STJ - Terceira Seção
EREsp 1.916.596-SP
Embargos de Divergência em Recurso Especial
Relator: Joel Ilan Paciornik
Relator Divergente: Laurita Vaz
Julgamento: 08/09/2021
Publicação: 11/10/2021
STJ - Terceira Seção
EREsp 1.916.596-SP
Tese Jurídica Simplificada
O histórico de atos infracionais pode afastar a configuração de tráfico privilegiado (art. 33, §4º, da Lei 11.343/2006).
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Tese Jurídica Oficial
O histórico de ato infracional pode ser considerado para afastar a minorante do art. 33, § 4.º, da Lei n. 11.343/2006, por meio de fundamentação idônea que aponte a existência de circunstâncias excepcionais, nas quais se verifique a gravidade de atos pretéritos, devidamente documentados nos autos, bem como a razoável proximidade temporal com o crime em apuração.
Resumo Oficial
O cerne da controvérsia existente entre as Turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte cinge-se, em síntese, a saber se a existência de ato(s) infracional(is) pode ser sopesada para fins de comprovar a dedicação do réu a atividades criminosas e, por conseguinte, de impedir a incidência da causa especial de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas.
Embora atos infracionais praticados na adolescência não constituam crime na acepção normativa do termo, não há como se olvidar que eles são - e acredito ser isso um consenso - fatos contrários ao Direito e implicam, sim, consequências jurídicas, inclusive a possibilidade de internação do menor. Isso, por si só, já seria suficiente para nos levar à seguinte reflexão: o Estatuto da Criança e do Adolescente não permite a internação quando tratar-se de ato infracional que não tenha sido cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa (art. 122, I), mas possibilita, sim, a imposição dessa medida mais gravosa quando o adolescente praticar ato infracional não violento de forma reiterada (art. 122, II). Veja-se, portanto, que a reiteração no cometimento de outras infrações graves já permite uma solução jurídica mais drástica para o adolescente infrator.
Quando esse indivíduo completa 18 anos de idade - e, portanto, torna-se imputável -, essa mesma conduta deixa de ser considerada ato infracional e passa a ser, em seu sentido técnico-jurídico, classificada como crime. No entanto, do ponto de vista da essência do fato, não há distinção entre ambos, porque o fato, objetivamente analisado, é o mesmo.
Diante de tais considerações, não se vê óbice a que a existência de atos infracionais possa, com base peculiaridades do caso concreto, ser considerada elemento apto a evidenciar a dedicação do acusado a atividades criminosas, até porque esses atos não estarão sendo sopesados para um agravamento da pena do réu, mas para lhe negar a possibilidade de ser beneficiado com uma redução em sua reprimenda.
É de rigor consignar, ainda, que uma interpretação teleológica do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 à luz da política criminal de drogas instituída pelo Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad permite inferir que o espírito da norma contida no referido dispositivo de lei é o de beneficiar o agente iniciante na vida criminosa, que não faz do ilícito sua atividade profissional. Se o intuito foi esse, inequivocamente a orientação normativa pretendeu afastar o benefício àqueles que possuem um passado criminógeno e que, constantemente, incorrem na prática ilícita e já tiveram envolvimento com o narcotráfico e/ou com ilícitos que, não raro, estão a ele interligados (como delitos patrimoniais, homicídio, associação criminosa etc.).
Ademais, se a natureza do instituto em análise é justamente tratar com menor rigor o indivíduo que se envolve circunstancialmente com o tráfico de drogas - e que, portanto, não possui maior envolvimento com o narcotráfico ou habitualidade na prática delitiva -, não parece razoável punir um jovem de 18 ou 19 anos de idade, sem nenhum passado criminógeno e sem nenhum registro contra si, da mesma forma e com igual intensidade daquele indivíduo que, quando adolescente, cometeu reiteradas vezes atos infracionais graves ou atos infracionais equivalentes a tráfico de drogas. Se assim o fizéssemos, estaríamos afrontando o princípio da individualização da pena e o próprio princípio da igualdade.
Ainda, é imperioso salientar que o registro de que tais elementos - atos infracionais - pode afastar o redutor não por ausência de preenchimento dos dois primeiros requisitos elencados pelo legislador - quais sejam, a primariedade e a existência de bons antecedentes -, mas pelo descumprimento do terceiro requisito exigido pela lei, que é a ausência de dedicação do acusado a atividades criminosas.
Em outros termos, embora seja evidente que não possamos considerar atos infracionais como antecedentes penais e muito menos como reincidência, não se vê razões para desconsiderar todo o passado de atuação de um adolescente contrário ao Direito para concluir pela sua dedicação a atividades delituosas. Não há impedimento, portanto, a que se considere fatos da vida real para esse fim.
Ademais, exigir a existência de prévio cometimento de crime e de prévia imposição de pena para fins de justificar o afastamento do redutor em questão acaba, em última análise, esvaziando o próprio conceito de dedicação a atividades criminosas. Isso porque, se houver trânsito em julgado de condenação por crime praticado anteriormente, então essa condenação anterior já se enquadra ou no conceito de maus antecedentes ou no de reincidência. Assim, considerando que não há palavras inúteis na lei, por certo que o legislador quis abarcar situação diversa ao prever a impossibilidade de concessão do benefício àqueles indivíduos que se dedicam a atividades criminosas.
