STJ - Quarta Turma

REsp 1.311.662-RJ

Recurso Especial

Relator: Raul Araújo

Julgamento: 12/09/2023

Publicação: 21/09/2023

STJ - Quarta Turma

REsp 1.311.662-RJ

Tese Jurídica Simplificada

É possível que a cooperativa médica exclua de seus quadros um cooperado que gerou conflito de interesses ao fundar nova cooperativa para atuar no mesmo ramo da medicina.

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Tese Jurídica Oficial

Não se mostra arbitrária ou discriminatória a exclusão, dos quadros da cooperativa, de médico cooperado que fundou nova cooperativa médica para operar no mesmo campo econômico da anterior, gerando evidente conflito de interesses.

Resumo Oficial

A cláusula de unimilitância é aquela que exige exclusividade dos médicos cooperados, impedindo-os de se credenciarem ou referenciarem a quaisquer outras operadoras de planos de saúde ou seguradoras especializadas em saúde concorrentes, o que acaba por criar restrições ao exercício da atividade profissional dos cooperados, que passam a ser vinculados exclusivamente à cooperativa médica.

A prática, apesar de habitual no âmbito das cooperativas médicas, é há muito rechaçada pelo ordenamento jurídico. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) publicou, em 23 de setembro de 2008, a Resolução Normativa n. 175 - que alterou a RN n. 85/2004, que dispõe sobre os requisitos para o funcionamento das operadoras de planos de saúde -, para acrescentar a vedação à unimilitância como condição para autorização de funcionamento das operadoras de planos de saúde, sendo que, a partir de então, as cooperativas de trabalho médico passaram a ser obrigadas a inserir, em estatuto social, cláusula de vedação à exclusividade.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) editou o enunciado sumular n. 7, que dispõe que "Constitui infração contra a ordem econômica a prática, sob qualquer forma manifestada, de impedir ou criar dificuldades a que médicos cooperados prestem serviços fora do âmbito da cooperativa, caso esta detenha posição dominante".

Na prática, a vedação à unimilitância busca afastar situações que restrinjam ou criem embaraço à atividade profissional dos médicos e que, consequentemente, resultem em prejuízo aos consumidores.

Todavia, a vedação à exclusividade não confere liberdade absoluta e irrestrita ao médico prestador de serviços, devendo a interpretação do art. 18, III, da Lei dos Planos de Saúde ser realizada em harmonia com outras normas vigentes, como a Lei n. 5.764/1971, já mencionada, o Código de Defesa do Consumidor e até mesmo a Lei Antitruste e o Código Civil.

Desse modo, ainda que, de acordo com princípio das portas abertas, que rege o sistema cooperativo, não possam existir restrições arbitrárias e discriminatórias à livre entrada de novos membros nas cooperativas, a livre adesão de cooperados não pode ser compreendida como princípio absoluto, mormente diante da necessidade de que a cooperativa defenda seus interesses legítimos, zelando não só pela qualidade do atendimento, mas também por sua saúde financeira e consequente sobrevivência no mercado do ramo de planos de saúde, sendo, por essa razão, legítimas as cláusulas estatutárias que visem evitar situações de conflitos de interesses que possam prejudicar o desempenho de sua atividade econômica.

No caso, o cooperado não foi eliminado do quadro de cooperados simplesmente por ingressar em cooperativa para realizar atendimentos médicos. Em vez disso, fundou, em conjunto com outros cooperados, uma nova cooperativa médica para concorrer com a cooperativa recorrida, em razão da insatisfação com alegadas limitações impostas às atividades dos cooperados, passando a integrar órgão social da nova entidade.

Nesse contexto, a sua eliminação não se mostra arbitrária ou discriminatória, tampouco impõe restrições à sua atividade profissional. Ao contrário, resultou do rompimento do pacto cooperativo, que tem como principal objetivo potencializar o sucesso econômico da cooperativa de trabalho médico que, por sua vez, passou a concorrer diretamente com a nova cooperativa por ele fundada.

No caso, o estatuto social não impôs dever de exclusividade, vedada pelo jurisprudência do STJ e do CADE, porquanto não impediu que o médico realizasse atendimentos médicos fora do âmbito da cooperativa, mas apenas buscou afastar situações de conflito de interesses que pudessem trazer prejuízos à atuação da cooperativa e dos próprios cooperados.

Referidas disposições estatutárias, portanto, não podem ser consideradas abusivas e/ou anticompetitivas, pois não têm o condão de limitar a concorrência ou de diminuir a oferta de planos de saúde aos consumidores, uma vez que não impedem a criação de operadoras concorrentes ou o exercício do médico em operadoras distintas, mas apenas buscam proteger a higidez e a eficiência econômica da cooperativa em situações específicas de conflito de interesses.

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