REsp 2.006.687-SE

STJ Segunda Turma

Recurso Especial

Relator: Afrânio Vilela

Julgamento: 13/05/2025

Tese Jurídica Simplificada

A criação de uma unidade de conservação de domínio público, como um parque nacional, gera automaticamente o interesse público ambiental sobre os imóveis da área, e esse interesse não caduca com o tempo. As restrições ambientais e o dever de desapropriação dos imóveis privados afetados decorrem diretamente da lei que institui a unidade de conservação. Assim, não se aplica a essas situações a caducidade dos decretos de utilidade pública ou interesse social, próprios das desapropriações comuns.

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Tese Jurídica Oficial

A caducidade dos decretos de interesse social e utilidade pública é inaplicável aos atos vinculados às unidades de conservação de domínio público, como é o caso do parque nacional, ante a incompatibilidade entre as normas administrativas gerais da desapropriação e a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC.

A controvérsia consiste em definir a possibilidade de caducarem os efeitos expropriatórios do decreto criador de unidade de conservação de domínio público, no caso, parque nacional.

Em primeiro lugar, deve ser esclarecido que a criação de unidade de conservação não decorre nem depende dos decretos que declaram o interesse expropriatório ou mesmo da implementação da desapropriação.

Conforme a Lei n. 9.985/2000, que regula o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC, o parque nacional é espécie de Unidade de Proteção Integral (art. 8º, III) de posse e domínio públicos e as áreas particulares incluídas em seus limites deverão ser desapropriadas (art. 11, § 1º).

A lei não condiciona a criação de unidades de conservação à desapropriação das áreas particulares. O que se exige são estudos técnicos e consultas públicas, e que haja ato do Poder Público instituinte (art. 22, § 2º). Criada a unidade, as restrições implementadas por lei são imediatas (art. 28).

Nesse passo, a criação da unidade, com todas as suas restrições decorrentes diretamente da lei, só pode ser revertida por lei ou, evidentemente, eventual nulidade do ato instituidor. Assim, criada a unidade, há automática declaração de interesse estatal, com finalidade ambiental, nos imóveis da área afetada

Nesse sentido, a caducidade dos decretos de interesse social e utilidade pública é inaplicável aos atos vinculados às unidades de conservação de domínio público, como é o caso do parque nacional, ante a incompatibilidade entre as normas administrativas gerais da desapropriação (Decreto-Lei n. 3.365/1941 e Lei n. 4.132/1962) e a Lei do SNUC.

Tanto as restrições ambientais quanto o interesse expropriatório do Estado sobre os imóveis afetados pelas unidades de conservação de domínio público decorrem da própria lei que regula essas unidades.

Admitir a caducidade do ato declaratório de interesse social ou utilidade pública vinculado à criação de unidade de conservação de domínio público conduziria a uma aporia normativa, um impasse legal sem resposta evidente quanto aos efeitos do ato, prejudicando a própria segurança jurídica tanto dos proprietários quanto do meio ambiente. Isso porque estaria sendo admitida a redução ou extinção da unidade de conservação por ato diverso da lei específica constitucionalmente exigida para o efeito.

Ademais, a Lei do SNUC é taxativa ao impor o domínio público, com consequente afetação ao erário, dos imóveis alcançados por unidades de conservação desse gênero: estação ecológica, reserva biológica, parque nacional, floresta nacional, reserva extrativista, reserva da fauna, e reserva de desenvolvimento sustentável.

Logo, a especialidade e a superveniência da Lei n. 9.985/2000 afastam as normas gerais de desapropriação por interesse social e utilidade pública no que são com ela incompatíveis, prevalecendo a autonomia do ramo do Direito Ambiental sobre as normas gerais do Direito Administrativo em sentido estrito.

O interesse estatal na desapropriação dos imóveis privados afetados por unidades de conservação de domínio público decorre diretamente da criação dessas unidades, e perdura enquanto elas existirem.

Nesse sentido, o interesse expropriatório de caráter ambiental não se confunde integralmente com o interesse social ou a utilidade pública, sendo regido pelas suas normas específicas, quando incompatíveis com as leis que regem as desapropriações administrativas em geral.

A criação de unidade de conservação não é revertida pelo decurso do prazo para ajuizamento das ações de desapropriação dos imóveis particulares afetados. Somente lei, em sentido estrito, pode desafetar ou reduzir a área de unidade de conservação. Logo, a desapropriação dos bens privados afetados é consequência, não premissa, da criação da unidade de conservação de domínio público.

Portanto: i) no âmbito das unidades de conservação de domínio público, o próprio ato de criação da unidade corresponde à fase declaratória da etapa administrativa da ação de desapropriação, que afirma o interesse estatal nas áreas privadas afetadas; ii) esse interesse é de caráter ambiental, distinto das declarações de utilidade pública ou de interesse social; iii) o interesse público ambiental na área objeto de unidade de conservação de domínio público dura enquanto a própria unidade de conservação não for extinta, por lei em sentido estrito, não estando sujeito à caducidade pela simples passagem de tempo.

Desse modo, o desatendimento do prazo para efetivação do procedimento administrativo expropriatório enseja eventual ação indenizatória do particular por desapropriação indireta ou limitação administrativa, observados os respectivos prazos prescricionais, mas jamais a reversão automática das restrições ambientais ou do domínio público resultantes diretamente, por força de lei, da criação da unidade de conservação. Os casos concretos deverão levar em conta, na indenização, a incidência ou não de juros compensatórios (ante a possível ausência de imissão estatal na posse), o passivo ambiental a ser descontado do preço pago ao expropriado, o termo inicial da prescrição e outros relevantes à solução da causa.

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