Com o objetivo de sustar os efeitos secundários da condenação, o sentenciado ajuizou revisão criminal com fundamento no art. 621, I e II, do CPP no Tribunal de origem. Segundo a defesa, a sentença condenatória contrariou a evidência dos autos (inciso I) ao se fundar em depoimentos comprovadamente falsos (inciso II). Afirmando que a pretensão era o mero reexame de provas, a Corte a quo negou provimento ao pedido de revisão criminal. No entanto, diferentemente do que o Tribunal regional compreendeu, não se pode manter uma condenação cujo único fundamento sejam testemunhos oferecidos por desafetos do acusado.
Efetivamente, cabe questionar se justamente para se resolver o punctum saliens acaso não seria fundamental compreender o contexto sócio-político em que os fatos se deram. Curiosamente, este que foi considerado "desimportante" pelo julgador de piso pode ser de compreensão fundamental da dinâmica fática ocorrida. A desconsideração do contexto de rivalidade étnico-territorial entre os xucurus de Ororubá e os xucurus de Cimbres haveria sido o ponto de partida de uma incorreta atribuição de credibilidade a testemunhos que, ao contrário, seriam merecedores de recepção mais crítica (testemunhos inidôneos).
Valorar racionalmente provas de tipo testemunhal é desafio composto por critérios, como o denominado ausência de incredibilidade subjetiva, o qual diz respeito a motivos escusos que a testemunha possa ter para oferecer declarações que não condizem com o ocorrido. Entre os motivos escusos, podem ser listados "a presença de elementos de intimidação, o desejo de vingança, estar sob a influência de outras pessoas, etc". Logo, ao valorar um testemunho buscando decidir se se justifica ou não tê-lo como útil à reconstrução dos fatos, o juiz não se pode eximir de avaliar eventual existência dessas outras motivações.
Além disso, buscando sistematizar os desafios da atividade de valoração da prova, a doutrina explica que a hipótese fática oferecida pela acusação deverá passar por diversas etapas: i) a confirmação, ii) a falsificação e iii) a comparação entre ela e a(s) hipótese(s) adversária(s). A relação entre tais etapas é de prejudicialidade. Ou seja: uma hipótese fática primeiro deve ser confirmada, para, só depois, ser submetida à falsificação; finalmente, apenas depois de sua falsificação é que se sua comparação com as hipóteses alternativas que também pretendam reconstruir historicamente o caso individual.
Na cronologia da atividade probatória, antes devem ser analisadas - individual e coletivamente - todas as provas que sustentam a hipótese acusatória; depois, e apenas nos casos em que se verifique que a hipótese acusatória tem efetivo suporte de provas dignas de confiança epistêmica, é que se abre o caminho para, enfim, proceder-se à análise das provas que prestariam sustento às hipóteses defensivas (isto é, daquelas que se prestam à falsificação da hipótese acusatória).
Hipóteses acusatórias que nem sequer foram confirmadas (porque a valoração individual indica que as provas que lhe ofereceriam suporte, em realidade, carecem de confiabilidade epistêmica) não precisam ser refutadas pela defesa. O juiz não pode desconsiderar a cronologia dessas etapas, sob pena de facilitar verdadeira inversão do ônus da prova no caso concreto, exigindo da defesa o que primeiro caberia à acusação. Nessas situações, não há que se falar em comparação de hipóteses acusatória e defensiva, já que a acusatória não satisfez condição imprescindível para que pudesse ser considerada provada.
Sendo assim, é fundamental ter-se em mente que uma revaloração - ou metavaloração, isto é, valoração da valoração - por vezes, pode-se mostrar necessária. Nessas situações, a conclusão sobre os fatos a que o juiz chegou não estaria lógica e racionalmente autorizada pelas provas que constam do conjunto. Em outras palavras, determinadas situações evidenciam a necessidade de se reconhecer que o raciocínio probatório de primeira instância se sujeita a um juízo posterior quanto à sua correção lógica.
Nenhum magistrado está livre de cometer erros e, em que pese a revisão criminal seja de fato expediente a ser utilizado excepcionalmente, sobre o Tribunal pende o dever de conservar a sensibilidade necessária à identificação da exceção, quando seus juízes tiverem uma, bem diante de suas vistas. Na hipótese, verifica-se erro inferencial que se deveu à omissão valorativa de algumas provas que deixaram de ser valoradas como deveriam pelo Juízo de primeira instância.
O sério compromisso de se evitar erros sobre os fatos impõe controle epistêmico sobre a qualidade de cada um dos elementos probatórios, não devendo o julgador se deixar impressionar por narrativas persuasivas, porém falsas. Sendo assim, proceder à combinação de valoração probatória individual e em conjunto na reconstrução dos fatos é fundamental cautela epistêmica. Do contrário, o raciocínio probatório não estaria infenso a conclusões, em realidade, precipitadas.
