STJ - Primeira Seção

CC 174.764-MA

Conflito de Competência

Relator: Mauro Campbell Marques

Julgamento: 09/02/2022

Publicação: 14/02/2022

STJ - Primeira Seção

CC 174.764-MA

Tese Jurídica Simplificada

O que determina a competência da Justiça Federal nas ações de improbidade administrativa é a presença das pessoas jurídicas de direito público previstas no art. 109, I, da CF na relação processual e não a natureza da verba federal sujeita à fiscalização do TCU.

Vídeos

Nossos Comentários

Contexto

O Município de Água Doce do Maranhão ajuizou ação de improbidade administrativa em face de seu ex-prefeito, por conta de irregularidades na prestação de contas de verbas federais decorrentes de convênio firmado com o PRONAT (Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais).

A ação foi apresentada perante um Juízo de Direito (estadual), que se declarou incompetente ao afirmar que a ação envolve transferências voluntárias de recursos federais que não se incorporam ao patrimônio do Município, incidindo a Súmula 208/STJ, o que atrairia a competência da Justiça Federal. 

Por tratar-se de convênio com órgão federal, a prestação de contas deveria ser feita junto ao Tribunal de Contas da União, segundo prevê o art. 71, VI, da CF:

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município;

De quem é a competência nesse caso: da Justiça Estadual ou da Justiça Federal?

Em primeiro lugar, é importante destacar que o STJ é o Tribunal competente para julgar esse conflito de competência, segundo dispõe o art. 105, I, "d", da CF:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I - processar e julgar, originariamente:

(...)

d) os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I, “o”, bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos;

No âmbito do STJ, em regra, a competência da Justiça Federal varia de acordo com a matéria tratada na demanda (cível ou penal):

Competência da Justiça Federal
Matéria Cível Matéria Penal
  • Art. 109, I, da CF;
  • Deve haver a efetiva presença da União, entidade autárquica ou empresa pública federal, na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes na relação processual;
  • Competência absoluta em razão da pessoa (ratione personae);
  • Depende da presença do ente federal na relação processual, independentemente da sua natureza.
  • Art. 109, VI, da CF;
  • Competência para crimes praticados em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, entidades autárquicas ou empresas públicas.
  • Basta o simples interesse da União, sem necessidade da efetiva presença em qualquer dos polos da demanda.

A competência para processar e julgar ações de ressarcimento ao erário e improbidade administrativa, relacionadas à eventuais irregularidades no uso ou prestação de contas de repasses de verbas federais aos demais entes federativos, estava sendo dirimida pelo STJ sob o enfoque das Súmulas 208/STJ e 209/STJ.

Súmula 208/STJ. Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal.

Súmula 209/STJ. Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal.

A aplicação dessas súmulas em processos de natureza cível tem sido mitigada. A Segunda Turma apontou para a necessidade de uma distinção na aplicação desses enunciados no âmbito cível, pois eles provêm da Terceira Seção do Tribunal, e tratam sobre hipóteses de fixação de competência em matéria penal, em que basta o interesse da União ou de suas autarquias para deslocar a competência para a Justiça Federal.

A Segunda Turma também concluiu que a competência da Justiça Federal, em matéria cível, é baseada em critério objetivo, sendo fixada somente em razão de quem participa da relação processual, não dependendo da análise da matéria discutida no processo.

Assim, em ações de ressarcimento ao erário e improbidade administrativa ajuizadas em face de eventuais irregularidades praticadas no uso ou prestação de contas de valores decorrentes e convênio federal, o simples fato de as verbas se sujeitarem à prestação de contas perante o TCU, por si só ,não justifica a competência da Justiça Federal.

Segundo o STF, ainda que os valores transferidos pela União para os demais entes federativos estejam sujeitos à fiscalização do TCU, esse fato não é capaz de alterar a competência, pois a competência cível da Justiça Federal exige o efetivo cumprimento da regra prevista no art. 109, I, da CF.

Do mesmo modo, a mera transferência e incorporação ao patrimônio municipal de verba desviada, no âmbito cível, não torna absoluta a competência da Justiça Estadual. Havendo manifestação de interesse jurídico por ente federal que justifique a presença no processo regularmente reconhecido pelo Juízo Federal, a competência para processar a julgar a ação civil de improbidade administrativa será da Justiça Federal.

Em resumo: o que determina a competência cível da Justiça Federal nas ações de improbidade administrativa é a presença das pessoas jurídicas de direito público previstas no art. 109, I, da CF na relação processual e não a natureza da verba federal sujeita à fiscalização do TCU.

No caso concreto, não há ente federal em nenhum dos polos da relação processual, o que afasta a competência da Justiça Federal para processar e julgar a referida ação. Além disso, não há manifestação de interesse em integrar o processo por parte de ente federal. Por fim, o Juízo Federal afirmou que o interesse que prevalece é restrito à órbita do Município autor, atraindo a competência da Justiça Estadual para processar e julgar a demanda.

