REsp 2.001.973-RS
STJ • Terceira Seção
Recurso Especial
Relator: Og Fernandes
Julgamento: 10/09/2025
Publicação: 23/09/2025
Tese Jurídica Simplificada
A atenuante genérica da confissão espontânea (art. 65, III, d, do CP) incide quando a confissão — ainda que parcial ou qualificada — é efetivamente utilizada pelo julgador para formar o convencimento condenatório, inclusive quando proveniente de prova emprestada (interrogatório prestado em outro processo) e submetida ao contraditório no feito de destino.
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Tese Jurídica Oficial
A questão submetida a julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, nos termos do art. 1.036 do Código de Processo Civil, para formação de precedente vinculante previsto no art. 927, III, do Código de Processo Civil, é a seguinte: "definir se eventual confissão do réu, não utilizada para a formação do convencimento do julgador, nem em primeiro nem em segundo grau, autoriza o reconhecimento da atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal.".
No que importa ao debate, é possível segmentar a discussão nas seguintes questões elementares, de modo a clarear a necessidade de definir se a circunstância atenuante genérica prevista no art. 65, III, d, do Código Penal deve interferir no cálculo da pena quando: I) não for considerada elemento de prova pelo órgão julgador para formar sua convicção; (II) houver sido feita em etapa extrajudicial e venha a ser posteriormente retratada de modo válido, devendo ser considerada a possibilidade de a confissão inicial ter servido à realização de diligências válidas e úteis à conclusão do julgador; (III) envolver elemento fático voltado à caracterização de dolo diverso daquele que caracteriza o crime (confissão qualificada); e (IV) referir-se a apenas parte das elementares caracterizadoras do delito (confissão parcial).
Anotados os aspectos compreendidos como mais relevantes no exame do tema, passa-se à consolidação das premissas adotadas para solução da controvérsia.
Premissa A: a confissão deve ser tratada como fato objetivo e derivado de uma opção do confitente, devendo ser afastada qualquer relação entre a confissão e as intenções ou sentimentos que movem o agente, ante a ausência de previsão legal nesse sentido (AREsp n. 2.123.334/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, julgado em 20/6/2024, DJe de 2/7/2024).
Com efeito, observada a dicção legal, segundo a qual se exige apenas que o agente confesse espontaneamente o crime, o pressuposto fático limita-se à assunção espontânea de certo ato pelo réu, ou seja, não impulsionada por nenhum tipo de pressão.
São indiferentes, portanto, os aspectos morais, pois, mesmo que o réu eventualmente confessasse o ato reafirmando seu apreço pelo ilícito e até mesmo assumindo a intenção de reincidir no crime, ele não poderia se ver privado da atenuação.
Por esse mesmo fundamento - previsão legal que atrela a atenuante apenas à assunção espontânea do fato confessado -, não se deve condicionar a atenuação ao eventual proveito para elucidação dos fatos imputados.
Em suma, embora existam entendimentos de que a atenuação da pena só deve ocorrer quando constatado o benefício para a sociedade (auxílio na elucidação do crime), não há como extrair essa premissa do texto legal, que não impõe nenhuma condição.
Firma-se, assim, a Premissa B: a atenuação da pena pela confissão não depende de eventual proveito na formação da convicção do julgador, devendo ocorrer mesmo quando existentes outras provas suficientes e independentes para a elucidação do crime.
Ou seja, mesmo que o fato apurado tenha sido filmado, o agente tenha sido preso em flagrante e exista uma série de outras provas suficientes, a confissão deve ser tratada como fato objetivo apto a ensejar a atenuação da pena diante da inexistência de qualquer contrapartida pelo legislador, ao contrário do que ocorre, por exemplo, com a delação premiada.
Avançando na análise, se não cabe ao magistrado especular sobre os motivos que levaram o réu a confessar, a mesma lógica deve ser aplicada quanto ao eventual intento de afastar a ilicitude ou a culpabilidade. Por isso, a confissão sempre deve ser considerada apta a gerar a atenuação da pena, ainda que se revele qualificada ou parcial, considerada a mesma falta de previsão legal que condicione a atenuação a determinada intenção.
Isso, porém, não quer significar que a proporção em que a atenuante será aplicada deva ser a mesma, como, aliás, vem sendo afirmado em julgados do Superior Tribunal de Justiça.
Por isso, e em que pese a doutrina faça importante distinção entre confissão de um crime e confissão de um fato não considerado criminoso, quando a confissão qualificada ou parcial for considerada para atenuar a pena, o grau de atenuação não pode ser o mesmo que seria devido no caso de uma confissão simples.
Forma-se, assim, a Premissa C: a confissão qualificada ou parcial deve receber benefício em menor proporção daquele que seria concedido no caso de confissão simples, cabendo ao julgador fundamentar a aplicação da atenuação em menor patamar em tais casos que pode ser o da metade do que seria devido à confissão plena e não deve preponderar no caso de compensação de atenuantes e agravantes (AgRg no AREsp n. 2.695.312/SC, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 18/6/2025, DJEN de 25/6/2025).
Por fim, não havendo dúvidas de que a confissão extrajudicial pode servir para atenuar a pena mesmo quando o réu permanecer silente em seu interrogatório, não corroborando judicialmente a confissão anterior, outra é a situação da confissão expressa e validamente retratada. Não são raros os casos em que os agentes assumem determinados fatos nas fases apuratórias e os negam em juízo. Em situações dessa natureza, duas são as possibilidades.
