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STJ - Primeira Seção

REsp 1.860.018-RJ

Recurso Especial

Repetitivo

Relator: Mauro Campbell Marques

Julgamento: 23/06/2021

Publicação: 28/02/2021

STJ - Primeira Seção

REsp 1.860.018-RJ

Tese Jurídica Simplificada

São nulas as inscrições em dívida ativa dos créditos referentes a benefícios previdenciários ou assistenciais pagos indevidamente ou além do devido:

  • cujo processo administrativo tenha se iniciado antes da MP 780/17 (posterior Lei 13.494/17);
  • contra terceiros que sabiam ou deveriam saber da origem dos benefícios pagos indevidamente em razão de fraude, dolo ou coação, com processos administrativos anteriores à MP 871/19 (posterior Lei 13.846/19).

A constituição de tais créditos deve ser reiniciada por meio de notificações/intimações administrativas, permitindo o contraditório e a ampla defesa.

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Nossos Comentários

O tema repetitivo nº 598, fixado no julgamento do Recurso Especial 1.350.804-PR, dispõe o seguinte:

À mingua de lei expressa, a inscrição em dívida ativa não é a forma de cobrança adequada para os valores indevidamente recebidos a título de benefício previdenciário previstos no art. 115, II, da Lei n. 8.213/91 que devem submeter-se a ação de cobrança por enriquecimento ilícito para apuração da responsabilidade civil.

Diante disso, ficou definido que a inscrição em dívida ativa de valor decorrente de ilícito extracontratual deve ter fundamento legal específico que a autorize expressamente. Sendo assim, não seria possível a inscrição em dívida ativa de valor indevidamente recebido a título de benefício previdenciário do INSS, em razão da falta de lei específica. 

Não havendo lei específica, o art. 154, §4º, II, do Decreto nº 3.048/1999 se tornou ilegal ao determinar a inscrição em dívida ativa de benefício previdenciário pago indevidamente, pois não possuía fundamento em lei.

Assim, por ocasião do julgamento do REsp 1.350.804-PR, entende-se que são necessários três requisitos prévios para inscrição em dívida ativa:

  • a existência de lei autorizando a apuração administrativa (constituição do crédito tributário);
  • oportunizar o contraditório prévio nessa apuração;
  • a existência de lei autorizando a inscrição do débito em dívida ativa.

Com a MP nº 780/2017 (convertida na Lei 13.494/2017), sucedida pela MP 871/2019, (convertida na Lei 13.846/2019), foi determinada a inscrição em dívida ativa pela Procuradoria-Geral Federal (PGF) dos créditos constituídos pelo INSS em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial pagos indevidamente ou além do devido, inclusive para terceiro beneficiado que sabia ou deveria saber da origem do benefício pago indevidamente em razão de fraude, dolo ou coação. Essa determinação está prevista nos §§ 3º, 4º e 5º da Lei 8.213/1991, que foram acrescentados pela referida Lei 13.846/2019:

Art. 115.

§ 3º Serão inscritos em dívida ativa pela Procuradoria-Geral Federal os créditos constituídos pelo INSS em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial pago indevidamente ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, nos termos da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, para a execução judicial. 

§ 4º Será objeto de inscrição em dívida ativa, para os fins do disposto no § 3º deste artigo, em conjunto ou separadamente, o terceiro beneficiado que sabia ou deveria saber da origem do benefício pago indevidamente em razão de fraude, de dolo ou de coação, desde que devidamente identificado em procedimento administrativo de responsabilização.   

§ 5º O procedimento de que trata o § 4º deste artigo será disciplinado em regulamento, nos termos da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, e no art. 27 do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942.     

Ainda tendo em conta o que foi decidido no REsp 1.350.804-PR, essas alterações legais não podem retroagir para alcançar créditos lançados antes de sua vigência, ainda que a inscrição em dívida ativa tenha sido feita após. O processo administrativo de constituição do crédito tributário deve ter início (notificação para defesa) e fim (lançamento) dentro da vigência das leis novas para que a inscrição em dívida ativa seja válida.

Para entender melhor, observe o seguinte exemplo:

Em 2014, Letícia recebeu valores a título de benefício previdenciário pagos indevidamente pelo INSS. Diante disso, em 2016, é iniciado um processo administrativo a fim de constituir o crédito tributário em face da beneficiada. Em janeiro de 2017, Letícia é notificada para promover sua defesa no processo. Já em 2019, com o encerramento do processo e verificados todos os pressupostos, constituiu-se o crédito tributário pelo lançamento em desfavor da ré. Assim, com as alterações promovidas na Lei 8.213/1991 pela Lei 13.494/2017, a Procuradoria-Geral Federal busca promover a inscrição desse débito em dívida ativa. Contudo, o processo administrativo de constituição do crédito tributário deve ter começado e terminado dentro da vigência da nova lei (que teve início em maio de 2017) para que seja possível a inscrição em dívida ativa do débito tributário. No caso, o processo administrativo teve início em 2016, tendo sido a ré notificada em 2017, e teve fim em 2019. Logo, a inscrição em dívida ativa, ainda que feita após a vigência da nova lei, não é válida.

