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STJ - Quarta Turma

REsp 1.854.818-DF

Recurso Especial

Relator: Maria Isabel Gallotti

Julgamento: 07/06/2022

Publicação: 20/06/2022

STJ - Quarta Turma

REsp 1.854.818-DF

Tese Jurídica Simplificada

Nos empréstimos realizados pelas entidades fechadas de previdência privada com seus beneficiários:

  • não pode haver a cobrança de juros remuneratórios acima do limite legal;
  • é possível a capitalização de juros na periodicidade anual, desde que pactuada, após o CC/2002.

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Nossos Comentários

Previdência Complementar

O Regime de Previdência Complementar (RPC) busca oferecer uma proteção a mais ao trabalhador durante a aposentadoria, trazendo uma segurança previdenciária adicional àquela oferecida pela previdência pública. 

Trata-se de um regime de adesão facultativa e desvinculada da previdência pública, motivo pelo qual é regulado por leis específicas (Leis Complementares nºs 108 e 109 de 2001 e outras normas).

No RPC, o benefício é pago de acordo com as reservas acumuladas individualmente ao longo dos anos de contribuição, nos moldes do chamado Regime de Capitalização.

É composto por dois segmentos: o aberto, operado pelas Entidades Abertas de Previdência Complementar - EAPC e Seguradoras, e o fechado, operado pelas Entidades Fechadas de Previdência Complementar - EFPC. 

Entre as alterações no regime de previdência privada promovidas pela LC 109/2001, destaca-se o intuito de lucro das entidades abertas, as quais devem ser constituídas exclusivamente na forma de sociedades anônimas.

Já as entidades fechadas administram fundos de pensões e são necessariamente organizadas sob a forma de fundação (privada) ou sociedade civil, sem fins lucrativos (LC 109/2001, art. 37, §1º e LC 108/2001, art. 9º, parágrafo único). Isso porque os fundos de pensões não podem visar o lucro, por previsão legal expressa. Desse modo, a principal atividade das EFPC é gerenciar/administrar a previdência provada dos funcionários de determinada empresa ou profissionais associados a alguma entidade de classe.

Nesse contexto, surge a controvérsia: as entidades fechadas de previdência privada podem atuar como instituição financeira? Se sim, podem cobrar juros capitalizados, em qualquer periodicidade?

Julgamento

Como as entidades fechadas não têm natureza comercial, a elas não se aplica o CDC (Súmula 563/STJ), diferentemente das entidades abertas, que se aproximam mais das instituições financeiras em seus fins.

O patrimônio da entidade fechada e os respectivos rendimentos revertem-se integralmente na concessão e manutenção do pagamento de beneficiários, prevalecendo o associativismo e o mutualismo, o que afasta o intuito lucrativo. Em outras palavras, essas entidades têm por finalidade a atividade protetivo-previdenciária, e não de fomento ao crédito.

Por esses motivos, o fundo de pensão não se enquadra no conceito de fornecedor, pois apenas administra os planos.

Diante dessas características, não se pode conceber que eventuais empréstimos de dinheiro feitos pela entidade (mera gestora/administradora) com os beneficiários do plano possa ser realizado da mesma forma que os empréstimos celebrados com instituições financeiras. Isso porque os valores do fundo comum, na verdade, pertencem aos participantes e beneficiários do plano, existindo explícito mecanismo de solidariedade, de modo que todo excedente do fundo de pensão é aproveitado em favor de seus próprios integrantes.

Embora tenha havido um movimento para integrar as entidades de previdência privada ao sistema financeiro nacional, atualmente, além de estarem mantidas na Ordem Social Constitucional, apenas as entidades abertas são equiparadas às instituições financeiras, e, por isso, estão autorizadas a realizar as mais diversas operações.

Por outro lado, como as entidades fechadas não são equiparadas a instituições financeiras e não são consideradas fornecedoras, estão sujeitas à Lei de Usura nas operações creditícias que realiza. De acordo com essa norma:

Art. 1º. É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal.

Art. 4º. E proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.

O Código Civil, por sua vez, estabelece que os juros remuneratórios - aquele que incide sobre o valor de um empréstimo - quando não convencionados entre as partes, deverão ser fixados nos termos da taxa que estiver em vigor para o pagamento de impostos da Fazenda Nacional. Contudo, a capitalização anual é permitida.

