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STJ - Terceira Seção

REsp 2.070.717-MG

Recurso Especial

Paradigma

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REsp 2.070.857-MG REsp 2.070.863-MG REsp 2.071.109-MG

Relator: Joel Ilan Paciornik

Relator Divergente: Rogerio Schietti Cruz

Julgamento: 13/11/2024

STJ - Terceira Seção

REsp 2.070.717-MG

Tese Jurídica Simplificada

1ª Tese: As medidas protetivas de urgência têm natureza de tutela inibitória e não dependem da existência de boletim de ocorrência, inquérito ou processo de qualquer natureza.

2ª Tese: A duração das medidas está vinculada à persistência do risco à mulher, e por isso, vigoram por prazo indeterminado.

3ª Tese: A extinção de punibilidade, arquivamento de inquérito ou absolvição do acusado não causam automaticamente a extinção da medida imposta.

4ª Tese: Não há necessidade de revisão periódica obrigatória, mas as medidas podem ser reavaliadas quando houver pedido do interessado ou constatação de fim da situação de risco. Além disso, a revogação deve ser precedida de contraditório da vítima e do agressor, com comunicação da vítima em caso de extinção da medida.

Nossos Comentários

Medidas Protetivas na Lei Maria da Penha

As medidas protetivas são medidas cautelares ou extrapenais que buscam garantir a proteção da vítima. O procedimento correspondente está disciplinado nos artigos 282 e seguintes do Código de Processo Penal.

Essas medidas podem ser concedidas pelo juiz a requerimento do MP ou a pedido da ofendida, de acordo com o art. 19, caput da Lei Maria da Penha.

Há medidas que demandam conduta positiva ou negativa por parte do agressor (são chamadas de medidas que obrigam o agressor), conforme artigo 22 da Lei Maria da Penha.

Além dessas, há medidas gerais voltadas à vítima, elencadas em rol exemplificativo nos artigos 23 e 24 da Lei Maria da Penha.

Vejamos o esquema abaixo:

Controvérsia

O caso trata de discussão sobre a natureza jurídica e duração das Medidas Protetivas de Urgência (MPUs) previstas na Lei Maria da Penha, questionando se estas devem estar vinculadas a um processo principal ou ter prazo determinado.

Em um dos recursos representativos de controvérsia, o Ministério Público do Estado de Goiás pediu que as medidas protetivas concedidas a uma mulher vítima fossem mantidas por prazo indeterminado. Segundo defende o Ministério Público, as medidas protetivas estabelecidas pela Lei Maria da Penha funcionam como mecanismos preventivos autônomos, que visam impedir a ocorrência de violência. Por terem caráter satisfativo (ou seja, atingem seu objetivo por si só), não precisam estar vinculadas a nenhum processo criminal nem ter um prazo definido para terminar.

Em outras palavras, o Ministério Público defende que o principal objetivo das medidas é garantir a proteção efetiva da mulher, independentemente da existência ou do resultado de qualquer procedimento judicial relacionado. Além disso, para o órgão, a exigência de revisão periódica das medidas pode ocasionar a revitimização das mulheres vítimas.

Julgamento

Ao analisar a controvérsia, a Terceira Seção do STJ fixou 4 teses no Tema Repetitivo nº 1.249.

  • 1ª Tese: as medidas protetivas de urgência têm natureza de tutela inibitória e não dependem da existência de boletim de ocorrência, inquérito ou processo de qualquer natureza.
  • 2ª Tese: A duração das medidas está vinculada à persistência do risco à mulher, e por isso, vigoram por prazo indeterminado.
  • 3ª Tese: A extinção de punibilidade, arquivamento de inquérito ou absolvição do acusado não causam automaticamente a extinção da medida imposta.
  • 4ª Tese: Não há necessidade de revisão periódica obrigatória, mas as medidas podem ser reavaliadas quando houver pedido do interessado ou constatação de fim da situação de risco. Além disso, a revogação deve ser precedida de contraditório da vítima e do agressor, com comunicação da vítima em caso de extinção da medida.

O STJ entendeu que as medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha têm natureza de tutela inibitória porque visam prevenir a ocorrência de violência contra a mulher. Essa classificação é a única que se alinha com o propósito central da Lei Maria da Penha: proteger efetivamente as mulheres vítimas de violência de gênero.

Para a Corte, a Lei Maria da Penha e as recentes alterações trazidas pela Lei nº 14.550/2023 reforçam a autonomia das medidas protetivas em relação a processos principais, priorizando a proteção efetiva da mulher em situação de risco.

Além disso, o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, do Conselho Nacional de Justiça, afirma que as medidas protetivas de urgência "são autônomas em relação ao processo principal, com dispensa da vítima quanto ao oferecimento de representação em ação penal pública condicionada".

