STF - Plenário

ADI 7.493 MC-Ref-MT

Ação Direta de Inconstitucionalidade

Relator: Dias Toffoli

Julgamento: 20/02/2024

Publicação: 01/03/2024

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STF - Plenário

ADI 7.493 MC-Ref-MT

Tese Jurídica Simplificada

O Plenário concedeu liminar em ADIN para dar interpretação conforme ao dispositivo da Constituição Estadual definindo que: as emendas individuais ao projeto de lei orçamentária, de execução obrigatória, serão aprovadas no limite de 2% da Receita Corrente Líquida do exercício anterior ao do encaminhamento do projeto pelo Poder Executivo, observado que a metade desse percentual será destinada a ações e serviços públicos de saúde. 

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Nossos Comentários

Lei orçamentária anual e emendas parlamentares 

O orçamento público é composto de três leis específicas, previstas no artigo 165 da CF:

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

I - o plano plurianual;

II - as diretrizes orçamentárias;

III - os orçamentos anuais.

O plano plurianual é a legislação mais abrangente e tem vigência de 4 anos. Em resumo, estabelece as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para os próximos anos. 

A lei de diretrizes orçamentárias compreende as metas e prioridades da administração pública federal. Tem vigência de 1 ano e orienta a elaboração da lei orçamentária anual. 

Por último, a mais específica de todas é a lei orçamentária anual. Essa última também tem vigência de 1 ano e compreende, de forma resumida, o orçamento fiscal, de investimento e da seguridade social. Essa lei estipula a forma como ocorrerá a distribuição dos recursos financeiros ao longo do ano. 

Sabe-se que as leis orçamentárias são de iniciativa do Poder Executivo. Veja-se o dispositivo da CF/88:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. 

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: 

II - disponham sobre: 

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

Tendo em vista essa previsão constitucional, as emendas parlamentares surgem como a oportunidade de os senadores e deputados acrescentarem novas programações orçamentárias destinadas às necessidades daqueles que representam. 

Há alguns tipos de emenda parlamentar, conforme detalhado no Portal da Transparência da Controladoria-Geral da União:

Individuais - transferências com finalidade definida: propostas por cada parlamentar, possuem recursos vinculados à programação estabelecida na emenda parlamentar e aplicados nas áreas de competência constitucional da União;

Individuais - transferências especiais: aquelas que alocam recursos orçamentários para estados, municípios e Distrito Federal (sem a necessidade de celebração de convênio ou instrumento congênere);

Bancada: de autoria das bancadas estaduais no Congresso Nacional relativa a matérias de interesse de cada Estado ou do Distrito Federal;

Comissão: apresentadas pelas comissões técnicas da Câmara e do Senado, bem como as propostas pelas Mesas Diretoras das duas Casas;

Relator: de autoria do deputado ou senador que, naquele determinado ano, foi escolhido para produzir o parecer final (relatório geral) sobre o Orçamento. Há ainda as emendas dos relatores setoriais, destacados para dar parecer sobre assuntos específicos divididos em dez áreas temáticas do orçamento. 

Sobre as emendas do Relator, o STF já decidiu na ADPF 850-DF que: "é vedada a utilização das emendas do relator-geral do orçamento com a finalidade de criar novas despesas ou de ampliar as programações previstas no projeto de lei orçamentária anual, uma vez que elas se destinam, exclusivamente, a corrigir erros e omissões (CF/1988, art. 3 § ,166º, III, alínea “a”)".

Dentre essas emendas, é importante observar que: 

  • A partir da EC 86/2015 o Poder Executivo passou a ser obrigado a dar cumprimento às emendas individuais.
  • A partir da EC 100/2019 o Poder Executivo passou a ser obrigado a dar cumprimento às emendas de bancada. 

Veja-se o esquema abaixo, inspirado na ilustração do site do Portal da Transparência da Controladoria-Geral da União:

Caso concreto

No caso em análise, o Governador do Estado do Mato Grosso ajuizou ADIN contra o artigo 164, §15º, da Constituição do Estado de Mato Grosso, na redação conferida pela Emenda Constitucional nº 111, de 21 de setembro de 2023. 

O artigo 164, §15º, da Constituição Estadual dispunha sobre as emendas parlamentares de execução obrigatória ao Projeto de Lei Orçamentária Anual: 

As emendas parlamentares ao Projeto de Lei Orçamentária, de execução obrigatória,  serão aprovadas no limite de 1,0% (um por cento) da Receita Corrente Líquida realizada no exercício anterior. 

Com a alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 111/2023, as emendas individuais de execução obrigatória passaram para 2% da Receita Corrente Líquida: 

As emendas individuais ao projeto de lei orçamentária, de execução obrigatória, serão aprovadas no limite de 2,00% (dois por cento) da receita corrente líquida do exercício anterior. 

