STJ - Sexta Turma
AgRg no HC 729.836-MS
Agravo Regimental no Habeas Corpus
Relator: Laurita Vaz
Julgamento: 27/04/2023
Publicação: 02/05/2023
STJ - Sexta Turma
AgRg no HC 729.836-MS
Tese Jurídica Simplificada
A sinalização do cão de faro, seguida de abordagem a suposto usuário saindo do local, desacompanhada de outra diligência investigativa ou elemento concreto indicando a necessidade de imediata ação policial, não justifica a dispensa do mandado judicial para o ingresso em domicílio.
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Tese Jurídica Oficial
A mera sinalização do cão de faro, seguida de abordagem a suposto usuário saindo do local, desacompanhada de qualquer outra diligência investigativa ou outro elemento concreto indicando a necessidade de imediata ação policial, não justifica a dispensa do mandado judicial para o ingresso em domicílio.
Resumo Oficial
De início, destaca-se que "é pacífico, nesta Corte, o entendimento de que, nos crimes permanentes, tal qual o tráfico de drogas, o estado de flagrância se protrai no tempo, o que não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de que naquele momento, dentro da residência, haveria situação de flagrante delito" (AgRg no AREsp 1.512.826/PR, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 18/2/2020, DJe 27/2/2020).
No caso, o Tribunal de origem consignou que durante abordagem realizada na casa do vizinho do acusado, na qual os policiais utilizavam-se de um cão de faro, o animal sinalizou para a casa do Paciente, ocasião em que este foi abordado e franqueou a entrada dos policiais no imóvel.
Todavia, não há nenhuma comprovação documental de que houve autorização voluntária e livre de coação para o ingresso no domicílio do acusado. Além disso, a palavra dos agentes policiais acerca da suposta autorização não encontra respaldo em nenhum outro elemento probatório, sendo certo que no depoimento extrajudicial do acusado não há registro sobre o seu consentimento.
Ressalta-se que o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que "como forma de não deixar dúvidas sobre a sua legalidade, a prova da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe ao Estado, devendo ser realizada com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato" (HC 728.920/GO, Rel. Ministro Olindo Menezes, Desembargador Convocado do TRF da 1ª Região, Sexta Turma, julgado em 14/6/2022, DJe 20/6/2022).
No mais, a mera sinalização do cão de faro, seguida da abordagem de um suposto usuário - que não foi ouvido em juízo - saindo do local, desacompanhada de qualquer outra diligência investigativa ou outro elemento concreto indicando a necessidade de imediata ação policial naquele momento, não justifica, por si só, a dispensa do mandado judicial para o ingresso em domicílio.
Ingresso em domicílio
O §2º do art.283 do CP estabelece que a prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio, previstas no art.5º, XI, da CF:
Assim, o cumprimento de um mandado de prisão ou mandado decorrente de uma sentença penal condenatória transitado em julgado só pode ser realizado durante o dia, salvo se houver consentimento do morador para ingresso no imóvel. Nos casos de flagrante delito, é possível a entrada no imóvel em qualquer momento.
Ainda, segundo o art.293 do CPP, no período da noite, o executor do mandado não poderá adentrar no imóvel sem consentimento do morador, salvo caso de flagrante. O morador que se recusar a entregar o sujeito procurado será conduzido a presença da autoridade policial:
Parte da doutrina entende que o mandado de prisão por si só não autoriza o ingresso no domicílio, sendo também necessário que o juiz expeça um mandado de busca e apreensão.
No caso de prisão em flagrante, observa-se o disposto no art.293 do CPP apenas naquilo em que for aplicável. Pode-se adentrar na residência até mesmo no período noturno.
Caso
Trata-se de julgamento de agravo regimental. Portanto, a parte interessada propôs esse recurso para combater decisão anterior do próprio STJ. No caso, a decisão agravada foi de um Habeas Corpus.
No caso, o paciente (agravante) foi condenado em primeira instância a 6 anos de reclusão em regime inicial fechado e 600 dias-multa pela prática de tráfico de drogas.
O acusado apelou e lhe foi dado parcial provimento, reduzindo sua pena para 5 anos, 3 meses e 525 dias-multa em regime prisional fechado.
A defesa, então, impetrou habeas corpus no Tribunal de origem que denegou a ordem. Também impetrou HC no STJ, sustentando a nulidade da condenação porque houve ingresso forçado no domicílio do réu, sem fundadas razões e sem mandado judicial.
O STJ denegou o HC e a defesa apresentou o agravo interno, pedindo reconsideração.
Julgamento
No julgamento do agravo interno a relatora reconsiderou a decisão anterior, a qual fora denegatória.
Nesta oportunidade, mencionou o art.5º, XI da CF, afirmando que a casa é asilo inviolável e, no caso em tela, só poderia ser penetrada sem consentimento do morador por determinação judicial durante o dia ou em qualquer período no caso de flagrante delito.
Aponta que a jurisprudência anterior do STJ era no sentido de que, em casos de tráfico, como a consumação do delito se alonga no tempo, tratar-se-ia de crime permanente, hipótese de exceção à inviolabilidade do art.5º, XI da CF. Ou seja, os policiais poderiam ingressar no domicílio sem autorização judicial por ser caso de flagrante delito, sem ressalvas.
Entretanto, sinalizou que a jurisprudência da Corte foi alterada. Citou o entendimento de Gilmar Mendes no julgamento do REx nº 603.616/RO. Nele, o ministro aponta que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori.
Ainda, a Sexta Turma do STJ julgou em março de 2021 o HC 598.051/SP no qual estabeleceu diretrizes e parâmetros para reconhecer a existência de fundada suspeita de flagrante delito.
No caso em tela, o cão de faro indicou a varanda da casa do réu no momento em que um terceiro saía dela afirmando que comprara uma porção de maconha e feito uso no local. Após, foram recepcionados pelo réu e encontraram várias porções de maconha na residência, além de pasta base de cocaína, dinheiro e balança de precisão.
A ministra relatora considerou que a mera sinalização do cão seguida da abordagem do usuário - que não foi ouvido em juízo - saindo do local, desacompanhada de outra diligência investigativa ou outro elemento concreto indicando necessidade de imediata ação policial não justificam, por si, a dispensa do mandado para o ingresso em domicílio.
Ademais, o STJ já afirmou que para não deixar dúvidas sobre a legalidade do ingresso na residência, deve ser assinada declaração pela pessoa que autorizou o ingresso. No caso, não há prova documental de que houve tal autorização e a palavra dos policiais não encontra respaldo em nenhum outro elemento probatório.
Assim, o acusado foi absolvido.
Em resumo: a sinalização do cão de faro, seguida de abordagem a suposto usuário saindo do local, desacompanhada de outra diligência investigativa ou elemento concreto indicando a necessidade de imediata ação policial, não justifica a dispensa do mandado judicial para o ingresso em domicílio.