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STJ - Sexta Turma

HC 704.718-SP

Habeas Corpus

Relator: Laurita Vaz

Julgamento: 16/05/2023

Publicação: 23/05/2023

STJ - Sexta Turma

HC 704.718-SP

Tese Jurídica

A existência de doença cardíaca de que padecia a vítima configura-se como concausa preexistente relativamente independente, não sendo possível afastar o resultado mais grave (morte) e, por consequência, a imputação de latrocínio.

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Relação de causalidade

A relação de causalidade, ou nexo de causalidade, é a ligação entre a conduta e o resultado naturalístico. 

A teoria adotada no ordenamento brasileiro para explicar o nexo de causalidade é a Teoria da Equivalência dos Antecedentes, na qual causa é todo fato humano sem o qual o resultado não teria ocorrido, quando ocorreu e como ocorreu. Essa teoria é limitada pela causalidade psíquica, ou seja, não basta que o elemento tenha dado causa ao que levou ao crime, mas é preciso que o elemento tenha a intenção psíquica de causar a conduta.

CONCAUSAS

Quando temos essa figura do agente que concorre para a causa, falamos que sobre a situação houve interferência de "concausas", ou seja, causas que concorrem para o atingimento do resultado.

Para sabermos como ocorre a punição, precisamos analisar se a causa externa ao agente ocorreu antes, durante ou depois da prática do ato típico. Além disso, precisamos analisar se o resultado se deu por causa dessa concausa ou se ele se deu, por si só, em razão da prática criminosa do agente.

Concausas absolutamente independentes

São aquelas que geram o resultado independente da ação do agente, sendo totalmente desvinculadas dessa conduta.

Ex.: atirar em alguém que teve uma parada cardíaca segundos antes.

Responde pelo crime tentado
Concausas relativamente independentes

São aquelas que não têm capacidade de gerar por si só o resultado, mantendo alguma relação com a conduta.

Ex.: atirar em alguém em partes não vitais, motivo pelo qual a pessoa vai ao hospital e momentos antes da alta pega uma infecção hospitalar e morre. 

Se essa causa externa for anterior ou concomitante à conduta criminosa, o agente responde pelo crime tentado.

Se a causa externa for posterior, é preciso avaliar se ela causou por si só o resultado ou não. Se sim, responderá por crime tentado. Se não, responderá por crime consumado

O Caso

Determinados agentes abordam uma mulher idosa, com a finalidade de roubar seus pertences. Essa senhora se assusta com a abordagem e, em razão de problemas cardíacos preexistentes, vem a falecer.

Que tipo de concausa é essa? Segundo o STJ, trata-se de concausa preexistente relativamente independente. Apesar de a doença ser preexistente, ela só se manifestou em condições de estresse bastante específicas, como no caso da abordagem violenta dos agentes.

Os agentes respondem por roubo ou latrocínio? Para o Tribunal, o agente responde por latrocínio. Ao dirigirem suas ações contra vítima idosa e usarem de exacerbada violência, os agentes criaram um risco juridicamente proibido.

Resumo Oficial

A despeito da controvérsia doutrinária quanto à classificação do crime previsto no art. 157, § 3º, inciso II, do Código Penal - se preterdoloso ou não - fato é que, para se imputar o resultado mais grave (consequente) ao autor, basta que a morte seja causada por conduta meramente culposa, não se exigindo, portanto, comportamento doloso, que apenas é imprescindível na subtração (antecedente).

O art. 13, caput, do Código Penal, acolheu a teoria da equivalência das condições ou conditio sine qua non, ao prever que "[c]onsidera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido". A aplicação da teoria em comento ao estudo das concausas implica concluir que as causas absolutamente independentes sempre excluirão a imputação do resultado mais gravoso, as relativamente independentes, nem sempre.

Já o § 1º do art. 13 do Código Penal prevê uma hipótese de exclusão da imputação - denominada por alguns de "rompimento do nexo causal" -, respondendo o agente apenas pelos atos já praticados. Essa hipótese, porém, apenas tem cabimento quando a concausa, além de relativamente independente, também for superveniente à ação do agente, conduzindo, por si só, ao resultado agravador. Ou seja, se a concausa relativamente independente for preexistente ou concomitante à ação do autor, não haverá exclusão do nexo de causalidade.

No caso, o laudo pericial não atestou que a morte tenha sido causada exclusivamente pela doença cardíaca preexistente da vítima. Ao contrário, consignou-se que o infarto "pode ter sido ajudado pelo stress sofrido na data do óbito, pois há sinais de violência e tortura encontrados no exame" -, o que evidencia que a vítima apenas veio a falecer, exatamente, durante o crime praticado pelos acusados, que a agrediram severamente. Considerando que a doença cardíaca, in casu, é concausa preexistente relativamente independente, não há como afastar o resultado mais grave (morte) e, por consequência, a imputação de latrocínio.

Nem mesmo a aplicação da teoria da imputação objetiva conduziria a outra conclusão. Segundo a doutrina, "[p]ara a teoria da imputação objetiva, o resultado de uma conduta humana somente pode ser objetivamente imputado a seu autor quando tenha criado a um bem jurídico uma situação de risco juridicamente proibido (não permitido) e tal risco se tenha concretizado em um resultado típico".

Portanto, parece evidente que, ao dirigirem suas ações contra vítima idosa e usarem de exacerbada violência, os agentes criaram, sim, um risco juridicamente proibido - conclusão contrária seria impensável à luz do ordenamento jurídico brasileiro. Esse risco, concretizou-se em um resultado típico previsto justamente no tipo imputado aos réus (art. 157, § 3º, inciso II, do Código Penal).

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