> < Todos Julgados > REsp 2.083.701-SP

STJ - Terceira Seção

REsp 2.083.701-SP

Recurso Especial

Paradigma

Outros Processos nesta Decisão

REsp 2.091.651-SP REsp 2.091.652-MS

Relator: Sebastião Reis Júnior

Julgamento: 28/02/2024

Publicação: 05/03/2024

STJ - Terceira Seção

REsp 2.083.701-SP

Tese Jurídica Simplificada

1ª Tese: Em regra, a reiteração do crime de descaminho impede a aplicação do princípio da insignificância, independentemente do valor do tributo não recolhido; 

2ª Tese: Mesmo nos casos de reiteração do crime de descaminho, o juiz poderá aplicar o princípio da insignificância, se entender que a medida é socialmente recomendável no caso concreto; 

3ª Tese: Para verificar a habitualidade criminosa, não se aplica o período da reincidência previsto no artigo 64, I, do CP, cabendo a cada juiz, no caso concreto, avaliar o período transcorrido entre os crimes, podendo avaliar também os procedimentos penais e fiscais pendentes;

Vídeos

Nossos Comentários

Princípio da insignificância

O crime é, por definição, fato típico, ilícito e culpável.

A tipicidade subdivide-se em:

  • Tipicidade formal: é a subsunção da conduta fática ao que está definido em lei.
  • Tipicidade material: é a lesão ao bem jurídico.

Nas hipóteses em que há tipicidade formal, mas a conduta não é capaz de gerar lesão ao bem jurídico, tem-se a possibilidade de aplicar o princípio da insignificância para excluir a tipicidade.

A doutrina aponta os seguintes requisitos para aplicação do princípio da insignificância os quais podem ser lembrados com o mnemônico “MARI”:

  • Mínima ofensividade da conduta
  • Ausência de periculosidade social da ação
  • Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento
  • Inexpressividade de lesão ao bem jurídico

Princípio da insignificância e descaminho

Conforme Súmula 599 do STJ, “o princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública”. 

Dentre os crimes contra a Administração Pública, tem-se o descaminho:

Descaminho

Art. 334.  Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria. 

Especificamente sobre o crime de descaminho, a jurisprudência o reconhece como exceção, sendo aplicável o princípio da insignificância quando o débito tributário devido não ultrapassar R$ 20.000,00.  

Essa foi a Tese fixada pelo STJ, na revisão do Tema Repetitivo nº 157:

Incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda.

Após a revisão do Tema Repetitivo nº 157, outra controvérsia chegou ao STJ: a reiteração no crime de descaminho impede a aplicação do princípio da insignificância? 

Em tese, a reiteração (repetição do crime de descaminho) é analisada em prejuízo do réu, em razão da interpretação dos requisitos “MARI”. 

O STJ afetou o Tema Repetitivo nº 1.218 justamente para decidir se a reiteração impede a aplicação do princípio. 

Segundo o STJ, a reincidência específica no crime de descaminho indica maior reprovabilidade do comportamento e relevante periculosidade da ação. Portanto, são afastados - pelo menos - dois dos pressupostos para aplicação do princípio da insignificância. 

Dessa forma, em regra, a reiteração impossibilita a aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho, independentemente do valor do tributo não recolhido. 

No entanto, mesmo para o réu que comete mais de um crime de descaminho, o juiz poderá analisar o caso concreto e decidir que a aplicação da insignificância é socialmente recomendável. Em outras palavras, é possível que o juiz entenda que as circunstâncias fáticas indiquem ser mais razoável aplicar o princípio do que condenar o réu. 

Por último, a Corte também definiu se o prazo dessa “reiteração” considerada no Tema, corresponde especificamente à reincidência. 

O artigo 64 do CP define o “período depurador”. Esse período corresponde ao prazo em que a reincidência ainda vigora. 

De forma resumida, a reincidência existe no período de 5 anos entre a data do cumprimento ou extinção da primeira pena e a infração posterior. Passado esse prazo, tecnicamente, não há mais reincidência:

Art. 64 - Para efeito de reincidência: 

I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação;

No caso do Tema Repetitivo nº 1.218, o STJ entendeu que esse prazo não é aplicável para verificar a habitualidade criminosa do réu. Portanto, no caso, a reiteração não corresponde ao conceito técnico de reincidência. 

A habitualidade criminosa para fins da Tese, pode ser verificada a partir de procedimentos penais e fiscais pendentes, cabendo ao juiz, no caso concreto, verificar o tempo decorrido entre o primeiro e o último crime de descaminho, aplicando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Portanto, o juiz poderá entender, por exemplo, que o réu que praticou dois crimes de descaminho no intervalo de 8 anos é criminoso habitual, sendo indevida a aplicação do princípio da insignificância. 