No caso, o Juiz singular deixou de dar a devida importância à declaração de duas testemunhas: uma que, em juízo, ofereceu retratação; outra que afirmou que o recorrente não teria qualquer envolvimento com o incêndio criminoso porque, durante todo o dia, esteve na casa de sua genitora (onde foi visitá-lo), medicado e em repouso. Ao que tudo indica, não foi aplicada a mesma lógica para a valoração dessas declarações se comparadas àquelas proferidas pelos desafetos do recorrente. Isto porque, enquanto essas duas testemunhas tiveram seus relatos automaticamente descartados, as declarações oferecidas por seus inimigos foram recebidas como se fossem o fiel reflexo da verdade dos fatos.
Haveria sido mais do que bem-vinda redobrada atenção do julgador quanto à presença de motivos escusos capazes de animar narrativas não correspondentes à realidade dos fatos. Era esperado que o Juiz houvesse levado em consideração que, aos olhos daquelas pessoas, a condenação do recorrente representava horizonte extremamente vantajoso. Impende constatar que o déficit de corroboração da hipótese acusatória por elementos probatórios externos e independentes deixou caminho aberto à conclusão de que haveria prova da autoria delitiva acusado.
Trata-se de conclusão apressada porque, conquanto seja precisa a interpretação do Magistrado no que respeita ao extremo grau de violência de que as multidões são capazes, são epistemicamente frágeis as evidências de que ele se valeu para creditar ao réu a autoria dos fatos. Considerando que a notícia da morte rapidamente se difundiu, não deixa de ser plausível que os indígenas xucurus de Ororubá, diante da perda de seu líder, hajam se decidido, em um ímpeto de raiva e vingança, pelas ações que acabaram sendo perpetradas. E, se essa é uma hipótese razoável, ainda que a oferecida pela acusação também o possa ser, o processo penal ordena institucionalmente que se priorize a primeira em detrimento da segunda.
O standard de prova próprio do processo penal prescreve que, enquanto haja dúvida razoável acerca da inocência do acusado, pesa sobre o juiz a obrigação de absolvê-lo. Efetivamente, somente se superada - com argumentos convincentes e explicitados pelo juiz - a dúvida sobre a autoria delitiva, tem-se como válido o juízo condenatório.
Assim, por entender que o caso apresenta manifesta falha epistêmica na valoração de provas relevantes constantes de seu acervo probatório, houve sim, violação do art. 621 do Código de Processo Penal, especificamente da hipótese de que trata seu inciso I. A condenação é contrária à evidência dos autos, porque as evidências dos autos não permitiam uma segura condenação do recorrente, além da dúvida razoável exigida para uma decisão condenatória.
Com o objetivo de sustar os efeitos secundários da condenação, o sentenciado ajuizou revisão criminal com fundamento no art. 621, I e II, do CPP no Tribunal de origem. Segundo a defesa, a sentença condenatória contrariou a evidência dos autos (inciso I) ao se fundar em depoimentos comprovadamente falsos (inciso II). Afirmando que a pretensão era o mero reexame de provas, a Corte a quo negou provimento ao pedido de revisão criminal. No entanto, diferentemente do que o Tribunal regional compreendeu, não se pode manter uma condenação cujo único fundamento sejam testemunhos oferecidos por desafetos do acusado.
Efetivamente, cabe questionar se justamente para se resolver o punctum saliens acaso não seria fundamental compreender o contexto sócio-político em que os fatos se deram. Curiosamente, este que foi considerado "desimportante" pelo julgador de piso pode ser de compreensão fundamental da dinâmica fática ocorrida. A desconsideração do contexto de rivalidade étnico-territorial entre os xucurus de Ororubá e os xucurus de Cimbres haveria sido o ponto de partida de uma incorreta atribuição de credibilidade a testemunhos que, ao contrário, seriam merecedores de recepção mais crítica (testemunhos inidôneos).
Valorar racionalmente provas de tipo testemunhal é desafio composto por critérios, como o denominado ausência de incredibilidade subjetiva, o qual diz respeito a motivos escusos que a testemunha possa ter para oferecer declarações que não condizem com o ocorrido. Entre os motivos escusos, podem ser listados "a presença de elementos de intimidação, o desejo de vingança, estar sob a influência de outras pessoas, etc". Logo, ao valorar um testemunho buscando decidir se se justifica ou não tê-lo como útil à reconstrução dos fatos, o juiz não se pode eximir de avaliar eventual existência dessas outras motivações.
Além disso, buscando sistematizar os desafios da atividade de valoração da prova, a doutrina explica que a hipótese fática oferecida pela acusação deverá passar por diversas etapas: i) a confirmação, ii) a falsificação e iii) a comparação entre ela e a(s) hipótese(s) adversária(s). A relação entre tais etapas é de prejudicialidade. Ou seja: uma hipótese fática primeiro deve ser confirmada, para, só depois, ser submetida à falsificação; finalmente, apenas depois de sua falsificação é que se sua comparação com as hipóteses alternativas que também pretendam reconstruir historicamente o caso individual.
