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STJ - Terceira Seção

REsp 1.977.547-MG

Recurso Especial

Paradigma

Relator: Reynaldo Soares da Fonseca

Julgamento: 08/03/2023

Publicação: 14/03/2023

STJ - Terceira Seção

REsp 1.977.547-MG

Tese Jurídica

A audiência prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 tem por objetivo confirmar a retratação, não a representação, e não pode ser designada de ofício pelo juiz. Sua realização somente é necessária caso haja manifestação do desejo da vítima de se retratar trazida aos autos antes do recebimento da denúncia.

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Lei Maria da Penha

Objetivo

A Lei Maria da Penha (L. 11.340/06) visa à criação de mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

O que é violência contra a mulher?

Segundo a lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial à mulher, em três ambientes:

  • Na unidade doméstica: ou seja, no espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
  • Na unidade familiar: ou seja, naquele espaço de indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
  • Em qualquer relação íntima de afeto: Ou seja, nas situações em que o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Dessa forma, não é qualquer agressão à mulher que será sujeita à LMP, mas somente aquelas perpetradas em razão do gênero, que lhe cause algum tipo de lesão ou abalo, na unidade familiar, doméstica ou em relação íntima de afeto. 

Sujeitos

É sujeito ativo, segundo a Lei Maria da Penha, qualquer pessoa que perpetra violência contra mulher, nos ambientes descritos acima. Ou seja, é considerado agressor, e por isso passível de reprimenda pela LMP, qualquer pessoa (homem ou mulher), que cometa violência contra mulheres na unidade familiar, doméstica ou em relação íntima de afeto. 

Por sua vez, são sujeitos passivos, podendo acionar os mecanismos dessa lei, MULHERES. Isso porque a lei surgiu para proteger mulheres da violência sistêmica perpetrada contra elas em seu ambiente doméstico, familiar ou afetivo. Segundo o STJ, dentro do termo "mulheres" também devem ser abarcadas as mulheres trans, também submetidas a essas violências.

O Caso

O caso em questão discute o artigo 16 da Lei Maria da Penha. Esse artigo diz que em caso de crime sujeito à LMP, quando for crime que se processo mediante representação (ação pública condicionada), há necessidade de oitiva da mulher, em audiência.  

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Isso quer dizer que toda e qualquer ação que tramite na LMP sujeita a representação depende de oitiva da vítima? Segundo o STJ, não. Para que haja oitiva da vítima é preciso que ela tenha demonstrado vontade de retirarar sua representação. 

Isso porque a oitiva da vítima em audiência tem o propósito de verificar se a vítima realmente está retirando sua representação de livre vontade, ou seja, verificar se não há coação ou ameaça para que desista do processo. Portanto, para o STJ, se não há demonstração de arrependimento por parte da vítima, é desnecessário sua oitiva, nesse momento. 

Resumo Oficial

A controvérsia consiste em definir se a audiência preliminar prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) é ato processual obrigatório determinado pela lei ou se configura apenas um direito da ofendida, caso manifeste o desejo de se retratar.

A Lei Maria da Penha disciplina procedimento próprio para que a vítima possa eventualmente se retratar de representação já apresentada. Dessarte, dispõe o art. 16 da Lei n. 11.340/2006 que, "nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público".

A norma cuida apenas das hipóteses de ações penais públicas condicionadas à representação, nas quais a representação da vítima constitui condição de procedibilidade para a instauração do inquérito policial e de futura ação penal.

Essencialmente, são duas as condições necessárias e concomitantes para a realização da audiência: (1) a prévia manifestação da vítima levada ao conhecimento do juiz, expressando seu desejo de se retratar e (2) a confirmação da retratação da vítima perante o magistrado, antes do recebimento da denúncia, em audiência especialmente designada para tanto.

Nesse sentido, é imperativo que a vítima, sponte propria, revogue sua declaração anterior e leve tal revogação ao conhecimento do magistrado para que se possa cogitar da necessidade de designação da audiência específica prevista no art. 16 da Lei Maria da Penha. Pode-se mesmo afirmar que a intenção do legislador, ao criar tal audiência, foi a de evitar ou pelo menos minimizar a possibilidade de oferecimento de retratação pela vítima em virtude de ameaças ou pressões externas, garantindo a higidez e autonomia de sua nova manifestação de vontade em relação à persecução penal do agressor.

Assim, não há como se interpretar a regra contida no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 como uma audiência destinada à confirmação do interesse da vítima em representar contra seu agressor, pois a letra da lei deixa claro que tal audiência se destina à confirmação da retratação. Como regra geral, o Direito Civil (arts. 107 e 110 do CC) já prevê que, exarada uma manifestação de vontade por indivíduo reputado capaz, consciente, lúcido, livre de erros de concepção, coação ou premente necessidade, tal declaração é válida até que sobrevenha manifestação do mesmo indivíduo em sentido contrário.

Transposto o raciocínio para o contexto que circunda a violência doméstica, a realização de novo questionamento sobre a subsistência do interesse da vítima em representar contra seu agressor ganha contornos mais sensíveis e até mesmo agravadores do estado psicológico da vítima, na medida em que coloca em dúvida a veracidade de seu relato inicial, quando não raras vezes ela está inserida em um cenário de dependência emocional e/ou financeira, fazendo com que a ofendida se questione se vale a pena denunciar as agressões sofridas, enfraquecendo o objetivo da Lei Maria da Penha de garantir uma igualdade substantiva às mulheres que sofrem violência doméstica e até mesmo levando-as, desnecessariamente, a reviver os traumas decorrentes dos abusos.

Esta Corte também tem entendido que "a audiência do art. 16 deve ser realizada nos casos em que houve manifestação da vítima em desistir da persecução penal. Isso não quer dizer, porém, que eventual não comparecimento da ofendida à audiência do art. 16 ou a qualquer ato do processo seja considerado como 'retratação tácita'. Pelo contrário: se a ofendida já ofereceu a representação no prazo de 06 (seis) meses, na forma do art. 38 do CPP, nada resta a ela a fazer a não ser aguardar pelo impulso oficial da persecutio criminis" (AREsp 1.165.962/AM, Relator Ministro Sebastião Reis Junior, DJe 22/11/2017; EDcl no REsp 1.822.250/SP, Relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe 11/11/2019).

Tudo isso ponderado, ressalta nítido que a audiência prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 não pode ser designada de ofício pelo magistrado, até porque uma iniciativa com tal propósito corresponderia à criação de condição de procedibilidade (ratificação da representação) não prevista na Lei Maria da Penha, viciando de nulidade o ato praticado de ofício pelo juiz.

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