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STJ - Corte Especial

REsp 1.954.382-SP

Recurso Especial

Paradigma

Outros Processos nesta Decisão

REsp 1.954.380-SP

Relator: Ricardo Villas Bôas Cueva

Julgamento: 05/06/2024

STJ - Corte Especial

REsp 1.954.382-SP

Tese Jurídica Simplificada

A verba honorária sucumbencial tem natureza alimentar mas não se enquadra na exceção prevista no § 2º do art. 833 do CPC/2015 como “prestação alimentícia” para autorizar penhora de valores, ressalvada as circunstâncias de cada caso concreto.

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Impenhorabilidade - Art. 833 do CPC

O art. 833 do CPC protege diversos bens e valores dos devedores pelo instituto da impenhorabilidade. 

Esse dispositivo busca garantir o mínimo existencial dos devedores, garantindo um padrão de vida digno. 

Dentre os bens e valores elencados no rol, há os valores recebidos a título de remuneração pelo trabalho e a poupança. 

Art. 833. São impenhoráveis:

IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º ;

X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;

No entanto, a impenhorabilidade prevista nos incisos IV e X não é absoluta. O § 2º do art. 833 do CPC permite a penhora desses valores em duas situações: 

  • Para pagamento de prestação alimentícia; 
  • Quando a quantia exceder a 50 salários-mínimos; 

Vejamos a literalidade do  § 2º: 

§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º.

Caso hipotético 

Imagine que Tício tenha contratado o advogado Mévio para ajuizar ação judicial. 

Após o encerramento da ação, Tício foi vencedor e recebeu os honorários sucumbenciais da parte contrária. No entanto, levantou os valores e não realizou o pagamento dos honorários à Mévio. 

Nessa situação, Mévio ajuiza uma ação de cobrança dos honorários e pede a penhora de valores do devedor nos termos do art. 833, § 2º, do CPC, sustentando que os honorários advocatícios sucumbenciais correspondem à prestação alimentícia, verba que é suficiente para relativizar a impenhorabilidade de salários e poupança. 

Assim, a controvérsia que chegou ao STJ é a seguinte: a verba honorária sucumbencial está enquadrada na exceção prevista no § 2º do art. 833 do CPC/2015? 

Julgamento 

Segundo a Corte Especial do STJ, a verba honorária sucumbencial, embora tenha natureza alimentar, não se enquadra na exceção prevista no § 2º do art. 833 do CPC (penhora para pagamento de prestação alimentícia). 

Para solução da controvérsia, os ministros diferenciaram as definições de “natureza alimentar” que se refere aos honorários (art. 85, § 14, do CPC) da “prestação alimentícia” a que se refere o art. 833, § 2º, do CPC: 

Prestação alimentícia  Natureza alimentar 
Obrigação periódica, de caráter ético-social, normalmente fundamentada no princípio da solidariedade entre membros da mesma família ou resultante de condenações por ato ilícito ou ato de vontade. Só há caracterização da prestação alimentícia quando a verba é devida por alguém em relação a outras pessoas.  É verba destinada para a subsistência de quem a recebe e de sua família, mas não há propriamente a obrigação de alguém em pagá-la em razão de ato de vontade, condenação por ato ilícito ou em razão de caráter ético-social. 

Portanto, os honorários sucumbenciais são verba de natureza alimentar, mas não se enquadram na exceção do § 2º do art. 833 do CPC como "prestação alimentícia". 

A Corte ressaltou que essa diferenciação não impede  a penhora tanto de parte das verbas de caráter remuneratório quanto de valores depositados em caderneta de poupança (e de outros a eles equiparados), especificadas nos incisos IV e X do art. 833 CPC, quando se verificar, no caso concreto, que o ato de constrição judicial não retira do devedor a capacidade de manutenção de um mínimo existencial e de um padrão de vida digno em favor dele próprio e de seus dependentes.

Tese Jurídica Oficial

A verba honorária sucumbencial, a despeito da sua natureza alimentar, não se enquadra na exceção prevista no § 2º do art. 833 do CPC/2015 (penhora para pagamento de prestação alimentícia).

Resumo Oficial

A análise do tema perpassa, necessariamente, pela interpretação dos arts. 85, § 14, e 833 do Código de Processo Civil de 2015, à luz das hipóteses legais das quais exsurge o dever de prestar alimentos.

O ordenamento processual civil em vigor, ao tempo em que estabelece a impenhorabilidade das verbas remuneratórias, trata de especificar as exceções a essa regra, assim disciplinando a matéria: "Art. 833. São impenhoráveis: [...] § 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º".

A solução da controvérsia está em reconhecer a existência de sutil, mas crucial, distinção entre as expressões "natureza alimentar" e "prestação alimentícia", a que se referem os arts. 85, § 14, e 833, § 2º, do Código de Processo Civil de 2015, estando elas de fato interligadas por uma relação de gênero e espécie, como já defendido em alguns julgados desta Corte Superior, no entanto em sentido inverso, ou seja, a "prestação alimentícia" é que ressai como espécie do gênero "verba de natureza alimentar", e não o contrário.

Nessa linha de pensamento, os honorários advocatícios, apesar da sua inquestionável natureza alimentar, não se confundem com a prestação de alimentos, sendo esta última obrigação periódica, de caráter ético-social, normalmente lastreada no princípio da solidariedade entre os membros do mesmo grupo familiar, embora também possa resultar de condenações por ato ilícito e de atos de vontade.

Como bem salientou a Ministra Nancy Andrighi em seu voto apresentado no julgamento do REsp n. 1.815.055/SP, "(...) uma verba tem natureza alimentar quando é destinada para a subsistência de quem a recebe e de sua família, mas só é prestação alimentícia aquela devida por quem possui a obrigação de prestar alimentos familiares, indenizatórios ou voluntários em favor de uma pessoa que deles efetivamente necessita".

Essa, segundo se entende, é a interpretação que mais se harmoniza com o ordenamento jurídico como um todo, de modo a conferir o privilégio legal somente a quem dele necessita para garantir sua própria sobrevivência e de seus dependentes a curtíssimo prazo.

Estender tal prerrogativa aos honorários advocatícios, e em consequência aos honorários devidos a todos os profissionais liberais, implicaria que toda e qualquer verba que guardasse alguma relação com o trabalho do credor ou com qualquer outra fonte de renda destinada ao seu sustento e de sua família também deveria ser reconhecida como tal, tornando regra a exceção que o legislador reservou apenas para situações extremas.

Tal compreensão não retira a possibilidade de penhora de parte das verbas remuneratórias elencadas no art. 833, IV, do CPC/2015, desde que seja preservado percentual capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família, conforme entendimento firmado em precedentes da Corte Especial.

Em qualquer hipótese, portanto, independentemente da natureza jurídica do crédito executado e da pessoa do credor, será possível, em tese, a penhora tanto de parte das verbas de caráter remuneratório quanto de valores depositados em caderneta de poupança (e de outros a eles equiparados), especificadas nos incisos IV e X do art. 833 CPC/2015, caso se verifique, a partir da análise do caso concretamente examinado, que o ato de constrição judicial não retira do devedor a capacidade de manutenção de um mínimo existencial e de um padrão de vida digno em favor dele próprio e de seus dependentes.

Dessa forma, fixa-se a seguinte tese repetitiva: A verba honorária sucumbencial, a despeito da sua natureza alimentar, não se enquadra na exceção prevista no § 2º do art. 833 do CPC/2015 (penhora para pagamento de prestação alimentícia).

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