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STJ - Quarta Turma

REsp 1.842.613-SP

Tese Jurídica Simplificada

É cabível danos morais ao denunciado quando o membro do Ministério Público comete abusos ao divulgar na míica o oferecimento da denúncia criminal (excesso no exercício do direito de informar).

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Nossos Comentários

Situação fática

Discute-se se houve excesso por parte de Procurador da República (Ministério Público) ao divulgar termos da denúncia para a mídia. ("agir midiático") utilizando expressões e qualificações desabonadoras da honra, imagem e não técnicas. Trata-se de um conflito nítido entre limites do direito à informação e direitos individuais do acusado. 

Abuso de direito

Segundo Francisco Amaral (2003, p. 550):

O abuso de direito consiste no uso imoderado do direito subjetivo, de modo a causar dano a outrem. Em princípio, aquele que age dentre do seu direito a ninguém prejudica (neminemlaeditquiiure suo utitur). No entanto, o titular do direito subjetivo, no uso desse direito, pode prejudicar terceiros, configurando ato ilícito e sendo obrigado a reparar o dano.

Ou seja, é o excesso no uso de uma prerrogativa que gera um ato ilícito e o dever de reparar o dano. É esse o entendimento correto que se deve fazer do art.186 do CC:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Assim, qualquer exercício de direito possui limites, nem sempre tão claros, e seu excesso, ao atingir a esfera de direitos alheios, poderá gerar indenização. Ao exercer um direito deve-se observar: (a) a função social do direito subjetivo e (b) se a ação causará prejuízo a terceiro. 

Julgamento

A Quarta Turma do STJ considerou que o processo penal é a plataforma capaz de garantir segurança jurídica na apuração de um tipo criminal, sempre ao lado das garantias e direitos fundamentais da ordem constitucional. Dessa forma, seus agentes devem sempre cuidar para que o procedimento seja ético, respeitando o contraditório, ampla defesa e o devido processo legal.

Por isso, é necessário que a divulgação do oferecimento da denúncia seja precisa, coerente, fundamentada, no seu exato teor. Tomando-se o caso analisado, a caracterização do denunciado realizada pelo Procurador não respeitou tais limites e revelou-se pejorativa. Além disso, o representante do MP anunciou imputação de fatos não constantes do objeto da denúncia. 

Assim, a Corte concluiu que é cabível danos morais ao denunciado quando o membro do Ministério Público comete abusos ao divulgar na mídica o oferecimento da denúncia criminal (excesso no exercício do direito de informar).

Tese Jurídica Oficial

O excesso no exercício do direito de informar é capaz de gerar dano moral ao denunciado quando o membro do Ministério Público comete abusos ao divulgar, na mídia, o oferecimento da denúncia criminal.

Resumo Oficial

Cinge-se a controvérsia a determinar se houve excesso por membro do Ministério Público por ocasião da entrevista coletiva por meio da qual, na qualidade de Procurador da República, divulgava os termos da denúncia ofertada em desfavor do então denunciado.

Importa avaliar se houve o 'agir midiático' por parte do réu e abuso na divulgação da denúncia, capaz de gerar dano moral ao autor, porém, em nenhuma hipótese, o questionamento acerca do oferecimento, em si, da denúncia criminal ou os termos em que a peça fora elaborada ou os tipos penais que dela fazem parte.

É indispensável à solução do caso que seja examinada a configuração do alegado excesso no exercício do direito de informar, de divulgar o oferecimento da denúncia criminal, a partir dos parâmetros traçados pela responsabilidade extracontratual.

Com efeito, Código Civil orienta que "o abuso de direito consiste em um ato jurídico de objeto lícito, mas cujo exercício, levado a efeito sem a devida regularidade, acarreta um resultado que se considera ilícito" e a exclusão deste ilícito, apta a afastar a responsabilidade civil, deve estar associada ao regular exercício de um direito, cuja prática não tolera excessos

Destarte, de maneira objetiva, abusar do direito é extravasar os seus limites quando de seu exercício. Assim, configurado estará o abuso de direito, quando o agente, atuando dentro das prerrogativas que o ordenamento jurídico lhe confere, não observa a função social do direito subjetivo e, ao exercitá-lo, desconsideradamente, ocasiona prejuízo a outrem.

Na circunstância em análise, para verificação da ocorrência da subsunção dos fatos à cláusula geral do abuso do direito, em virtude da realização de coletiva de imprensa transmitida em rede nacional, cujo pretexto era informar a apresentação de denúncia criminal contra denunciado, o Procurador da República utilizou-se de expressões e qualificações desabonadoras da honra, imagem e não técnicas.

Nessa ordem ideias, o processo é o alicerce sobre o qual se materializa a tutela jurisdicional. Sendo o direito penal a última ratio, o processo penal se revela como plataforma capaz de garantir segurança jurídica na apuração de um tipo criminal, apto à concretização das garantias e direitos fundamentais de estatura constitucional.

A partir desse entendimento, não há espaço para dúvidas de que todos os agentes envolvidos nas bem delimitadas etapas da persecução penal devem cuidar para que o procedimento não se desvie de fundamentos éticos, assim como trabalhar pela preponderância intensificada dos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.

É imprescindível, para a eficiente custódia dos direitos fundamentais, que a divulgação do oferecimento de denúncia criminal se faça de forma precisa, coerente e fundamentada. Assim como a peça acusatória deve ser o espelho das investigações nas quais se alicerça, sua divulgação deve ser o espelho de seu estrito teor, balizada pelos fatos que a acusação lhe imputou, sob pena de não apenas vilipendiar-se direitos subjetivos, mas, também, e com igual gravidade, desacreditar o sistema jurídico.

Na linha desse raciocínio, no caso em exame, revela-se inadequada, evidenciando o abuso de direito, a conduta do membro do Ministério Público ao caracterizar o denunciado de forma pejorativa, assim como ao anunciar a imputação de fatos que não constavam do objeto da denúncia que se conferia publicidade por meio da coletiva convocada.

Se na peça de acusação não foram incluídas adjetivações "atécnicas", evidente que a sua anunciação também deveria reguardar-se daquelas qualificadores, que enviesam a notícia e a afasta da impessoalidade necessária, retirando o tom informativo (princípio da publicidade) e a coloca, indesejavelmente, como narrativa do narrador, por isso que, gerando dano moral a vítima, é passível de sancionamento civil.

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