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STJ - Sexta Turma

REsp 2.037.491-SP

Recurso Especial

Relator: Rogerio Schietti Cruz

Julgamento: 06/06/2023

Publicação: 20/06/2023

STJ - Sexta Turma

REsp 2.037.491-SP

Tese Jurídica

O exercício do direito ao silêncio não pode servir de fundamento para descredibilizar o acusado nem para presumir a veracidade das versões sustentadas por policiais, sendo imprescindível a superação do standard probatório próprio do processo penal a respaldá-las.

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Direito ao Silêncio

O direito ao silêncio é uma garantia processual penal de ordem fundamental, que decorre da presunção de inocência, na qual o indivíduo poderá se recusar a responder perguntas dos agentes de justiça para não se incriminar.

O professor Aury Lopes Júnior define que o direito ao silêncio seria uma espécie de direito de defesa, de ordem negativa, na qual ninguém é obrigado a agir para provar sua inocência (nemo tenetur se detegere), uma vez que o ônus probatório no processo penal compete à acusação. 

O Código de Processo Penal previa, no artigo 198, que o silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz. Esse artigo contudo não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, pois como podemos concluir da explicação sobre essa garantia constitucional, o silêncio do acusado não pode presumir sua culpa, nem se houver outros elementos como afirm o enunciado. 

Julgamento

Da mesma forma, o STJ concluiu, no caso concreto, que o exercício do direito ao silêncio não pode servir de fundamento para descredibilizar o acusado nem para presumir a veracidade das versões sustentadas por policiais, sendo imprescindível a superação do standard probatório próprio do processo penal a respaldá-las.

Resumo Oficial

O direito ao silêncio, enumerado na Constituição Federal como direito de permanecer calado, é sucedâneo lógico do princípio nemo tenetur se detegere. Nesse sentido, é equivocado qualquer entendimento de que se conclua que seu exercício possa acarretar alguma punição ao acusado. A pessoa não pode ser punida por realizar um comportamento a que tem direito. O art. 5º, inc. LXIII, da CF, não deixa dúvidas quanto à não recepção do art. 198 do CPP, quando diz que o silêncio do acusado, ainda que não importe em confissão, poderá se constituir elemento para a formação do convencimento do juiz.

Esse reprovável subterfúgio processual foi enfrentado no julgamento do HC 330.559/SC, em 2018. Consta, na ementa daquela decisão que: "3. Na verdade, qualquer pessoa ao confrontar-se com o Estado em sua atividade persecutória, deve ter a proteção jurídica contra eventual tentativa de induzir-lhe à produção de prova favorável ao interesse punitivo estatal, especialmente se do silêncio puder decorrer responsabilização penal do próprio depoente". (HC n. 330559/SC, Rel. Ministro Rogerio Schietti, Sexta Turma, DJe 9/10/2018).

No caso, a absolvição em primeira instância foi revista pelo Tribunal que, acolhendo a apelação interposta pela acusação, condenou o réu pela prática do delito incurso no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006. Na linha argumentativa desenvolvida a negativa do réu em juízo quanto à comissão do delito seria estratégia para evitar a condenação. As exatas palavras utilizadas no acórdão recorrido foram que: "Fosse verdadeira a frágil negativa judicial, certamente o réu a teria apresentado perante a autoridade policial, quando entretanto, valeu-se do direito constitucional ao silêncio, comportamento que, se por um lado não pode prejudicá-lo, por outro permite afirmar que a simplória negativa é mera tentativa de se livrar da condenação". Houve, portanto, violação direta ao art. 186 do CPP.

O raciocínio enviesado que concedeu inequívoco valor de verdade à palavra dos policiais e que interpretou a negativa do acusado em juízo como mentira, teve o silêncio do réu em sede policial como ponto de partida. A instância de segundo grau erroneamente preencheu o silêncio do réu com palavras que ele pode nunca ter pronunciado, já que, do ponto de vista processual-probatório, tem-se apenas o que os policiais afirmaram haver escutado, em modo informal, ainda no local do fato.

Decidiu o Tribunal estadual, então, que, se de um lado havia razões para crer que o réu mentia em juízo, de outro, estavam os desembargadores julgadores autorizados a acreditar que os policiais é que traziam relatos correspondentes à realidade, ao afirmarem: 1) que avistaram o acusado descartando as drogas que foram encontradas no chão, 2) que a balança de precisão que estava no interior de um carro abandonado seria do acusado e, adicionalmente, 3) que ainda na cena do crime, o recorrente haveria confessado informalmente que, sim, traficava.

Essa narrativa toma como verídica uma situação em que o investigado ofereceu àqueles policiais, desembaraçadamente, a verdade dos fatos, em retribuição à empatia com que fora tratado por eles; como se houvesse confidenciado um segredo a novos amigos, e não confessado a prática de um delito a agentes da lei. Se é que de fato o acusado confirmou para os policiais que traficava por passar por dificuldades financeiras, é ingenuidade supor que o tenha feito em cenário totalmente livre da mais mínima injusta pressão.

O Tribunal incorreu em injustiças epistêmicas de diversos tipos, seja por excesso de credibilidade conferido ao testemunho dos policiais, seja a injustiça epistêmica cometida contra o réu, ao lhe conferir credibilidade justamente quando menos teve oportunidade de atuar como sujeito de direitos.

Nesse contexto, é preciso reconhecer que, se se pretende aproveitar a palavra do policial, impõe-se a exigência de respaldo probatório que vá além do silêncio do investigado ou réu. O silêncio não descredibiliza o imputado e não autoriza que magistrados concedam automática presunção de veracidade às versões sustentadas por policiais.

Por fim, ante a manifesta escassez probatória que - em violação ao art. 186 do CPP - se extraiu do silêncio do acusado inferências que a lei não autoriza extrair, impõe-se reconhecer que o standard probatório próprio do processo penal, para a condenação, não foi superado.

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