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STJ - Quarta Turma

REsp 1.536.035-PR

Recurso Especial

Relator: Luis Felipe Salomão

Julgamento: 26/10/2021

Publicação: 16/11/2021

STJ - Quarta Turma

REsp 1.536.035-PR

Tese Jurídica Simplificada

1ª Tese: Não é possível o protesto de cheques endossados após o prazo de apresentação.

2ª Tese: O protesto irregular de título de crédito não gera danos morais ao devedor.

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Tese Jurídica Oficial

1ª Tese:  Não é possível o protesto de cheques endossados após o prazo de apresentação.

2ª Tese: O protesto irregular de título de crédito não gera danos morais ao devedor.

Resumo Oficial

1ª Tese: Não é possível o protesto de cheques endossados após o prazo de apresentação.

A questão controvertida consiste em saber se é possível o protesto de cheques endossados após o prazo de apresentação.

Sobre o tema, o cheque endossado - meio cambiário próprio para transferência dos direitos do título de crédito -, que se desvincula da sua causa, conferindo ao endossatário as sensíveis vantagens advindas dos princípios inerentes aos títulos de crédito, notadamente o da autonomia das obrigações cambiais - confere, em benefício do endossatário, ainda em caso de endosso póstumo (art. 27 da Lei do Cheque), os efeitos de cessão de crédito.

Por isso, em se tratando de cheque "à ordem", como o art. 903 do Código Civil, textualmente, prescreve que, em caso de conflito aparente com as normas albergadas pelo Diploma civilista, devem ser observadas as normas especiais relativas aos títulos de crédito, fica límpido que não é necessária nenhuma outra formalidade para que exsurjam os mesmos efeitos de cessão de crédito.

Em suma, embora o título de crédito, com a sua emissão, liberte-se da relação fundamental, em vista do princípio da incorporação, o adimplemento da obrigação cambial tem por consequência extinguir a obrigação subjacente que ensejou a sua emissão, sendo, em regra, pro solvendo; de modo que, salvo pactuação em contrário, só extingue a dívida, isto é, a obrigação que o título visa satisfazer consubstanciada em pagamento de importância em dinheiro, com o seu efetivo pagamento.

Com efeito, a menos que o emitente do cheque tenha aposto no título a cláusula "não à ordem" - hipótese em que o título somente se transfere pela forma de cessão de crédito -, o endosso, no interesse do endossatário, tem efeito de cessão de crédito, não havendo cogitar, por exemplo, de observância da forma necessária à cessão ordinária civil de crédito.

Nessa linha, cumpre verificar que o cheque é ordem de pagamento à vista, sendo de 6 (seis) meses o lapso prescricional para a execução após o prazo de apresentação, que é de 30 (trinta) dias a contar da emissão, se da mesma praça, ou de 60 (sessenta) dias, também a contar da emissão, se consta no título como sacado em praça diversa, isto é, em município distinto daquele em que se situa a agência pagadora, nos termos da norma especial de regência (Lei do Cheque).

Assim, se ocorre a prescrição para execução do cheque, o artigo 61 da Lei do Cheque prevê, no prazo de 2 (dois) anos, a possibilidade de ajuizamento de ação de locupletamento ilícito que, por ostentar natureza cambial, prescinde da descrição do negócio jurídico subjacente.

Expirado o prazo para ajuizamento da ação por enriquecimento sem causa, o artigo 62 do mesmo Diploma legal ressalva a possibilidade de ajuizamento de ação fundada na relação causal, in verbis: "salvo prova de novação, a emissão ou a transferência do cheque não exclui a ação fundada na relação causal, feita a prova do não-pagamento".

No entanto, o protesto do cheque, com apontamento do nome do devedor principal, é facultativo e, como o título tem por característica intrínseca a inafastável relação entre o emitente e a instituição financeira sacada, é indispensável a prévia apresentação da cártula; não só para que se possa proceder à execução do título, mas também para se cogitar do protesto.

Evidentemente, é também vedado o apontamento de cheques quando tiverem sido devolvidos pelo banco sacado por motivo de furto, roubo ou extravio das folhas ou talonários, contanto que não tenham circulado por meio de endosso nem estejam garantidos por aval, pois, nessas hipóteses, desde que não esgotado o prazo para a ação cambial de execução, far-se-á o protesto sem fazer constar os dados do emitente da cártula.

Com efeito, o protesto de cheques endossados após o prazo de apresentação é irregular, pois, de fato, o art. 1º, da Lei n. 9.492/1997, estabelece que protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida, portanto, a interpretação mais adequada, inclusive tendo em vista os efeitos do protesto, é o de que o termo "dívida" exprime débito, consistente em obrigação pecuniária, líquida, certa e que é/se tornou exigível.

2ª Tese: O protesto irregular de título de crédito não gera danos morais ao devedor.

No âmbito interno da Quarta Turma há precedentes, em sede de agravo interno, perfilhando o entendimento - tradicional no âmbito do STJ - de que o protesto, nessas circunstâncias, ocasionaria danos morais in re ipsa.

Contudo, a Terceira Turma, em verdadeiro overruling, se afastou desse entendimento que prevalecia em ambas as turmas de direito privado e passou a entender que, cuidando-se de protesto irregular de título de crédito, o reconhecimento do dano moral está atrelado à ideia do abalo do crédito causado pela publicidade do ato notarial, que, naturalmente, faz associar ao devedor a pecha de "mau pagador" perante a praça.

Todavia, na hipótese em que o protesto é irregular por estar prescrita a pretensão executória do credor, havendo, porém, vias alternativas para a cobrança da dívida consubstanciada no título, não há falar em abalo de crédito, na medida em que o emitente permanece na condição de devedor, estando, de fato, impontual no pagamento.

Deveras, o art. 186 do CC estabelece que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, enquanto o art. 927, parágrafo único, do mesmo Diploma dispõe que aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo.

Assim, para caracterizar obrigação de indenizar, não é decisiva a questão da ilicitude da conduta ou de o serviço prestado ser ou não de qualidade, mas sim a constatação efetiva do dano a bem jurídico tutelado, não sendo suficiente tão somente a prática de um fato contra legem ou contra jus, ou que contrarie o padrão jurídico das condutas.

É, portanto, o caso de aplicação do brocardo segundo o qual a ninguém é dado valer-se de sua própria torpeza para pleitear um direito (nemo auditur propriam turpitudinem allegans), sendo nítido o abuso de direito.

Realmente, ainda que exista o direito de acesso à justiça e seja viável o pedido de cancelamento do protesto irregular (quando realizado após o prazo de execução cambial dos cheques), há ilicitude se um dos pedidos fora em manifesto abuso, contrário à boa-fé, aos deveres de probidade (art. 422 do CC), à finalidade social ou econômica do direito; ou, ainda, se praticado com ofensa aos usos e costumes.

Dessa forma, não há direito da personalidade a ser legitimamente tutelado quando o autor da ação de danos morais é inadimplente, não havendo falar em abalo de crédito, na medida em que o emitente permanece na condição de devedor, estando, de fato, impontual no pagamento.

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