Conclui-se que:

São nulas as inscrições em dívida ativa dos créditos referentes a benefícios previdenciários ou assistenciais pagos indevidamente ou além do devido:

  • cujo processo administrativo tenha se iniciado antes da MP 780/17 (posterior Lei 13.494/17);
  • contra terceiros que sabiam ou deveriam saber da origem dos benefícios pagos indevidamente em razão de fraude, dolo ou coação, com processos administrativos anteriores à MP 871/19 (posterior Lei 13.846/19).

A constituição de tais créditos deve ser reiniciada por meio de notificações/intimações administrativas, permitindo o contraditório e a ampla defesa.

Tese Jurídica Oficial

Primeira Tese

As inscrições em dívida ativa dos créditos referentes a benefícios previdenciários ou assistenciais pagos indevidamente ou além do devido constituídos por processos administrativos que tenham sido iniciados antes da vigência da Medida Provisória n. 780, de 2017, convertida na Lei n. 13.494/2017 (antes de 22.05.2017) são nulas, devendo a constituição desses créditos ser reiniciada através de notificações/intimações administrativas a fim de permitir-se o contraditório administrativo e a ampla defesa aos devedores e, ao final, a inscrição em dívida ativa, obedecendo-se os prazos prescricionais aplicáveis;

Segunda Tese

As inscrições em dívida ativa dos créditos referentes a benefícios previdenciários ou assistenciais pagos indevidamente ou além do devido contra os terceiros beneficiados que sabiam ou deveriam saber da origem dos benefícios pagos indevidamente em razão de fraude, dolo ou coação, constituídos por processos administrativos que tenham sido iniciados antes da vigência da Medida Provisória n. 871, de 2019, convertida na Lei n. 13.846/2019 (antes de 18.01.2019) são nulas, devendo a constituição desses créditos ser reiniciada através de notificações/intimações administrativas a fim de permitir-se o contraditório administrativo e a ampla defesa aos devedores e, ao final, a inscrição em dívida ativa, obedecendo-se os prazos prescricionais aplicáveis.

Resumo Oficial

O presente repetitivo é um desdobramento do Tema Repetitivo n. 598, onde foi submetida a julgamento no âmbito do REsp 1.350.804-PR (Primeira Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 12.06.2013) a "Questão referente à possibilidade de inscrição em dívida ativa de benefício previdenciário indevidamente recebido, qualificado como enriquecimento ilícito". Naquela ocasião foi definido que a inscrição em dívida ativa de valor decorrente de ilícito extracontratual deve ser fundamentada em dispositivo legal específico que a autorize expressamente, o que impossibilitava a inscrição em dívida ativa de valor indevidamente recebido, a título de benefício previdenciário do INSS, pois não havia lei específica que assim o dispusesse. Essa lacuna de lei tornava ilegal o art. 154, §4º, II, do Decreto n. 3.048/1999 que determinava a inscrição em dívida ativa de benefício previdenciário pago indevidamente, já que não dispunha de amparo legal.

Pode-se colher da ratio decidendi do repetitivo REsp 1.350.804-PR três requisitos prévios à inscrição em dívida ativa: 1º) a presença de lei autorizativa para a apuração administrativa (constituição); 2º) a oportunização de contraditório prévio nessa apuração; e 3º) a presença de lei autorizativa para a inscrição do débito em dívida ativa.

Após o advento da Medida Provisória n. 780/2017 (convertida na Lei n. 13.494/2017) a que se sucedeu a Medida Provisória n. 871/2019 (convertida na Lei n. 13.846/2019), que alteraram e adicionaram os §§ 3º, 4º e 5º ao art. 115, da Lei n. 8.213/1991, foi determinada a inscrição em dívida ativa pela Procuradoria-Geral Federal - PGF dos créditos constituídos pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial pago indevidamente ou além do devido, inclusive para terceiro beneficiado que sabia ou deveria saber da origem do benefício pago indevidamente em razão de fraude, dolo ou coação.

Considerando-se as razões de decidir do repetitivo REsp 1.350.804-PR, as alterações legais não podem retroagir para alcançar créditos constituídos (lançados) antes de sua vigência, indiferente, portanto, que a inscrição em dívida ativa tenha sido feita depois da vigência das respectivas alterações legislativas. O processo administrativo que enseja a constituição do crédito (lançamento) há que ter início (notificação para defesa) e término (lançamento) dentro da vigência das leis novas para que a inscrição em dívida ativa seja válida.

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