Na cronologia da atividade probatória, antes devem ser analisadas - individual e coletivamente - todas as provas que sustentam a hipótese acusatória; depois, e apenas nos casos em que se verifique que a hipótese acusatória tem efetivo suporte de provas dignas de confiança epistêmica, é que se abre o caminho para, enfim, proceder-se à análise das provas que prestariam sustento às hipóteses defensivas (isto é, daquelas que se prestam à falsificação da hipótese acusatória).
Hipóteses acusatórias que nem sequer foram confirmadas (porque a valoração individual indica que as provas que lhe ofereceriam suporte, em realidade, carecem de confiabilidade epistêmica) não precisam ser refutadas pela defesa. O juiz não pode desconsiderar a cronologia dessas etapas, sob pena de facilitar verdadeira inversão do ônus da prova no caso concreto, exigindo da defesa o que primeiro caberia à acusação. Nessas situações, não há que se falar em comparação de hipóteses acusatória e defensiva, já que a acusatória não satisfez condição imprescindível para que pudesse ser considerada provada.
Sendo assim, é fundamental ter-se em mente que uma revaloração - ou metavaloração, isto é, valoração da valoração - por vezes, pode-se mostrar necessária. Nessas situações, a conclusão sobre os fatos a que o juiz chegou não estaria lógica e racionalmente autorizada pelas provas que constam do conjunto. Em outras palavras, determinadas situações evidenciam a necessidade de se reconhecer que o raciocínio probatório de primeira instância se sujeita a um juízo posterior quanto à sua correção lógica.
Nenhum magistrado está livre de cometer erros e, em que pese a revisão criminal seja de fato expediente a ser utilizado excepcionalmente, sobre o Tribunal pende o dever de conservar a sensibilidade necessária à identificação da exceção, quando seus juízes tiverem uma, bem diante de suas vistas. Na hipótese, verifica-se erro inferencial que se deveu à omissão valorativa de algumas provas que deixaram de ser valoradas como deveriam pelo Juízo de primeira instância.
O sério compromisso de se evitar erros sobre os fatos impõe controle epistêmico sobre a qualidade de cada um dos elementos probatórios, não devendo o julgador se deixar impressionar por narrativas persuasivas, porém falsas. Sendo assim, proceder à combinação de valoração probatória individual e em conjunto na reconstrução dos fatos é fundamental cautela epistêmica. Do contrário, o raciocínio probatório não estaria infenso a conclusões, em realidade, precipitadas.
No caso, o Juiz singular deixou de dar a devida importância à declaração de duas testemunhas: uma que, em juízo, ofereceu retratação; outra que afirmou que o recorrente não teria qualquer envolvimento com o incêndio criminoso porque, durante todo o dia, esteve na casa de sua genitora (onde foi visitá-lo), medicado e em repouso. Ao que tudo indica, não foi aplicada a mesma lógica para a valoração dessas declarações se comparadas àquelas proferidas pelos desafetos do recorrente. Isto porque, enquanto essas duas testemunhas tiveram seus relatos automaticamente descartados, as declarações oferecidas por seus inimigos foram recebidas como se fossem o fiel reflexo da verdade dos fatos.
Haveria sido mais do que bem-vinda redobrada atenção do julgador quanto à presença de motivos escusos capazes de animar narrativas não correspondentes à realidade dos fatos. Era esperado que o Juiz houvesse levado em consideração que, aos olhos daquelas pessoas, a condenação do recorrente representava horizonte extremamente vantajoso. Impende constatar que o déficit de corroboração da hipótese acusatória por elementos probatórios externos e independentes deixou caminho aberto à conclusão de que haveria prova da autoria delitiva acusado.
Trata-se de conclusão apressada porque, conquanto seja precisa a interpretação do Magistrado no que respeita ao extremo grau de violência de que as multidões são capazes, são epistemicamente frágeis as evidências de que ele se valeu para creditar ao réu a autoria dos fatos. Considerando que a notícia da morte rapidamente se difundiu, não deixa de ser plausível que os indígenas xucurus de Ororubá, diante da perda de seu líder, hajam se decidido, em um ímpeto de raiva e vingança, pelas ações que acabaram sendo perpetradas. E, se essa é uma hipótese razoável, ainda que a oferecida pela acusação também o possa ser, o processo penal ordena institucionalmente que se priorize a primeira em detrimento da segunda.
O standard de prova próprio do processo penal prescreve que, enquanto haja dúvida razoável acerca da inocência do acusado, pesa sobre o juiz a obrigação de absolvê-lo. Efetivamente, somente se superada - com argumentos convincentes e explicitados pelo juiz - a dúvida sobre a autoria delitiva, tem-se como válido o juízo condenatório.
Assim, por entender que o caso apresenta manifesta falha epistêmica na valoração de provas relevantes constantes de seu acervo probatório, houve sim, violação do art. 621 do Código de Processo Penal, especificamente da hipótese de que trata seu inciso I. A condenação é contrária à evidência dos autos, porque as evidências dos autos não permitiam uma segura condenação do recorrente, além da dúvida razoável exigida para uma decisão condenatória.