Assim, segundo o STJ, nas ações de improbidade administrativa, a competência de Justiça Federal é definida em razão da presença das pessoas jurídicas de direito público previstas no art. 109, I, da CF na relação processual, e não em razão da natureza da verba federal sujeita à fiscalização do Tribunal de Contas da União.

Tese Jurídica Oficial

Nas ações de improbidade administrativa, a competência da Justiça Federal é definida em razão da presença das pessoas jurídicas de direito público previstas no art. 109, I, da Constituição Federal na relação processual, e não em razão da natureza da verba federal sujeita à fiscalização da Tribunal de Contas da União.

Resumo Oficial

No caso, o ente municipal ajuizou ação de improbidade administrativa, em razão de irregularidades na prestação de contas de verbas federais decorrentes de convênio.

A competência para processar e julgar ações de ressarcimento ao erário e de improbidade administrativa, relacionadas à eventuais irregularidades na utilização ou prestação de contas de repasses de verbas federais aos demais entes federativos, estava sendo dirimida por esta Corte Superior sob o enfoque das Súmulas 208/STJ ("Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita à prestação de contas perante órgão federal") e 209/STJ ("Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal").

O art. 109, I, da Constituição Federal prevê, de maneira geral, a competência cível da Justiça Federal, delimitada objetivamente em razão da efetiva presença da União, entidade autárquica ou empresa pública federal, na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes na relação processual. Estabelece, portanto, competência absoluta em razão da pessoa (ratione personae), configurada pela presença dos entes elencados no dispositivo constitucional na relação processual, independentemente da natureza da relação jurídica litigiosa.

Por outro lado, o art. 109, VI, da Constituição Federal dispõe sobre a competência penal da Justiça Federal, especificamente para os crimes praticados em detrimento de bens, serviços ou interesse da União, entidades autárquicas ou empresas públicas. Assim, para reconhecer a competência, em regra, bastaria o simples interesse da União, inexistindo a necessidade da efetiva presença em qualquer dos polos da demanda.

Nesse contexto, a aplicação dos referidos enunciados sumulares, em processos de natureza cível, tem sido mitigada no âmbito deste Tribunal Superior. A Segunda Turma afirmou a necessidade de uma distinção (distinguishing) na aplicação das Súmulas 208 e 209 do STJ, no âmbito cível, pois tais enunciados provêm da Terceira Seção deste Superior Tribunal, e versam hipóteses de fixação da competência em matéria penal, em que basta o interesse da União ou de suas autarquias para deslocar a competência para a Justiça Federal, nos termos do inciso IV do art. 109 da CF. Logo adiante concluiu que a competência da Justiça Federal, em matéria cível, é aquela prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, que tem por base critério objetivo, sendo fixada tão só em razão dos figurantes da relação processual, prescindindo da análise da matéria discutida na lide (REsp 1.325.491/BA, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 05/06/2014, DJe 25/06/2014).

Assim, nas ações de ressarcimento ao erário e improbidade administrativa ajuizadas em face de eventuais irregularidades praticadas na utilização ou prestação de contas de valores decorrentes de convênio federal, o simples fato das verbas estarem sujeitas à prestação de contas perante o Tribunal de Contas da União, por si só, não justifica a competência da Justiça Federal.

O Supremo Tribunal Federal já afirmou que o fato dos valores envolvidos transferidos pela União para os demais entes federativos estarem eventualmente sujeitos à fiscalização do Tribunal de Contas da União não é capaz de alterar a competência, pois a competência cível da Justiça Federal exige o efetivo cumprimento da regra prevista no art. 109, I, da Constituição Federal.

Igualmente, a mera transferência e incorporação ao patrimônio municipal de verba desviada, no âmbito civil, não pode impor de maneira absoluta a competência da Justiça Estadual. Se houver manifestação de interesse jurídico por ente federal que justifique a presença no processo, (v.g. União ou Ministério Público Federal) regularmente reconhecido pelo Juízo Federal nos termos da Súmula 150/STJ, a competência para processar e julgar a ação civil de improbidade administrativa será da Justiça Federal.

Em síntese, é possível afirmar que a competência cível da Justiça Federal é definida em razão da presença das pessoas jurídicas de direito público previstas no art. 109, I, da CF na relação processual, seja como autora, ré, assistente ou oponente e não em razão da natureza da verba federal sujeita à fiscalização da Corte de Contas da União.

No caso, não figura em nenhum dos pólos da relação processual ente federal indicado no art. 109, I, da Constituição Federal, o que afasta a competência da Justiça Federal para processar e julgar a referida ação. Ademais, não existe nenhuma manifestação de interesse em integrar o processo por parte de ente federal e o Juízo Federal consignou que o interesse que prevalece restringe-se à órbita do Município autor, o que atrai a competência da Justiça Estadual para processar e julgar a demanda.

Encontrou um erro?

Onde Aparece?