O autor da ADIN alegou que o artigo 164, §15º, da Constituição do Estado contém vícios de inconstitucionalidade:

  • Formal: por violar o processo legislativo das emendas constitucionais. A Emenda Constitucional nº 111/2023 - tal como aprovada ao final - não guarda nenhuma pertinência com o projeto inicial. 
  • Material: a regra exige interpretação conforme a CF/88 para que a eficácia do dispositivo seja postergada para o exercício de 2025, já que o impacto orçamentário para a aplicação imediata do artigo 164, §15, da Constituição Estadual é de R$ 293.285.608,00. Segundo o autor da ADIN, a imediata aplicação da nova redação constitucional viola o princípio do planejamento orçamentário (artigo 165 da CF/88) o qual estipula que o planejamento tem início com o Plano Plurianual, seja detalhado na Lei de Diretrizes Orçamentárias e posteriormente executado por meio da Lei Orçamentária Anual. Ademais, metade do percentual deve ser destinado para o serviço público de saúde, nos termos do artigo 166, §9º da CF/88. Por fim, nos termos desse último dispositivo, a Receita Corrente Líquida que serve de referência deve ser aquela do exercício anterior ao encaminhamento do projeto. 

Vejamos os dispositivos da CF/88:

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

I - o plano plurianual;

II - as diretrizes orçamentárias;

III - os orçamentos anuais.

 Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum.

§ 9º As emendas individuais ao projeto de lei orçamentária serão aprovadas no limite de 2% (dois por cento) da receita corrente líquida do exercício anterior ao do encaminhamento do projeto, observado que a metade desse percentual será destinada a ações e serviços públicos de saúde.   

Houve pedido de cautelar para suspender o artigo 164, §15º, da Constituição do Estado de Mato Grosso, na redação conferida pela Emenda Constitucional nº 111/2023 ou, subsidiariamente, que já fosse reconhecida a interpretação conforme, mencionada pelo autor da ADIN.

Decisão cautelar 

Nesse momento, o STF analisou apenas a cautelar. 

A Corte entendeu que estão presentes os requisitos para concessão da medida cautelar na hipótese: 

  • Probabilidade do direito: há plausibilidade jurídica no direito alegado, principalmente porque as regras orçamentárias seguem o princípio da simetria que rege a organização dos entes estaduais. Assim, deve haver observância do modelo estabelecido na CF/88.  
  • Perigo da demora: a urgência decorre da necessidade de imediata adequação do Projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) local à nova redação da Constituição Estadual e os impactos financeiros, principalmente na área da saúde. Isso porque a nova redação da Constituição Estadual não estabeleceu que metade dos valores deveria ser destinada à saúde. 

Dessa forma, ao invés de suspender o artigo, o Plenário deu interpretação conforme ao dispositivo da Constituição Estadual para definir que as emendas individuais ao projeto de lei orçamentária, de execução obrigatória, serão aprovadas no limite de 2% da Receita Corrente Líquida do exercício anterior ao do encaminhamento do projeto pelo Poder Executivo, observado que a metade desse percentual será destinada a ações e serviços públicos de saúde.

Tese Jurídica Oficial

Encontram-se presentes os requisitos para a concessão da medida cautelar, pois: (i) há plausibilidade jurídica no que se refere ao direito alegado pelo requerente, tendo em vista que se encontra em consonância com a jurisprudência firmada por esta Corte quanto ao modelo de reprodução obrigatória, o qual enseja a necessidade de observância ao princípio da simetria que rege a organização dos entes estaduais (CF/1988, art. 25, caput); e (ii) há perigo da demora na prestação jurisdicional, decorrente da necessária adequação do Projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) local à nova redação da Constituição estadual e sua expressiva repercussão no âmbito da saúde pública.

Resumo Oficial

A EC nº 86/2015, originária da “PEC do Orçamento Impositivo” e cujos artigos foram parcialmente modificados pelas EC nº 100/2019 e nº 126/2022, passou a prever as chamadas emendas impositivas à LOA e representa uma exceção às emendas parlamentares autorizativas, que visa tornar obrigatória a execução das emendas parlamentares individuais (CF/1988, art. 166, § 11).

Nesse contexto, ressalta-se que compete à União editar normas gerais de direito financeiro (CF/1988, arts. 24, I, II e § 1º), sendo reservada à lei complementar federal (CF/1988, art. 165, § 9º) a edição de normas gerais sobre elaboração da LOA, gestão financeira e critérios para execução das programações de caráter obrigatório (como as emendas parlamentares impositivas). Assim, conforme jurisprudência desta Corte, em matéria de orçamento e finanças públicas, o modelo a ser seguido no âmbito dos estados é de reprodução obrigatória, em homenagem ao princípio da simetria.

O modelo federal determina que as emendas parlamentares individuais ao projeto da LOA serão aprovadas no limite de 2% (dois por cento) da receita corrente líquida do exercício anterior ao do encaminhamento do projeto pelo Poder Executivo, reservando-se metade desse percentual para ações e serviços públicos de saúde. Por outro lado, a Constituição do Estado de Mato Grosso (art. 164, § 15), na redação conferida pela EC nº 111/2023, embora tenha adequado o limite de 1% para 2%, ficou silente com relação à reserva de 50% desse montante para a área da saúde, além de não especificar que o “exercício anterior” seria o do encaminhamento do projeto pelo Poder Executivo.

Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, referendou a medida cautelar parcialmente deferida para conferir ao art. 164, § 15, da Constituição do Estado de Mato Grosso, na redação conferida pela EC nº 111/2023, interpretação conforme a Constituição Federal e assentar que as emendas individuais ao projeto de lei orçamentária, de execução obrigatória, serão aprovadas no limite de 2% (dois por cento) da receita corrente líquida do exercício anterior ao do encaminhamento do projeto pelo Poder Executivo, observado que a metade desse percentual será destinada a ações e serviços públicos de saúde.

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