REsp 2.161.548-BA

STJ Terceira Seção

Recurso Especial

Paradigma

Relator: Otávio de Almeida Toledo

Julgamento: 12/03/2025

Tese Jurídica Simplificada

1ª Tese: A confissão do investigado no inquérito policial não é uma exigência para que seja possível o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP). Portanto, não é válida a negativa de oferecer o acordo com base na falta de confissão nesse momento.

2ª Tese: A confissão necessária para o ANPP pode ser feita no momento da assinatura do acordo, diante do Ministério Público, após a proposta ser apresentada e aceita pelo acusado, com assistência de defesa técnica, pois o ANPP tem caráter negocial.

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Tese Jurídica Oficial

1ª Tese: A confissão pelo investigado na fase de inquérito policial não constitui exigência do art. 28-A do Código de Processo Penal para o cabimento de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), sendo inválida a negativa de formulação da respectiva proposta baseada em sua ausência.

2ª Tese: A formalização da confissão para fins do ANPP pode se dar no momento da assinatura do acordo, perante o próprio órgão ministerial, após a ciência, avaliação e aceitação da proposta pelo beneficiado, devidamente assistido por defesa técnica, dado o caráter negocial do instituto.

Cinge-se a controvérsia em definir se a ausência de confissão pelo investigado a respeito do cometimento do crime, durante a fase de inquérito policial, constitui fundamento válido para o Ministério Público não ofertar proposta de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP).

De início, cabe ressaltar que o entendimento atual de ambas as Turmas que compõem a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça (STJ) se consolidou no sentido da impossibilidade do condicionamento da proposta de ANPP à confissão extrajudicial na fase inquisitorial.

A confissão anterior não foi exigida quando da definição do Tema Repetitivo n. 1098 por esta Terceira Seção, entendendo-se cabível a celebração do ANPP "em casos de processos em andamento quando da entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019, mesmo se ausente confissão do réu até aquele momento", na mesma linha do decidido pelo Supremo Tribunal Federal no HC n. 185.913/DF.

Ainda, cabe pontuar a premissa fixada na primeira tese do Tema Repetitivo n. 1098: "o Acordo de Não Persecução Penal constitui um negócio jurídico processual" e entabula "possibilidade de composição entre as partes com o fim de evitar a instauração da ação penal".

Resta claro, assim, que o aspecto negocial é elemento chave para a compreensão do instituto do ANPP e, consequentemente, para a interpretação dos contornos de tal inovação legislativa quanto à quaestio enfrentada nesta oportunidade.

Ademais, já se alinhavou na jurisprudência deste Tribunal Superior que "[a] confissão é indispensável à realização do acordo, por ser o que revela o caráter de justiça negocial do ANPP" (AgRg no HC n. 879.014/PR, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 22/04/2024, DJe de 25/04/2024).

Ora, diante de um instituto de características negociais, como é o ANPP, parece distante dos pressupostos basilares subjacentes exigir que uma das partes - a mais vulnerável, no caso - cumpra de antemão com uma das obrigações a serem assumidas, sobretudo sem ao menos saber de antemão se terá ou não sequer a oportunidade de negociar.

Isto porque este STJ adotou a posição no sentido de que "o acordo de não persecução penal não constitui direito subjetivo do investigado, podendo ser proposto pelo Ministério Público conforme as peculiaridades do caso concreto e quando considerado necessário e suficiente para a reprovação e a prevenção da infração penal" (AgRg no REsp n. 1.912.425/PR, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 20/3/2023, DJe de 23/3/2023).

Assim, qualquer projeção anterior à efetiva iniciação das tratativas a respeito do acordo configuraria mera conjectura, não havendo, conforme a jurisprudência desta Corte, se falar em direito subjetivo à celebração do acordo.

Nesse cenário, a exigência de uma prévia renúncia (ainda que retratável, como é da natureza do instituto da confissão) ao direito ao silêncio e à não autoincriminação, sem a certeza da contrapartida, representaria desarrazoada condicionante, não prevista, ademais, na legislação de regência.

