STF - Plenário

ADI 7.192-DF

Ação Direta de Inconstitucionalidade

Relator: Luiz Fux

Julgamento: 17/05/2024

STF - Plenário

ADI 7.192-DF

Tese Jurídica Simplificada

Em casos envolvendo violência contra vítimas menores de idade, o delegado pode requerer ao Ministério Público a propositura de ação cautelar de antecipação de produção de prova, mas tal pedido não é vinculante.

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Ministério Público

O MP é uma instituição pública e autônoma que funciona como espécie de ouvidoria da sociedade brasileira. Está encarregada de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis. Suas principais características são:

  • Instituição permanente – cláusula pétrea implícita. Apesar de não estar previsto expressamente no art. 60, §4º da CF, o órgão do MP não pode ser retirado da Constituição Federal.
  • Função essencial à Justiça – não possui função jurisdicional mas é essencial para o exercício da atividade jurisdicional, assim como o advogado, estando na posição de grande defensor dos interesses do conjunto da sociedade brasileira.
  • Papel/objetivo – deve atuar na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (direitos dos quais os indivíduos não podem abrir mão).

São princípios que regem a atividade do órgão:

PRINCÍPIO DA UNIDADE. O MP é uma instituição única (embora tenha divisões funcionais, como visto anteriormente).

PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE. O MP é um todo. Assim, não é formado pelos membros em si, mas pelo órgão que atua. Em caso de vacância, portanto, é perfeitamente possível a substituição de um membro pelo outro.

PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL A hierarquia do MP é meramente administrativa, nunca funcional. Assim, os membro de chefia, como o PGR, não têm competência para determinar formas de atuação aos demais.

PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL Princípio doutrinário, extraído implicitamente do art. 5º, LIII da CF, segundo o qual: "Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente". Portanto, não pode haver um promotor ad hoc, ou seja, constituição de um promotor para atuação em uma causa específica.

Além disso, são garantias do MP:

AUTONOMIA FUNCIONAL.  O MP não se submete a nenhum dos Poderes nem a quaisquer órgãos ou autoridades no desempenho de suas funções. Isso é importante porque o MP também zela pela autonomia dos Poderes, para evitar qualquer tipo de autoritarismo dentro deles.

AUTONOMIA ADMINISTRATIVA. Possui autogestão e autoadministração, de modo que compete ao MP criar suas próprias regras, como a criação ou extinção de cargos. O MP também pode idealizar lei, mas deve submetê-la ao processo legislativo regular.

AUTONOMIA FINANCEIRA. O próprio MP elabora sua proposta orçamentária, dentro dos limites da Lei de Diretrizes Orçamentárias).

Contexto

A ação, ajuizada pela Associação dos Membros do Ministério Público (Conamp), trata sobre a possibilidade de autoridade policial requisitar ao MP a antecipação de produção de prova nas causas envolvendo violência contra crianças e adolescentes.

A entidade questiona o seguinte dispositivo da Lei 14.344/2022, a chamada Lei Henry Borel, que cria mecanismos de prevenção e enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente:

Art. 21 (...)

§ 1º A autoridade policial poderá requisitar e o Conselho Tutelar requerer ao Ministério Público a propositura de ação cautelar de antecipação de produção de prova nas causas que envolvam violência contra a criança e o adolescente, observadas as disposições da Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017.

A Conamp argumenta que a expressão "a autoridade policial poderá requisitar" inverte a lógica acusatória, já que é incumbência do Parquet requisitar diligências policiais e não o contrário. Argumenta que o MP não se submete à determinação ou ordem da autoridade policial, de modo que cabe exclusivamente ao Parquet a promoção da ação penal pública. 

Julgamento

O Supremo julgou parcialmente procedente a ação para conferir interpretação conforme a Constituição ao dispositivo em apreço. Para a Corte, o delegado pode requerer ao MP a propositura de ação cautelar de antecipação de produção de prova nas causas que envolvam violência contra a criança e o adolescente, mas cabe ao membro do Parquet decidir se é o caso de atuação ou não, nos limites de sua independência funcional e observados os deveres que lhe são inerentes.

Uma das características mais marcantes do MP é a sua independência funcional, de modo a garantir o cumprimento de sua missão constitucional sem a influência de interesses político-partidários:

CF

 Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

§ 1º - São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.

Nesse cenário, conclui-se que o MP não se subordina a outros órgãos ou autoridades públicas, e a propositura da ação penal e da cautelar de produção de provas é função protegida pela autonomia institucional.

Considerando o objetivo que da Lei 14.344/2022, é legítimo que a polícia judiciária provoque o MP na proteção de crianças e adolescentes contra a violência doméstica e familiar. Contudo, essa provocação não deve vincular o MP, dado o perfil constitucional de ambas as instituições. A CF atribui ao Parquet a função de fiscalizar a polícia judiciária (art. 129, VII). Desse modo, qualquer interpretação que atribua o controle externo do MP à polícia judiciária desorganizaria o desenho constitucional desses órgãos. Logo, a palavra "requisitar", prevista no dispositivo citado, deve ser interpretada como "solicitar", "requerer".

Tese Jurídica Oficial

Em caso de notícia de violência contra vítimas menores de idade, a autoridade policial pode requerer, sem caráter vinculativo, a propositura de ação cautelar de antecipação de provas ao Ministério Público, cujo membro avaliará a pertinência da atuação dentro dos limites de sua independência funcional e respeitados os deveres que lhe são inerentes.

Resumo Oficial

A Constituição Federal incumbiu o Ministério Público da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, de modo que, para garantir o cumprimento de sua missão constitucional sem subordinação a interesses político-partidários, em obediência direta à Constituição, conferiu autonomia funcional aos seus membros (CF/1988, art. 127).

Nesse contexto, não é possível a subordinação da atuação do Parquet a outros órgãos ou autoridades públicas. A propositura de ação penal e da cautelar de produção de provas é função institucional do Ministério Público acobertada, no âmbito externo, pela autonomia institucional e, no aspecto intraorganizacional, pela independência funcional de cada um de seus membros.

Na espécie, a Lei nº 14.344/2022 buscou dar maior eficiência à apuração e punição de violência contra crianças e adolescentes, a fim de coibir comportamentos indesejados contra indivíduos em processo de formação da personalidade, os quais, devido à tenra idade e ao desenvolvimento físico corporal incompleto, são mais vulneráveis a atos lesivos, o que demanda uma tutela eficiente dos organismos estatais.

É legítimo, portanto, que a polícia judiciária provoque o Ministério Público na proteção de crianças e adolescentes contra a violência doméstica e familiar. No entanto, é inadmissível compreender que essa provocação possa assumir caráter cogente, dado o perfil constitucional de ambas as instituições. O controle externo da atividade policial cabe ao Ministério Público (CF/1988, art. 129, VII), de forma que qualquer interpretação que atribua o controle externo do Ministério Público à polícia judiciária subverteria o desenho constitucional desses órgãos. Por isso, a palavra “requisitar”, prevista na lei acima citada, deve ser compreendida como “solicitar”, “requerer”.

Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou parcialmente procedente a ação para conferir interpretação conforme a Constituição ao artigo 21, § 1º, da Lei nº 14.344/2022, e assentar que o delegado pode solicitar ao Ministério Público a propositura de ação cautelar de antecipação de produção de prova nas causas que envolvam violência contra a criança e o adolescente, cabendo ao membro desta última instituição avaliar se entende ser o caso de atuação, nos limites de sua independência funcional e observados os deveres que lhe são inerentes.

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