Na primeira, a confissão inicialmente afirmada serve de caminho para a investigação, sendo eficaz para as conclusões ao fim alcançadas, desde que não haja nenhuma nulidade decorrente de uma confissão reputada inválida. Nesse caso, ainda que haja retratação, a confissão já produziu um efeito e, por isso, deve operar, também, o consequente impacto na fixação da pena.
Dito de outro modo, mesmo que deixe de ser válida como ato jurídico ante a retratação, o fato de a confissão ter produzido efeitos anteriores irreversíveis faz com que os efeitos futuros favoráveis ao réu se produzam independentemente da posterior negativa do fato.
No entanto, e essa é a segunda possibilidade, são muitos os casos em que o réu, embora confesse inicialmente, posteriormente também se retrata de modo válido perante o juízo, mas sem que a confissão inicial possua qualquer influência na apuração dos fatos.
Nessa específica hipótese, em que a confissão não assume - nem poderia assumir - qualquer valor na formação do convencimento do julgador, não se pode admitir a atenuação pela confissão, porque um fato jurídico não pode ser e não ser ao mesmo tempo. Portanto, se a retratação válida elimina um meio de produção probatória, nada dela tendo se desdobrado, por se tratar de um ato inválido, também não pode gerar efeitos futuros, tais como o de atenuação da pena.
Nessa perspectiva, colhe-se a Premissa D: a confissão extrajudicial é apta a atenuar a pena desde que não tenha sido retratada de maneira válida ou, ainda que tenha havido retratação, no caso de ter servido à apuração dos fatos.
Naturalmente, a confissão não pode, isoladamente, lastrear a condenação, mantendo-se inalterada a conclusão segundo a qual deve haver corroboração pelo conjunto probatório.
Ante o exposto, são fixadas as seguintes teses do Tema Repetitivo 1194/STJ:
1. A atenuante genérica da confissão espontânea, prevista no art. 65, III, d, do Código Penal, é apta a abrandar a pena independentemente de ter sido utilizada na formação do convencimento do julgador e mesmo que existam outros elementos suficientes de prova, desde que não tenha havido retratação, exceto, neste último caso, que a confissão tenha servido à apuração dos fatos.
2. A atenuação deve ser aplicada em menor proporção e não poderá ser considerada preponderante no concurso com agravantes quando o fato confessado for tipificado com menor pena ou caracterizar circunstância excludente da tipicidade, da ilicitude ou da culpabilidade.
Nesse contexto, de modo a harmonizar a jurisprudência deste Tribunal Superior, nos termos do art. 12, parágrafo único, III, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça - RISTJ, necessária a revisão das Súmulas n. 545 e n. 630 para que sejam assim reescritas:
Súmula n. 545: A confissão do autor possibilita a atenuação da pena prevista no art. 65, III, d, do Código Penal, independentemente de ser utilizada na formação do convencimento do julgador.
Súmula n. 630: A incidência da atenuante da confissão espontânea no crime de tráfico ilícito de entorpecentes quando o acusado admitir a posse ou a propriedade para uso próprio, negando a prática do tráfico de drogas, deve ocorrer em proporção inferior à que seria devida no caso de confissão plena.
Ademais, considerando (i) a adequada hermenêutica do Direito Penal, (ii) o caráter meramente declaratório da interpretação judicial e (iii) a necessidade de modulação dos efeitos na hipótese de alteração de jurisprudência dominante a que alude o § 3º do art. 927 do CPC, os efeitos prejudiciais aos réus decorrentes da tese fixada neste julgamento alcançam apenas os fatos ocorridos após a publicação deste acórdão.
Contexto da decisão
O julgamento enfrentou se era devida a atenuante da confissão espontânea quando:
a) a admissão dos fatos foi feita em outro processo e veio aos autos como prova emprestada; e
b) a confissão era parcial/qualificada (o réu confessa o núcleo do fato, mas apresenta justificativas).
O Tribunal local não aplicou a atenuante. No STJ, discutiu-se se a decisão de 1º/2º graus, que valorou essa confissão junto com outras provas para condenar, impunha o reconhecimento da atenuante.
Fundamento jurídico
Dois pontos foram reafirmados:
Se a sentença ou o acórdão utilizam a confissão (mesmo com exculpantes alegadas) como um dos fundamentos da condenação, a atenuante incide. O que importa é o aproveitamento judicial da confissão, e não a sua pureza ou integralidade.
A confissão colhida em outro processo pode ser transportada para o processo de destino como prova emprestada, desde que a defesa tenha oportunidade de se manifestar (contraditório e ampla defesa). Se o juiz efetivamente a utiliza para condenar, aplica-se a atenuante.
Quando a atenuante não se aplica
O STJ também reiterou hipóteses negativas, úteis para baliza prática:
Aplicação ao caso
No caso concreto, a confissão do réu, prestada em outro processo, foi juntada como prova emprestada e valorada pelo juízo de mérito, em conjunto com demais elementos. Como a decisão condenatória se apoiou nessa confissão, o STJ determinou o reconhecimento da atenuante, com a consequente redução da pena na segunda fase da dosimetria.
Impactos da decisão
Resumo da tese firmada
A confissão espontânea utilizada na fundamentação condenatória, ainda que parcial ou qualificada e mesmo quando emprestada de outro processo, impõe a aplicação da atenuante do art. 65, III, d, do CP, desde que observado o contraditório no processo de destino.