Mais ainda, a exigência de confissão prévia significaria, em última análise, um incentivo à sua realização em ambiente inquisitorial, sem a plenitude das garantias do devido processo legal, na maioria das vezes sem assistência por defesa técnica - incompatível com os esforços que tem empreendido esta Terceira Seção pela racionalização do uso da confissão extrajudicial no Processo Penal - v.g., com as teses estabelecidas no AREsp n. 2.123.334/MG (relator Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, julgado em 20/6/2024, DJe de 2/7/2024).

Também não se pode perder de vista, diante de tal questão, a garantia convencional de não ser obrigado a depor contra si mesmo ou declarar-se culpado (art. 8.2, "g", da Convenção Americana de Direitos Humanos).

É sabido que os direitos humanos possuem tendência expansiva e reclamam máxima efetividade, com as normas internacionais que os asseguram consubstanciando vetores interpretativos para a legislação ordinária. É essencial, portanto, a compatibilização da possibilidade legal de celebração de um Acordo de Não Persecução Penal com a força normativa exercida pelo art. 8.2, "g", da CADH. Para tanto, não se pode, conforme a letra do Pacto de San José, obrigar a parte a depor contra si mesma ou declarar-se culpada, de modo que a confissão só pode se colocar como uma faculdade para viabilizar o acesso ao ANPP.

Não é cabível exigir que tal opção seja tomada "no escuro", antes mesmo de se saber se haverá ou não proposta - e consequente tratativa - da solução negociada, quais os seus termos, bem como os elementos de que dispõe a acusação para a formulação de eventual denúncia.

Sem a certeza da contrapartida, a faculdade em questão não poderia ser exercida plenamente pela pessoa investigada, mais se aproximando de uma obrigação. É necessário, assim, garantir seu pleno exercício, que deve ser devidamente informado, pois, caso contrário, se converterá num "salto de fé" incompatível com a essencialidade da garantia subjacente, da qual se estará abrindo mão.

Nessa linha, deve a escolha - informada - pela confissão mirando a celebração do ANPP se dar com consciência dos ganhos e perdas de cada via (processual ou negocial), o que implica na ciência do conteúdo da proposta formulada pelo Ministério Público, bem como dos elementos que lastreiam a pretensão acusatória, além da necessária assistência da defesa técnica (sobre esse ponto, já se decidiu que a "[a]usência de orientação e presença da Defesa técnica [contamina] a negativa de acordo" - HC n. 838.005/MS, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do Tjsp), Sexta Turma, julgado em 13/8/2024, DJe de 23/8/2024).

Por outro lado, também não satisfaz os ditames da CADH a interpretação de que a utilização, na fase inquisitorial, desses direitos pela pessoa (não depor contra si mesma nem declarar-se culpada) seria impeditivo para acesso a instrumento processual negocial que lhe pode ensejar situação mais favorável. Isto porque a própria Convenção estabelece em seu artigo 29, "b", que a interpretação de seus dispositivos não pode ocorrer de modo a "limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados-Partes".

Portanto, não atende à garantia do art. 8.2, "g", da Convenção Americana de Direitos Humanos a exigência de confissão pelo investigado a respeito do cometimento do crime, durante a fase de inquérito policial; e não observa seu art. 29, "b", a interpretação de que o uso de tal garantia na fase de inquérito impede o acesso à negociação de eventual ANPP.

Desse modo, no silêncio do art. 28-A do Código de Processo Penal quanto ao momento em que deve se dar a confissão, sua interpretação não pode implicar em (inexistente) exigência de que ela ocorra de antemão a eventual proposta de ANPP, ainda na fase inquisitiva. Assim, nada impede que a confissão seja levada a efeito perante o próprio órgão ministerial, após a formulação da proposta de acordo, sua avaliação (assistida por defesa técnica), eventual negociação e aceitação dos termos do ANPP.

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