Portanto, a tese que se propõe, para fins de sanar a controvérsia existente entre as Turmas que integram a Terceira Seção desta Corte, é a de ser possível, sim, sopesar a existência de ato(s) infracional(is) para fins de comprovar a dedicação do réu a atividades criminosas e, por conseguinte, impedir a incidência da causa especial de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas.
No entanto, não é todo e qualquer ato infracional praticado pelo acusado quando ainda adolescente que poderá, automaticamente, render-lhe a negativa de incidência do redutor previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, até porque justiça penal não se faz por atacado e sim artesanalmente, examinando-se atentamente cada caso para dele extraírem-se todas as suas especificidades, de modo a torná-lo singular e, portanto, a merecer providência adequada e necessária.
É, pois, necessário que, no caso concreto, se identifique: 1º) se o(s) ato(s) infracional(is) foi(ram) grave(s); 2º) se o(s) ato(s) infracional(is) está(ão) documentado(s) nos autos, de sorte a não pairar dúvidas sobre o reconhecimento judicial de sua ocorrência; 3º) a distância temporal entre o(s) ato(s) infracional(is) e o crime que deu origem ao processo no qual se está a decidir sobre a possibilidade de incidência ou não do redutor, ou seja, se o(s) ato(s) infracional(is) não está(ão) muito distante(s) no tempo.
Em relação a esse terceiro ponto, semelhante proposta é o que esta Corte tem adotado, por exemplo, ao fazer alusão ao direito ao esquecimento para afastar condenação muito antiga a título de maus antecedentes (v. g., AgRg no REsp n. 1.875.382/MG, Rel. Ministra Laurita Vaz, 6ª T., DJe 29/10/2020). Seguindo o mesmo raciocínio, entendo não ser possível sopesar a existência de atos infracionais muito antigos para, sem nenhuma ponderação sobre as circunstâncias do caso concreto, impedir o reconhecimento da minorante.
A Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) estabelece em seu art. 33, §4º, uma causa de diminuição de pena (minorante) quanto ao crime de tráfico de drogas, configurando o chamado tráfico privilegiado:
Imagine a seguinte situação:
João, 16 anos, levava a vida praticando roubos, o que levou à aplicação de reiteradas medidas socioeducativas ao menor infrator. Ao completar 18 anos, João começa a traficar drogas pela primeira vez. Após ter sido preso em flagrante em operação policial, o indiciado será considerado primário, para fins de aplicação da minorante do art. 33, §4º, ou seu histórico de atos infracionais pode ser levado em consideração, de modo a afastar a configuração de tráfico privilegiado?
O STJ entende que, embora atos infracionais não constituam crime na acepção normativa do termo, são atos contrários ao Direito e implicam consequências jurídicas, inclusive a internação do menor. Quando um menor de idade completa 18 anos a conduta praticada deixa de ser considerada ato infracional e passa a ser clasificada como crime. Contudo, sob o ponto de vista da essência do fato, não existe diferença entre ambos, porque o fato, objetivamente analisado, é o mesmo.
Sendo assim, é possível reconhecer que a existência de atos infracionais pode, com base nas peculiaridades do caso, ser considerada elemento que demonstra a dedicação do acusado a atividades criminosas, até porque esses atos não serão utilizados para um agravamento da pena do réu, mas para afastar a possibilidade de ser beneficiado com uma redução em sua pena.
Do ponto de vista teleológico - que busca a finalidade da norma - o art. 33, §4º, da Lei de Drogas, busca beneficiar o agente iniciante na vida criminosa, que não se utiliza do ilícito coo sua atividade profissional. Diante disso, é certo que a norma pretendeu afastar o benefício àqueles que possuem histórico criminoso e que, constantemente, incorrem na prática de crimes e já tiveram envolvimento com o narcotráfico e/ou com ilícitos a ele interligados (como delitos patrimoniais, homicídio, associação criminosa etc).
Não é razoável punir uma pessoa de 18 ou 19 anos de idade que nunca cometeu crime anteriormente da mesma forma daquele indivíduo que, quando adolescente, cometeu diversos atos infracionais graves ou atos infracionais equivalentes a tráfico de drogas, sob pena de violação ao princípio da individualização da pena e do próprio princípio da igualdade.
Da leitura do dispositivo, observa-se que é necessário o preenchimento de alguns requisitos para ter direito à redução de pena, quais sejam:
No caso de cometimento de atos infracionais, a redução de pena pode ser afastada não pelo descumprimento da primariedade e bons antecedentes, mas pelo descumprimento do terceiro requisito, que é a não dedicação do acusado a atividades criminosas.
Assim, apesar de os atos infracionais não serem considerados como antecedentes penais ou reincidência, não há razões para desconsiderar todo o passado de atuação criminosa de um adolescente.
Considerando que não há palavras inúteis na lei, entende-se que o legislador quis abranger situação diversa de reincidencia e maus antecedentes ao prever a impossibilidade de concessão do benefício àqueles indivíduos que se dedicam a atividades criminosas.
Por fim, apesar desse entendimento, não seria todo e qualquer ato infracional praticado que poderá afastar a minorante, pois a justiça penal funciona com base na análise de cada caso.
Logo, é preciso que se identifique:
Diante desse raciocínio, pode-se concluir que o histórico de atos infracionais pode afastar a configuração de tráfico privilegiado (art. 33, §4º, da Lei 11.343/2006).