STJ - Sexta Turma

HC 783.927-MG

Habeas Corpus

Relator: Sebastião Reis Júnior

Julgamento: 14/03/2023

Publicação: 22/03/2023

STJ - Sexta Turma

HC 783.927-MG

Tese Jurídica

Médico não pode acionar a polícia para investigar paciente que procurou atendimento médico-hospitalar por ter praticado manobras abortivas, uma vez que se mostra como confidente necessário, estando proibido de revelar segredo do qual tem conhecimento, bem como de depor a respeito do fato como testemunha.

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Nossos Comentários

Uma paciente dá entrada no Pronto-Socorro, em razão de um sangramento. Há indícios de cometimento de aborto auto-inflingido, constatado pelo médico que faz o atendimento. Uma vez constatada essa hipótese, o profissional da saúde poderá denunciar o fato típico às autoridades competentes?

Não.

O abordo é um crime contra a vida tipificado nos artigos 124 e 125 do Código Penal, e poderá ser cometido de duas formas:

  • Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento: Provocar aborto em si mesma ou permitir que outra pessoa provoque. Aqui, a pena é de detenção, de um a três anos.
  • Aborto provocado por terceiro: Provocar aborto, sem o consentimento da gestante. Nessa modalidade a pena é de reclusão, de três a dez anos.

A gestante que sofre abortamento, espontâneo ou provocado, sempre poderá recorrer ao sistema de saúde para adoção de medidas de urgência para evitar consequências mais graves à sua saúde.

Pode o médico notificar o ocorrido às autoridades competentes? Não. O Código de Ética Médica (Resolução CFM n. 2.217/2018) veda essa prática.

É vedado ao médico:

Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.

Parágrafo único. Permanece essa proibição:

a) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha falecido;

b) quando de seu depoimento como testemunha (nessa hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento);

c) na investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal.

Além disso, o Código Processual Penal, no art. 207, dispõe que "são proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho".

Resumo Oficial

O trancamento da ação penal em sede de habeas corpus é medida excepcional, cabível somente quando manifesta a atipicidade da conduta, causa extintiva de punibilidade ou ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito.

No caso, o modo como ocorreu a descoberta do crime invalidou a persecução penal. O médico que realizou o atendimento da paciente - a qual estaria supostamente grávida de aproximadamente 16 semanas e teria, em tese, realizado manobras abortivas em sua residência, mediante a ingestão de medicamento abortivo - acionou a autoridade policial, figurando, inclusive, como testemunha da ação penal que resultou na pronúncia da acusada.

O art. 207 do Código de Processo Penal dispõe que "são proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho". O médico que atendeu a paciente se encaixa na proibição legal, uma vez que se mostra como confidente necessário, estando proibido de revelar segredo de que tem conhecimento em razão da profissão intelectual, bem como de depor sobre o fato como testemunha.

Sobre o sigilo profissional, este STJ já teve a oportunidade de decidir que, "O interesse público do sigilo profissional decorre do fato de se constituir em um elemento essencial à existência e à dignidade de certas categorias, e à necessidade de se tutelar a confiança nelas depositada, sem o que seria inviável o desempenho de suas funções, bem como por se revelar em uma exigência da vida e da paz social." (RMS 9.612/SP, Ministro Cesar Asfor Rocha, Quarta Turma, DJ 9/11/1998).

Ademais, também como razões de decidir, o Código de Ética Médica (Resolução CFM n. 2.217/2018) enuncia que é vedado ao médico "revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão". Não obstante existam exceções à mencionada regra, nos casos de "motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente", o art. 73, parágrafo único, da citada Resolução, prevê, de forma expressa, que a vedação em questão permanece "na investigação de suspeita de crime", contexto em que o médico "estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal" (art. 73, parágrafo único, "c", da Resolução CFM n. 2.217/2018).

Com efeito, o médico não possui, via de regra, o dever legal de comunicar a ocorrência de fato criminoso ou mesmo de efetuar prisão de qualquer indivíduo que se encontre em situação de flagrante delito. E, ainda, mesmo nos casos em que o médico possui o dever legal de comunicar determinado fato à autoridade competente, como no contexto de doença cuja notificação seja compulsória (art. 269 do CP), ainda assim é vedada a remessa do prontuário médico do paciente (art. 2º da Resolução n. 1.605/2000 do CFM).

Dessa forma, visto que a instauração do inquérito policial decorreu de provocação da autoridade policial por parte do próprio médico, que além de ter sido indevidamente arrolado como testemunha, encaminhou o prontuário médico da paciente para a comprovação das afirmações, encontra-se contaminada a ação penal pelos elementos de informação coletados de forma ilícita, devendo ser trancada.

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