Sendo assim, nada impede o empréstimo de dinheiro entre pessoas físicas ou pessoas jurídicas que não façam parte do sistema financeiro nacional. No entanto, é proibida a cobrança de juros, comissões ou descontos percentuais sobre dívidas em dinheiro superiores à taxa permitida por lei. De acordo com entendimento consolidado, o limite da taxa de juros remuneratórios é de 1%, sendo viável a capitalização anual, desde que expressamente pactuada. O descumprimento dessa regra pode configurar crime, de acordo com a Lei de Usura.

Considerando que as entidades de previdência fechada não fazem parte do sistema financeiro nacional, não podem cobrar capitalização de juros de seus participantes nos contratos de crédito celebrados com base nos arts. 5º da MP 1963-17/2000 e posterior MP 2.170-36/2001, pois tais dispositivos aplicam-se somente às "operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional". No entanto, após a entrada em vigor do CC/2002, passou a ser possível a capitalização de juros anual. 

Em resumo, as entidades fechadas não podem:

  • ter intuito lucrativo;
  • cobrar juros remuneratórios acima da taxa legal;
  • cobrar juros capitalizados em periodicidade diversa da anual, já que não são equiparadas ou equiparáveis a instituições financeiras.

Com isso, é possível concluir que nos empréstimos realizados pelas entidades fechadas de previdência privada com seus beneficiários:

  • não pode haver a cobrança de juros remuneratórios acima do limite legal;
  • é possível a capitalização de juros na periodicidade anual, desde que pactuada, após o CC/2002.

Tese Jurídica Oficial

Nos contratos de mútuo celebrados pelas entidades fechadas de previdência complementar com seus beneficiários, é ilegítima a cobrança de juros remuneratórios acima do limite legal, autorizada a capitalização de juros somente na periodicidade anual, desde que pactuada, após a entrada em vigor do Código Civil de 2002.

Resumo Oficial

Cinge-se a controvérsia principal à averiguação da possibilidade de entidade fechada de previdência privada atuar como instituição financeira e, consequentemente, nas relações creditícias mantidas com seus beneficiários, cobrar juros capitalizados, em qualquer periodicidade.

As entidades fechadas de previdência complementar (EFPC) são organizações mantidas para a administração dos fundos de pensão, sendo necessariamente organizadas sob a forma de fundação (privada) ou sociedade civil, sem fins lucrativos (LC 109/2001, art. 31, § 1º, e LC 108/2001, art. 9º, parágrafo único), ao passo que, para as entidades abertas, foi prevista sua organização sob a forma de sociedades anônimas, regidas pela Lei n. 6.404/1076.

Isso porque, enquanto as entidades abertas visam precipuamente ao lucro, os fundos de pensão não podem, por expressa previsão legal, perseguir tal objetivo. Assim, sua principal atividade é gerenciar/administrar a previdência privada dos funcionários de determinada empresa ou profissionais associados a alguma entidade de classe.

Ao contrário das entidades abertas - que se aproximam mais das instituições financeiras em seus fins, nada obstante, pelo desenho constitucional estabelecido (art. 202), também se submetam ao mesmo regime jurídico dos fundos de pensão -, as entidades fechadas de previdência complementar não têm natureza comercial, e a elas não se aplica o Código de Defesa do Consumidor, consoante já sedimentado por esta Corte Superior nos termos do enunciado sumular n. 563/STJ.

Assim, o Código de Defesa do Consumidor não incide à relação jurídica mantida entre a entidade fechada de previdência privada e seus participantes/beneficiários/assistidos, porquanto o patrimônio da entidade e respectivos rendimentos revertem-se integralmente na concessão e manutenção do pagamento de benefícios, prevalecendo o associativismo e o mutualismo, o que afasta o intuito lucrativo, ou seja, referidas entidades têm por finalidade a atividade protetivo-previdenciária, e não de fomento ao crédito. Desse modo, o fundo de pensão não se enquadra no conceito legal de fornecedor, pois apenas administra os planos (consoante o art. 34, inciso I, da LC n. 109/2001), havendo, conforme dispõe o artigo 35 da referida norma, gestão compartilhada entre representantes dos participantes e assistidos e dos patrocinadores nos conselhos deliberativo (órgão máximo da estrutura organizacional) e fiscal (órgão de controle interno), ou seja, o participante tem postura ativa na gestão do fundo de pensão.

Dessa forma, em razão da mesma lógica dedutiva e jurídica, amparada nas características inerentes à entidade fechada de previdência complementar, notadamente o associativismo, o mutualismo, a solidariedade entre os seus participantes, não se pode conceber que eventuais empréstimos de dinheiro realizados pela instituição (mera gestora/administradora), com os beneficiários do plano possa ser admitido/concebido nos moldes daqueles realizados pelas instituições financeiras. Afinal, os valores alocados ao fundo comum obtido, na verdade, pertencem aos participantes e beneficiários do plano, existindo explícito mecanismo de solidariedade, de modo que todo excedente do fundo de pensão é aproveitado em favor de seus próprios integrantes.