Dessa forma, o STJ fixou três teses ao julgar o Tema Repetitivo nº 1.218: 

  • 1ª Tese: Em regra, a reiteração do crime de descaminho impede a aplicação do princípio da insignificância, independentemente do valor do tributo não recolhido; 
  • 2ª Tese: Mesmo nos casos de reiteração do crime de descaminho, o juiz poderá aplicar o princípio da insignificância, se entender que a medida é socialmente recomendável no caso concreto; 
  • 3ª Tese: Para verificar a habitualidade e a reiteração criminosa, não se aplica o período da reincidência previsto no artigo 64, I, do CP, cabendo a cada juiz, no caso concreto, avaliar o período transcorrido entre os crimes, podendo avaliar também os procedimentos penais e fiscais pendentes;

Tese Jurídica Oficial

A reiteração da conduta delitiva obsta a aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho - independentemente do valor do tributo não recolhido -, ressalvada a possibilidade de, no caso concreto, se concluir que a medida é socialmente recomendável. A contumácia pode ser aferida a partir de procedimentos penais e fiscais pendentes de definitividade, sendo inaplicável o prazo previsto no art. 64, I, do CP, incumbindo ao julgador avaliar o lapso temporal transcorrido desde o último evento delituoso à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Resumo Oficial

No julgamento do REsp 1.709.029/MG, a Terceira Seção desta Corte, revendo a tese fixada no julgamento do REsp 1.112.748/TO (Tema 157) , firmou o entendimento de que incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda.

Com efeito, a controvérsia oposta traduz um desdobramento direto daquele julgamento, na medida em que busca elucidar se o princípio da insignificância incide nos casos em que verificada a reiteração do crime de descaminho.

Sobre o tema, a Terceira Seção desta Corte, firmou o entendimento no sentido de que "A reiteração da conduta delitiva obsta a aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho, ressalvada a possibilidade de, no caso concreto, as instâncias ordinárias verificarem que a medida é socialmente recomendável (EREsp 1.217.514/RS, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, DJe 16/12/2015).

Ora, a reiteração da conduta é uma circunstância apta a indicar uma conduta mais reprovável e de periculosidade social relevante, inclusive porque transmite a ideia de impunidade, reduzindo o caráter de prevenção geral da norma penal, de modo que, caso verificada, tem-se por afastado, ao menos, dois dos pressupostos para reconhecimento da atipicidade material da conduta nos moldes estabelecidos pela jurisprudência, a saber: ausência de periculosidade social da ação e reduzido grau de reprovabilidade do comportamento. Ressalte-se, no entanto, que é recomendável a manutenção da ressalva proposta pelo Ministro Reynaldo Soares da Fonseca quando do julgamento do EREsp 1.217.514/RS.

Isso porque, é impossível contemplar a multiplicidade de situações fáticas que podem acarretar na prática de crime descaminho, sendo certo que, a depender das circunstâncias que tangenciem a reiteração da conduta, o julgador pode compreender que o reconhecimento da atipicidade material é a medida socialmente recomendável. Mutatis mutandis, essa é a mesma compreensão que tem orientado esta Corte na análise do princípio da insignificância nos crimes de furto em que verificada a contumácia do agente.

Ademais, frise-se, procedimentos pendentes de definitividade, inclusive processos administrativos fiscais, podem ser sopesados para formar a convicção no sentido da contumácia da conduta delitiva.

Também, registre-se, não há base legal para aplicação do prazo preconizado no art. 64, I, do CP, ou mesmo outro marco objetivo para fins de análise da contumácia delitiva, sendo aplicáveis os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, de modo que o juízo ordinário deve avaliar se a conduta anterior é suficiente para denotar que o agente ativo é contumaz na prática delitiva.

Por fim, em se tratando de agente contumaz na prática delitiva, é desinfluente perquirir o valor do tributo não recolhido para fins de aplicação do princípio insignificância, pois a contumácia indica ser uma conduta mais gravosa e de periculosidade social relevante, de modo que a reiteração, em regra, acaba por afastar os requisitos necessários para o reconhecimento da atipicidade material da conduta. Admitir a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância, no caso de reiteração da conduta, com base no montante do tributo não recolhido (inferior a vinte mil reais), teria o efeito deletério de estimular uma "economia do crime", na medida em que acabaria por criar uma "cota" de imunidade penal para a prática de sucessivas condutas delituosas.

Desse modo, é de se concluir que a reiteração da conduta delitiva obsta a aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho - independentemente do valor do tributo não recolhido -, ressalvada a possibilidade de, no caso concreto, se concluir que a medida é socialmente recomendável. A contumácia pode ser aferida a partir de procedimentos penais e fiscais pendentes de definitividade, sendo inaplicável o prazo previsto no art. 64, I, do CP, incumbindo ao julgador avaliar o lapso temporal transcorrido desde o último evento delituoso à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Julgados Relacionados

Exercícios

Encontrou um erro?

Onde Aparece?