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STF - Plenário

ADPF 964-DF

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

Outros Processos nesta Decisão

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Relator: Rosa Weber

Julgamento: 10/05/2023

Publicação: 19/05/2023

STF - Plenário

ADPF 964-DF

Tese Jurídica Simplificada

É inconstitucional decreto presidencial que concede indulto individual visando interesse pessoal ao invés do público.

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Nossos Comentários

Histórico

A ADPF 964-DF foi uma das Ações Diretas de um grupo de ações movidas por diversos legitimados contestando o decreto de graça editado pelo ex-Presidente Jair Bolsonaro para beneficiar Daniel Silveira, que foi alvo da Ação Penal 1044 (para ver nossos comentários, clique aqui).

Resumidamente, tudo começou em razão de o Deputado Federal Daniel Silveira (PSL), por meio de suas redes sociais, proferir xingamentos e incitar o cometimento de crimes em face de membros do Supremo Tribunal Federal. 

Para apurar esses vídeos, houve abertura de ação penal. Mas o Deputado não tem imunidade material? Sim. No entanto, o STF entendeu que a prerrogativa não deve ser usada para incitar crimes em face do sistema de justiça e da ordem democrática.

O crime imputado a ele foi o inscrito no artigo art. 23, II, da revogada Lei 7.170/1983 (Lei de Segurança Nacional).

A defesa de Silveira afirmou que a revogação da Lei de Segurança Nacional teria gerado a abolitio criminis dos tipos elencados pela lei. Acontece que a Lei 14.197/21 revogou a LSN mas incorporou o tipo previsto no art. 23, II ao Código Penal. Dessa forma, o que houve foi a continuidade normativo-típica do dispositivo, uma vez que a conduta não foi descriminalizada. 

Antes da Lei 14.197/21 Depois da Lei 14.197/21

Vigência da Lei de Segurança Nacional 

Revogação da Lei de Segurança Nacional e incorporação do artigo 359-L ao Código Penal
 

Art. 18 - Tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados.

Pena: reclusão, de 2 a 6 anos.

Art. 23 - Incitar:

I - à subversão da ordem política ou social;

II - à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis;

III - à luta com violência entre as classes sociais;

IV - à prática de qualquer dos crimes previstos nesta Lei.

Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.

Abolição violenta do Estado Democrático de Direito

Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais: (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021)

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

Aberta a ação penal para investigar os fatos, o STF determinou medidas cautelares diversas da prisão, que foram reiteradamente descumpridas pelo deputado, ao se recusar em utilizar a tornozeleira eletrônica. Por isso, foi determinada a prisão cautelar de Daniel Silveira, já que havia risco real de destruição de provas e evasão para evitar eventual punição ao final do processo.

O STF julgou procedente ação do MPF e condenou Daniel Silveira a mais de 8 anos de reclusão e à perda de mandato.

Indulto

Foi nesse contexto que o ex-Presidente Jair Bolsonaro, em 21 de abril de 2022, editou um decreto concedendo indulto individual (graça) ao Deputado, para extinguir a punibilidade e livrá-lo da punição. 

Essas ADPFs todas contestam esse decreto, sob argumento de que haveria desvio de finalidade. O STF, nessa decisão, também considerou inconstitucional. Vamos entender os argumentos da Corte. 

Primeiramente, é importante realizarmos uma distinção terminológica. 

Para fins didáticos, cabe uma revisão sobre a diferença entre anistia, graça e indulto, que são formas de extinção da punibilidade:

Anistia Graça Indulto
  • Concedida em crimes políticos;
  • Depende de lei ordinária;
  • Extingue todos os efeitos penais do crime;
  • Vinculada a fatos e não a pessoas.
  • Pode ser concedida antes ou depois do trânsito em julgado da sentença condenatória;
  • Efeitos ex tunc.
  • Depende de decreto do Presidente da República;
  • Serve para crimes comuns;
  • Pode ser dada em razão de diversos fatores (ex: fator humanitário), desde que o condenado seja devidamente individualizado;
  • Parte da doutrina entende que a graça é o perdão individual.
  • Depende de decreto do Presidente da República;
  • Serve para crimes comuns;
  • Normalmente, o condenado deve ter cumprido determinado tempo de pena e mostrar bom comportamento;
  • Parte da doutrina entende que o indulto é o perdão coletivo.

Tecnicamente, o que o ex-Presidente concedeu ao Deputado foi o instituto da Graça, já que foi uma concessão a uma pessoa determinada.

Julgamento

A doutrina afirma que a graça é um benefício discricionário, ou seja, que apenas depende da vontade do chefe do Executivo para ser concedida. No entanto, o STF entende que mesmo nos atos discricionários é necessário que a finalidade seja lícita. 

O benefício foi concedido de modo desconectado do interesse público, para a Corte, apesar de aparentemente lícito. Primeiro porque Daniel Silveira tem vínculo de afinidade político-ideológico com Bolsonaro, sendo que inclusive partilhavam o mesmo partido político.

Por isso, o Supremo entendeu que o decreto desrespeitou os princípios norteadores da Administração Pública, principalmente o da impessoalidade e da moralidade administrativa.

Tese Jurídica Oficial

É inconstitucional — por violar os princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa (CF/1988, art. 37, “caput”) e por incorrer em desvio de finalidade — decreto presidencial que, ao conceder indulto individual (graça em sentido estrito), visa atingir objetivos distintos daqueles autorizados pela Constituição Federal de 1988, eis que observa interesse pessoal ao invés do público.

Resumo Oficial

O indulto é um dos mecanismos políticos de extinção da punibilidade previstos expressamente pela atual ordem constitucional e cuja utilização é vedada para crimes específicos. A partir de um complexo sistema de freios e contrapesos, ele é considerado como importante instrumento de política criminal, voltado a atenuar possíveis incorreções legislativas ou judiciárias em prol da reinserção e ressocialização de condenados que a ele façam jus.

Diante de sua natureza jurídica de ato de governo ou ato político (espécie do gênero ato administrativo), o indulto reveste-se de ampla discricionariedade, contudo, disso não resulta a sua impossibilidade absoluta de ser questionado perante o Poder Judiciário, em especial para verificar se o seu objeto está de acordo com os ditames constitucionais. Na linha da jurisprudência desta Corte, é possível realizar o controle de constitucionalidade de decreto de indulto, notadamente quanto a possível ocorrência de desvio de finalidade.

Na espécie, o então Presidente da República, utilizando-se de sua competência constitucional, editou decreto de indulto individual em favor de parlamentar federal que no dia imediatamente anterior foi condenado, pelo Plenário do STF, à pena de oito anos e nove meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática dos crimes de ameaça ao Estado Democrático de Direito e de coação no curso do processo. Nesse contexto, verificado que o benefício foi concedido de modo absolutamente desconectado do interesse público — mas em razão do mero vínculo de afinidade político-ideológico entre o chefe do Poder Executivo e o beneficiário — há evidente desrespeito aos princípios norteadores da Administração Pública, principalmente o da impessoalidade e da moralidade administrativa.

Com base nesses entendimentos, o Plenário, em apreciação conjunta, por maioria, julgou procedentes as ações para declarar a inconstitucionalidade do Decreto presidencial de 21 de abril de 2022.

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