Faz-se breve digressão para salientar que, com a edição da Lei n. 8.177/1991, houve grande discussão no mercado de previdência complementar, pois ao tempo pretendeu o legislador enquadrar e equiparar as duas modalidades de entidades de previdência às instituições financeiras, conforme enunciado no artigo 29.

Contra tal dispositivo, foi manejada Ação Direta de Inconstitucionalidade, junto ao Supremo Tribunal Federal (ADI 504-9/DF, de relatoria do eminente Ministro Paulo Brosssard), tendo o STF, na data de 18/12/1991, suspendido liminarmente a aplicação do referido artigo, por entendê-lo inconstitucional, porém, o julgamento do mérito restou prejudicado por força da entrada em vigor da LC 109/2001 a qual, obedecendo ao comando do artigo 202 da Constituição Federal, com a redação introduzida pela Emenda Constitucional n. 20/98, tornou-se a nova Lei da Previdência Privada.

Conquanto tenha havido um movimento para integrar as entidades de previdência privada ao sistema financeiro nacional, em nossos dias, além de estarem mantidas na Ordem Social Constitucional, apenas as entidades abertas de previdência complementar são equiparadas às instituições financeiras, estando autorizadas, por esse motivo a realizar as mais diversas operações, visto que não submetidas à Lei de Usura (Decreto n. 22.626/33) e às determinações legais posteriores a ela inerentes.

Contrariamente, não estando as entidades fechadas de previdência equiparadas a instituições financeiras, e não sendo considerada fornecedora, está submetida, nas operações creditícias que realiza à lei usurária, a qual estabelece, de forma expressa no artigo 1º estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal e no artigo 4º ser proibido contar juros dos juros.

Por sua vez, o Código Civil de 2002 estabeleceu que os juros remuneratórios, quando não convencionados entre as partes, deverão ser fixados nos termos da taxa que estiver em vigor para o pagamento de impostos da Fazenda Nacional, permitindo, contudo, a capitalização anual.

Inegavelmente, em regra, não há proibição legal para empréstimo de dinheiro entre pessoas físicas ou pessoas jurídicas que não componham o sistema financeiro nacional. Há vedação, entretanto, para a cobrança juros, comissões ou descontos percentuais sobre dívidas em dinheiro superiores à taxa permitida por lei, cuja inobservância pode configurar crime nos termos da Lei de Usura.

No caso do mútuo firmado entre particulares ou pessoa jurídica não integrante do sistema financeiro nacional, tal como a hipótese ora em foco, o limite da taxa de juros remuneratórios segundo entendimento consolidado é de 1% (Código Civil, arts. 591, 406; e Código Tributário Nacional, art. 161, §1º), sendo viável a capitalização anual, desde que expressamente pactuada.

Esse é o ponto nodal de todo o sistema diferenciado das entidades de previdência complementar, sendo que, com base nessas distinções, a jurisprudência do STJ, há muito vem edificando compreensão no sentido de que, por serem as entidades fechadas de previdência complementar instituições sem fins lucrativos, não equiparáveis a instituições financeiras desde a LC n. 109/2001 e destinadas à proteção previdenciária de seus participantes, nos contratos de mútuo celebrados com seus participantes, estão inviabilizados de cobrar juros remuneratórios acima do limite legal e, somente após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, capitalização de juros na periodicidade anual dos seus mutuários.

Por óbvio, tendo em vista que as entidades de previdência fechada não integram o sistema financeiro nacional, inviável dizer pudessem cobrar capitalização de juros de seus participantes nos contratos de crédito que entabulava com base nos artigos 5º da MP n. 1963-17/2000 e posterior MP n. 2.170-36 de 2001, pois tais dispositivos, por expressa disposição apenas se aplica às "operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional".

Assim, não há apenas a proibição legal à obtenção de lucro pelas entidades fechadas (art. 31, § 1º da LC 109/2001 e art. 9º, parágrafo único da LC 108/2001), mas, também, expressa vedação, estabelecida na própria lei, para a cobrança de juros remuneratórios acima da taxa legal e capitalização em periodicidade diversa da anual (art. 1º do Decreto n. 22.626/33, arts. 406 e 591 do CC/2002 e art. 161, § 1º do CTN), já que não são equiparadas ou equiparáveis a instituições financeiras.

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