STJ - Terceira Turma
REsp 1.866.232-SP
Recurso Especial
Relator: Paulo de Tarso Sanseverino
Julgamento: 21/03/2023
Publicação: 23/03/2023
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STJ - Terceira Turma
REsp 1.866.232-SP
Tese Jurídica
A disposição do Código de Defesa do Consumidor acerca do ônus probatório da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária, a princípio, não se aplica em demanda envolvendo concorrência desleal.
Nossos Comentários
Resumo Oficial
A controvérsia diz respeito a verificar se seria possível, em ação visando à cessação da veiculação de publicidade supostamente enganosa, a inversão do ônus da prova a que alude o art. 38 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), mesmo quando em demanda envolvendo concorrência desleal.
No caso, sociedade empresária do ramo de lanchonetes busca fazer cessar propaganda supostamente enganosa veiculada por sociedade empresária concorrente consistente no uso da frase "The Best Burger in the World", traduzida em português por "O melhor hambúrguer do mundo" em todo seu material publicitário e nas fachadas dos restaurantes.
De acordo com a teoria do diálogo das fontes, as fontes normativas, que hoje são plurais e, em muitos casos, convergentes, no lugar de apenas se excluírem mutuamente, devem também, frequentemente, dialogar entre si, cabendo ao aplicador do Direito coordená-las.
Considerando especificamente a relação existente entre o Direito da Concorrência e o Direito do Consumidor, o diálogo se dá, nesse caso específico, sob a forma de coordenação e de adaptação sistemática. No entanto, esse diálogo de coordenação e de adaptação sistemática entre Direito da Concorrência e Direito do Consumidor apenas ocorre quando, de um lado, as normas consumeristas reforçam a proteção ao mercado concorrencial, ou quando, de outro lado, as normas concorrenciais somam esforços na proteção do consumidor.
Isso, porém, não é o que se verifica no que diz respeito especificamente à norma prevista no art. 38 do CDC. A inversão automática do ônus da prova está fundada no pressuposto de vulnerabilidade do consumidor, especialmente no que diz respeito à publicidade, com o objetivo de garantir a igualdade material e de reforçar a sua proteção, inclusive no acesso à Justiça.
Com efeito, em demanda envolvendo Direito da Concorrência, não se mostra correta a presunção de vulnerabilidade da parte autora, não se justificando a inversão direta e automática determinada pelo art. 38 do CDC.
Note-se que, na eventualidade de se verificar que, em determinada ação envolvendo Direito da Concorrência, seria particularmente impossível ou excessivamente dificultoso ao autor assumir o ônus da prova, é perfeitamente possível ao juízo da causa a distribuição dinâmica desse ônus, conforme autoriza o art. 373, § 1º, do CPC, que ocorreria ope judicis e especificamente para o caso concreto, diferentemente do quanto preconiza o art. 38 do CDC.
Ademais, a aplicação da norma prevista no art. 38 do CDC às relações concorrenciais, além de não se mostrar necessária, diante do quanto previsto no art. 373, § 1º, do CPC, poderia - paradoxalmente - ser utilizada, em determinadas circunstâncias, justamente como instrumento anticoncorrencial. Com efeito, o abuso do direito de ação é uma das formas pelas quais se pode revestir a infração à ordem econômica.
Em conduta que ficou conhecida pelo termo em inglês sham litigation, o agente econômico pode se valer de litígio simulado - cuja solução, a rigor, lhe seria irrelevante - para prejudicar a atividade de um pequeno concorrente, que passa a ter que se defender em processo longo e dispendioso, com resultado incerto.
Nesses casos, o processo é utilizado não com o fim de obter o provimento jurisdicional, mas, sim, como meio de dificultar a atividade do concorrente ou mesmo de barrar a entrada de novos competidores no mercado.
Nesse contexto, a inversão automática do ônus da prova prevista pelo art. 38 do CDC poderia facilitar o abuso do direito de ação, incentivando esse tipo de estratégia anticoncorrencial, uma vez que, a partir do ajuizamento de demanda frívola, o ônus da prova estaria direta e automaticamente imposto ao concorrente com menor porte econômico.
A prática comercial do Madero é conhecida como Puffing, nome dado a uma técnica de propaganda caracterizada pelo uso de exagero para chamar atenção do leitor ao produto. O STJ já declarou que essa prática é lícita (clique aqui para ver nossos comentários).
O BK afirmou que, por conta da questão envolver direito do Consumidor, haveria vulnerabilidade e, por isso, pediu para que o ônus de provar ser o melhor hamburguer do mundo recaísse ao próprio Madero. Esse pedido é cabível? Para o STJ, não. A questão, para o Tribunal, relaciona-se com Direito Concorrencial, e não direito do consumo em si. Até porque, trata-se de disputa entre as lanchonetes, que não são consumidoras.
Para a Corte, a inversão automática do ônus da prova prevista pelo art. 38 do CDC, se usada nesse contexto envolvendo concorrência, poderia facilitar o abuso do direito de ação (scam litigation), já que seria quase impossível a prova que o BK pleiteou.