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STJ - Terceira Seção

REsp 1.785.383-SP

Recurso Especial

Repetitivo

Relator: Rogerio Schietti Cruz

Julgamento: 24/11/2021

Publicação: 30/11/2021

STJ - Terceira Seção

REsp 1.785.383-SP

Tese Jurídica Simplificada

Se uma pessoa é condenada à pena privativa de liberdade e multa, e cumpre a pena de prisão (ou restritiva de direitos), terá extinta sua punibilidade ainda que não pague a multa, se comprovar que não pode arcar com tal valor.

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Pena de prisão e multa aplicada aos hipossuficientes

Se uma pessoa é condenada à pena privativa de liberdade e multa e cumpre a pena de prisão (ou restritiva de direitos), a falta de pagamento da sanção pecuniária impede a extinção de sua punibilidade?

Para responder essa pergunta, devemos analisar o histórico de decisões do STJ.

Esse tema recebeu diferentes tratamentos por parte do Tribunal até chegar no entendimento fixado no julgado em apreço, como se observa no quadro a seguir:

Julgamento do REsp n. 1.519.777/SP Julgamento do REsp n. 1.785.383/SP e REsp n. 1.785.861/SP Revisão do Tema n. 931 (REsp 1.785.383-SP)
Tema Repetitivo n. 931: "[n]os casos em que haja condenação à pena privativa de liberdade e multa, cumprida a primeira (ou a restritiva de direitos que eventualmente a tenha substituído), o inadimplemento da sanção pecuniária não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade". Tema Repetitivo n. 931: "Na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade". Tema Repetitivo n. 931: "Na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária, pelo condenado que comprovar impossibilidade de fazê-lo, não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade".

A tese fixada no julgamento do REsp n. 1.785.383/SP e REsp n. 1.785.861/SP se baseou no entendimento firmado pelo STF na ADI 3.150/DF, segundo o qual a alteração promovida pela Lei 9.268/96 no art. 51 do Código Penal não retirou o caráter de sanção criminal da pena de multa, de modo que a preferência para sua execução incumbe ao Ministério Público e seu inadimplemento impede a extinção da punibilidade do apenado. Esse entendimento foi posteriormente consolidado em nova alteração do referido artigo feita pelo Pacote Anticrime.

Ocorre que, no caso em questão, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo propôs uma nova revisão do tema 931 sob o argumento de que a mencionada ADI 3.150/DF não fez qualquer referência a respeito de uma possível diferenciação entre a execução da pena de multa em relação aos condenados hipossuficientes ou insolventes e a execução da multa em relação aos condenados por crimes econômicos (crimes de colarinho de branco).

Revisão do Tema 931

O STJ aponta para o entendimento fixado pelo STF na referida ADI 3.150/DF no sentido de que "em matéria de criminalidade econômica, a pena de multa desempenha um papel proeminente de prevenção específica, prevenção geral e retribuição". Além disso, o Supremo decidiu ser indispensável o pagamento da multa para que haja progressão a regime menos gravoso, a menos que o réu comprove sua absoluta insolvabilidade, que o impossibilite até mesmo de efetuar o pagamento parcelado da quantia devida.

Condicionar a extinção da punibilidade ao pagamento da multa, mesmo após o cumprimento da pena de prisão, significa agravar a situação de penúria e de indigência dos apenados hipossuficientes, além de afetar pessoas próximas do condenado, impondo a todo o seu grupo familiar as consequências da sua privação de liberdade e falta de reabilitação social, o que põe em risco a implementação da política estatal de proteção da família (art. 226 da CF).

Extinguir a punibilidade quando pendente apenas o pagamento da pena pecuniária permite ao egresso reconquistar a sua posição como indivíduo aos olhos do Estado, permitindo outra vez o gozo e o exercício de seus direitos e garantias fundamentais.

Posto isso, conclui-se que se uma pessoa é condenada à pena privativa de liberdade e multa, e cumpre a pena de prisão (ou restritiva de direitos), terá extinta a punibilidade ainda que não pague a multa, se comprovar que não pode arcar com tal valor.

Tese Jurídica Oficial

Na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária, pelo condenado que comprovar impossibilidade de fazê-lo, não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade.

Resumo Oficial

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Recurso Especial Representativo da Controvérsia n. 1.519.777/SP, assentou a tese de que "[n]os casos em que haja condenação à pena privativa de liberdade e multa, cumprida a primeira (ou a restritiva de direitos que eventualmente a tenha substituído), o inadimplemento da sanção pecuniária não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade".

Entretanto, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.150/DF, o STF firmou o entendimento de que a alteração do art. 51 do Código Penal, promovida Lei n. 9.268/1996, não retirou o caráter de sanção criminal da pena de multa, de modo que a primazia para sua execução incumbe ao Ministério Público e o seu inadimplemento obsta a extinção da punibilidade do apenado. Tal compreensão foi posteriormente sintetizada em nova alteração do referido dispositivo legal, levada a cabo pela Lei n. 13.964/2019.

Em decorrência do entendimento firmado pelo STF, bem como em face da mais recente alteração legislativa sofrida pelo artigo 51 do Código Penal, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos Recursos Especiais Representativos da Controvérsia n. 1.785.383/SP e 1.785.861/SP, reviu a tese anteriormente aventada no Tema n. 931, para assentar que, "na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade".

Ainda consoante o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal julgamento da ADI n. 3.150/DF, "em matéria de criminalidade econômica, a pena de multa desempenha um papel proeminente de prevenção específica, prevenção geral e retribuição".

Além disso o Supremo Tribunal Federal decidiu pela indispensabilidade do pagamento da sanção pecuniária para o gozo da progressão a regime menos gravoso, "[a] exceção admissível ao dever de pagar a multa é a impossibilidade econômica absoluta de fazê-lo. [...] é possível a progressão se o sentenciado, veraz e comprovadamente, demonstrar sua absoluta insolvabilidade. Absoluta insolvabilidade que o impossibilite até mesmo de efetuar o pagamento parcelado da quantia devida, como autorizado pelo art. 50 do Código Penal".

Não se pode desconsiderar que o cenário do sistema carcerário expõe disparidades sócio-econômicas da sociedade brasileira, as quais ultrapassam o inegável caráter seletivo do sistema punitivo e se projetam não apenas como mecanismo de aprisionamento físico, mas também de confinamento em sua comunidade, a reduzir o indivíduo desencarcerado ao status de um pária social. Outra não é a conclusão a que poderia conduzir - relativamente aos condenados em comprovada situação de hipossuficiência econômica - a subordinação da retomada dos seus direitos políticos e de sua consequente reinserção social ao prévio adimplemento da pena de multa.

Conclui-se que condicionar a extinção da punibilidade, após o cumprimento da pena corporal, ao adimplemento da pena de multa acentuar a já agravada situação de penúria e de indigência dos apenados hipossuficientes e sobreonera pessoas próximas do condenado, impondo a todo o seu grupo familiar privações decorrentes de sua impossibilitada reabilitação social, o que põe sob risco a implementação da política estatal proteção da família (art. 226 da Carta de 1988).

Por fim, extinção da punibilidade, quando pendente apenas o adimplemento da pena pecuniária, reclama para si singular relevo na trajetória do egresso de reconquista de sua posição como indivíduo aos olhos do Estado, ou seja, do percurso de reconstrução da existência sob as balizas de um patamar civilizatório mínimo, a permitir outra vez o gozo e o exercício de direitos e garantias fundamentais.

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