensão do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema para alinhar-se ao entendimento da maioria do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a possibilidade de aplicação retroativa do art. 28-A do Código de Processo Penal.

Isso posto, são fixadas as seguintes teses sobre a questão:

1 - O Acordo de não persecução penal constitui um negócio jurídico processual penal instituído por norma que possui natureza processual, no que diz respeito à possibilidade de composição entre as partes com o fim de evitar a instauração da ação penal, e, de outro lado, natureza material em razão da previsão de extinção da punibilidade de quem cumpre os deveres estabelecidos no acordo (art. 28-A, § 13, do Código de Processo Penal - CPP).

2 - Diante da natureza híbrida da norma, a ela deve se aplicar o princípio da retroatividade da norma penal benéfica (art. 5º, XL, da CF), pelo que é cabível a celebração de acordo de não persecução penal em casos de processos em andamento quando da entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019, mesmo se ausente confissão do réu até aquele momento, desde que o pedido tenha sido feito antes do trânsito em julgado da condenação.

3 - Nos processos penais em andamento em 18/09/2024 (data do julgamento do HC 185.913/DF, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal), nos quais seria cabível em tese o ANPP, mas ele não chegou a ser oferecido pelo Ministério Público ou não houve justificativa idônea para o seu não oferecimento, o Ministério Público, agindo de ofício, a pedido da defesa ou mediante provocação do magistrado da causa, deverá, na primeira oportunidade em que falar nos autos, manifestar-se motivadamente acerca do cabimento ou não do acordo no caso concreto.

4 - Nas investigações ou ações penais iniciadas a partir de 18/09/2024, será admissível a celebração de ANPP antes do recebimento da denúncia, ressalvada a possibilidade de propositura do acordo, no curso da ação penal, se for o caso.

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1 - O Acordo de Não Persecução Penal constitui um negócio jurídico processual penal instituído por norma que possui natureza processual, no que diz respeito à possibilidade de composição entre as partes com o fim de evitar a instauração da ação penal, e, de outro lado, natureza material em razão da previsão de extinção da punibilidade de quem cumpre os deveres estabelecidos no acordo (art. 28-A, § 13, do Código de Processo Penal (CPP).

2 - Diante da natureza híbrida da norma, a ela deve se aplicar o princípio da retroatividade da norma pena benéfica (art. 5º, XL, da CF), pelo que é cabível a celebração de Acordo de Não Persecução Penal em casos de processos em andamento quando da entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019, mesmo se ausente confissão do réu até aquele momento, desde que o pedido tenha sido feito antes do trânsito em julgado da condenação.

3 - Nos processos penais em andamento em 18/09/2024 (data do julgamento do HC n. 185.913/DF, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal), nos quais seria cabível em tese o ANPP, mas ele não chegou a ser oferecido pelo Ministério Público ou não houve justificativa idônea para o seu não oferecimento, o Ministério Público, agindo de ofício, a pedido da defesa ou mediante provocação do magistrado da causa, deverá, na primeira oportunidade em que falar nos autos, manifestar-se motivadamente acerca do cabimento ou não do acordo no caso concreto.

4 - Nas investigações ou ações penais iniciadas a partir de 18/09/2024, será admissível a celebração de ANPP antes do recebimento da denúncia, ressalvada a possibilidade de propositura do acordo, no curso da ação penal, se for o caso.

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