A Corte destaca que não se trata de mudança originária no sentido do art. 19, mas de interpretação autêntica, que pretende afastar a possibilidade de acepções restritivas e, em última análise, violadoras dos direitos das mulheres. Por serem medidas de caráter preventivo e provisório, sua duração está diretamente ligada à existência de risco à mulher. Assim, enquanto houver ameaça à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da vítima, as medidas protetivas devem ser mantidas, independentemente de prazo ou vinculação a outros processos.

Ademais, esse reconhecimento não viola os direitos do imputado ou cria uma sanção ilimitada, tendo em vista que as medidas protetivas não visam punir o agressor, mas proteger a mulher e as restrições terminam quando não mais existir a situação de risco.

Por último, a Corte aponta que seria inadequado e contrário aos princípios de proteção às mulheres vítimas de violência de gênero exigir que elas periodicamente reafirmem sua necessidade de proteção através das medidas protetivas de urgência. Obrigar a vítima a comparecer regularmente ao Fórum ou à Delegacia para solicitar a continuidade da medida protetiva representaria uma nova forma de violência, desta vez institucional, submetendo-a novamente a uma situação traumática que deve ser evitada.

A iniciativa para eventual revisão ou mesmo retirada da medida protetiva de urgência deve partir do interessado, assegurada a oitiva da vítima e do próprio interessado.

Tese Jurídica Oficial

I - As medidas protetivas de urgência (MPUs) têm natureza jurídica de tutela inibitória e sua vigência não se subordina à existência (atual ou vindoura) de boletim de ocorrência, inquérito policial, processo cível ou criminal.

II - A duração das MPUs vincula-se à persistência da situação de risco à mulher, razão pela qual devem ser fixadas por prazo temporalmente indeterminado;

III - Eventual reconhecimento de causa de extinção de punibilidade, arquivamento do inquérito policial ou absolvição do acusado não origina, necessariamente, a extinção da medida protetiva de urgência, máxime pela possibilidade de persistência da situação de risco ensejadora da concessão da medida.

IV - Não se submetem a prazo obrigatório de revisão periódica, mas devem ser reavaliadas pelo magistrado, de ofício ou a pedido do interessado, quando constatado concretamente o esvaziamento da situação de risco. A revogação deve sempre ser precedida de contraditório, com as oitivas da vítima e do suposto agressor. Em caso de extinção da medida, a ofendida deve ser comunicada, nos termos do art. 21 da Lei n. 11.340/2006.

Resumo Oficial

Inicialmente cumpre salientar que, o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, do Conselho Nacional de Justiça, afirma que as medidas protetivas de urgência "são autônomas em relação ao processo principal, com dispensa da vítima quanto ao oferecimento de representação em ação penal pública condicionada".

As medidas protetivas previstas na Lei n. 11.340/2006, por visarem resguardar a integridade física e psíquica da ofendida, possuem conteúdo satisfativo, e não se vinculam, necessariamente, a um procedimento principal. Elas têm como objeto a proteção da vítima e devem permanecer enquanto durar a situação de perigo.

Tal posição parece haver sido partilhada pelo legislador com a publicação da Lei n. 14.550/2023, que incluiu o parágrafo 5º no art. 19 da Lei Maria da Penha para afirmar que "as medidas protetivas de urgência serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência".

Não se trata de mudança originária no sentido do art. 19, mas de interpretação autêntica, que pretende afastar a possibilidade de acepções restritivas e, em última análise, violadoras dos direitos das mulheres. Nessa conjectura, a exposição de motivos do PL n. 1.604/2022: "este projeto de lei busca tornar inquestionável a proteção que oferece à mulher mesmo na hipótese de atipicidade criminal do ato de violência, de ausência de prova cabal, de risco de lesão à integridade psicológica por si só e independentemente da instauração de processo cível ou criminal".

É indene de dúvidas, portanto, que a recente alteração legislativa almejou rechaçar, de uma vez por todas, a suposta natureza cautelar/preparatória das medidas protetivas de urgência. Defender a natureza pré-cautelar das medidas protetivas importa retirar da mulher o direito de ser protegida quando não se dispuser a processar criminalmente o ofensor, ou quando, por outro motivo qualquer, inexistir atos formais de persecução penal contra o agressor.

Segundo a doutrina, "o fim das medidas protetivas é proteger direitos fundamentais, evitando a continuidade da violência e das situações que a favorecem. Não são, necessariamente, preparatórias de qualquer ação judicial. Não visam processos, mas pessoas".

Por isso, a configuração das medidas protetivas deve ser considerada como tutela inibitória, porquanto tem por escopo proteger a ofendida, independentemente da existência de inquérito policial ou ação penal, não sendo necessária a realização de um dano, tampouco a prática de uma conduta criminalizada. Neste ponto, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça no sentido de que se deve "compreender a medida protetiva como tutela inibitória que prestigia a sua finalidade de prevenção de riscos para a mulher, frente à possibilidade de violência doméstica e familiar" (CC 156.284/PR, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 6/3/2018).

Nesse contexto, a natureza jurídica da medida protetiva de urgência deferida em favor da mulher é de tutela inibitória, por ser essa a única interpretação compatível com os objetivos de proteção que a Lei Maria da Penha visou conferir às mulheres vítimas de violência em razão do gênero.

Como espécie de tutela inibitória, as medidas protetivas têm caráter provisório, e como tal, devem vigorar enquanto subsistir o risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da vítima. Esse é o entendimento retratado na Lei Maria da Penha com a inclusão do art. 19, § 6º, pela Lei n. 14.550/2023, que estabelece que "as medidas protetivas de urgência vigorarão enquanto persistir risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes".

Cumpre aclarar que o legislador, justamente por não haver subordinado as medidas protetivas de urgência à existência de um procedimento principal, tampouco correlacionou sua duração ao resultado do processo penal. Assim, eventual arquivamento do inquérito policial, absolvição do acusado ou reconhecimento de causa de extinção de punibilidade não origina, necessariamente, a extinção da medida protetiva de urgência, máxime pela possibilidade de persistência da situação de risco.

Nem se diga que, ao assim proceder, seriam aniquilados os direitos do imputado ou criada uma sanção ilimitada. A um, porque as medidas protetivas não visam punir o agressor, mas proteger a mulher. A dois, porque a restrição parcial à liberdade de locomoção não é eterna; ela cessa no exato momento em que findar a situação de risco. Nessa ordem de ideias, é irrefutável que, apesar do caráter provisório inerente às medidas protetivas de urgência, não há como quantificar, de antemão, em dias, semanas, meses ou anos, o tempo necessário à cessação do risco, a fim de romper com o ciclo de violência instaurado.

Com efeito, a fim de se evitar a perenização das medidas, a pessoa interessada, quando entender não mais ser pertinente a tutela inibitória, poderá provocar o juízo de origem a se manifestar e este, ouvindo a vítima, decidirá acerca da manutenção ou extinção da medida protetiva, e que, em caso de revogação da medida, a ofendida deve ser comunicada, nos termos do art. 21 da Lei n. 11.340/2006.

O que não parece adequado, e muito menos conforme ao desejo de proteção e acolhimento da mulher vítima de violência em razão do gênero, é dela exigir um reforço periódico de seu desejo de manter-se sob a proteção de uma medida protetiva de urgência. A renovação de sua iniciativa - dirigir-se ao Fórum ou à Delegacia de Polícia para insistir, a cada 3 ou 6 meses, na manutenção da medida protetiva - implicaria uma revitimização e, consequentemente, uma violência institucional que precisa ser coibida.

A iniciativa para eventual revisão ou mesmo retirada da medida protetiva de urgência deve partir de quem esteja sob o compromisso de abster-se de algum ato que possa turbar a tranquilidade ou segurança da ofendida, hipótese em que esta será ouvida antes de uma decisão judicial. Foi assim que, a propósito, decidiu recentemente a Terceira Seção deste Superior Tribunal, ao assentar a imprescindibilidade da oitiva da ofendida "para que a situação fática seja devidamente apresentada ao Juízo competente, que diante da relevância da palavra da vítima, verifique a necessidade de prorrogação/concessão das medidas, independente da extinção de punibilidade do autor" (AgRg nos EDcl no RHC 184.081/SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Jr, Terceira Seção, DJe 10/10/2023).

Isso posto, são fixadas as seguintes teses sobre as questões:

I - As medidas protetivas de urgência (MPUs) têm natureza jurídica de tutela inibitória e sua vigência não se subordina à existência (atual ou vindoura) de boletim de ocorrência, inquérito policial, processo cível ou criminal.

II - A duração das MPUs vincula-se à persistência da situação de risco à mulher, razão pela qual devem ser fixadas por prazo temporalmente indeterminado.

III - Eventual reconhecimento de causa de extinção de punibilidade, arquivamento do inquérito policial ou absolvição do acusado não origina, necessariamente, a extinção da medida protetiva de urgência, máxime pela possibilidade de persistência da situação de risco ensejadora da concessão da medida.

IV - Não se submetem a prazo obrigatório de revisão periódica, mas devem ser reavaliadas pelo magistrado, de ofício ou a pedido do interessado, quando constatado concretamente o esvaziamento da situação de risco. A revogação deve sempre ser precedida de contraditório, com as oitivas da vítima e do suposto agressor. Em caso de extinção da medida, a ofendida deve ser comunicada, nos termos do art. 21 da Lei n. 11.340/2006.

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