REsp 1.962.118-RS

STJ Primeira Seção

Recurso Especial

Repetitivo

Outros Processos nesta Decisão

REsp 1.976.624-RS

Relator: Afrânio Vilela

Julgamento: 14/05/2025

Tese Jurídica Simplificada

Se a citação do Estado do Paraná e da Faculdade Vizivali for válida, ela interrompe a prescrição contra a União, mesmo que esta só seja citada depois, desde que a demora tenha sido causada pelo Judiciário.

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Tese Jurídica Oficial

Nas ações relacionadas ao Tema Repetitivo 928/STJ, a citação válida do Estado do Paraná e da Faculdade Vizivali tem o condão de interromper a prescrição também em relação à União, com efeitos retroativos à data da propositura da ação. Esse entendimento aplica-se inclusive aos casos em que a citação da União tenha ocorrido após o decurso de cinco anos desde o ajuizamento da demanda, quando essa demora for imputável exclusivamente ao Poder Judiciário, em razão do reconhecimento, no curso do processo, da necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário.

A controvérsia jurídica afetada no Tema Repetitivo 1131/STJ foi assim sintetizada: "Definir, nas ações que tenham como objeto o Tema Repetitivo 928/STJ, se a retroação da interrupção da prescrição à data da propositura da ação, nos termos do disposto no art. 240, § 1º, do CPC/2015 (art. 219, § 1º, do CPC/1973), deve ocorrer também quando a citação da parte legítima se der fora do prazo prescricional, caso a demora no ato citatório decorra do reconhecimento da existência de litisconsórcio passivo necessário durante a tramitação do feito.".

Nesse contexto, a adequada delimitação da controvérsia exige uma breve contextualização histórica do Tema 928/STJ, cuja matéria de fundo discutida se refere à regularidade do Curso de Capacitação para Docentes, instituído pelo Estado do Paraná em 2002, em parceria com a Fundação Faculdade Vizinhança Vale do Iguaçu - Vizivali, na modalidade semipresencial, destinado aos professores que atuavam na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental.

O curso foi autorizado pelo Conselho Estadual de Educação do Paraná, com fundamento no art. 87, § 3º, III, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB. Contudo, após alguns anos do implemento do programa, pairou incerteza quanto à validade do Curso de Capacitação ofertado pela Faculdade Vizivali - e, por conseguinte, dos diplomas por ela expedidos -, porquanto o seu credenciamento teria sido efetuado pelo Estado do Paraná, ente que não detinha competência para tanto.

O Conselho Nacional de Educação, em um primeiro momento, reconheceu a validade do programa. Posteriormente reviu seu posicionamento, sob o argumento de que o credenciamento da faculdade deveria ter sido realizado pela União, nos termos do art. 80, § 1°, da LDB. Em razão disso, posicionou-se pela irregularidade do curso e, consequentemente, pela impossibilidade de registro dos diplomas.

Em consequência, milhares de ações foram ajuizadas na Justiça Estadual contra o Estado do Paraná e a instituição de ensino, objetivando a expedição do diploma e/ou o pagamento de indenização por danos morais e materiais. À época, a jurisprudência oscilava quanto à legitimidade passiva da União e à competência para o julgamento das ações, de modo que muitas ações foram regularmente processadas e julgadas no âmbito da Justiça Estadual.

Somente em 24/4/2013, o entendimento foi uniformizado quando a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Tema Repetitivo 584/STJ, reconheceu que a União deveria integrar o polo passivo das ações relativas ao curso semipresencial ministrado pela instituição Vizivali, no âmbito do programa instituído pelo Estado do Paraná, tendo em vista que a controvérsia envolvia a definição do ente federativo competente para o credenciamento do referido curso superior.

Em resumo, a Primeira Seção reconheceu a necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário entre União, o Estado do Paraná e a Faculdade Vizivali, sem, no entanto, analisar a extensão da responsabilidade de cada litisconsorte pelos prejuízos causados aos alunos.

Posteriormente, em 8/11/2017, o STJ julgou o Tema Repetitivo 928/STJ com o objetivo de definir: (i) a possibilidade de expedição de diploma do curso ministrado pela referida faculdade na modalidade semipresencial; e (ii) a eventual responsabilização da União, do Estado do Paraná e da instituição de ensino pelos danos decorrentes da negativa na entrega dos diplomas.

Na ocasião, reconheceu-se a regularidade do Curso de Capacitação instituído pelo Estado do Paraná, com fundamento na Lei n. 10.172/2001, que instituiu o Plano Nacional de Educação, e na regra de transição prevista no art. 87, § 3º, III, da LDB, que permitia que Estados e Municípios realizassem programas de capacitação para todos os professores em exercício, inclusive por meio de educação a distância.

Por sua vez, a responsabilidade dos envolvidos foi definida com base na situação individual dos alunos matriculados no curso: (i) em se tratando de professor com vínculo formal com instituição pública ou privada, a União é exclusivamente responsável pelo registro do diploma e pela indenização pelos danos causados; (ii) nos casos de professores voluntários ou com vínculo precário, a União responde pelo registro, mas a indenização deve ser suportada solidariamente pela União e pelo Estado do Paraná; (iii) quanto aos estagiários, não há direito ao registro do diploma, cabendo à Faculdade Vizivali a responsabilidade exclusiva por eventuais danos.

Nesse contexto, antes do julgamento dos Temas Repetitivos 584/STJ e 928/STJ, havia fundada divergência jurisprudencial quanto à legitimidade passiva e responsabilidade da União, o que justificou o ajuizamento de inúmeras ações na Justiça Estadual, apenas contra o Estado do Paraná e a instituição de ensino.

Portanto, a controvérsia a ser enfrentada neste Tema 1131/STJ é definir se, nas ações relativas ao Tema Repetitivo 928/STJ, a interrupção da prescrição deve retroagir à data da propositura da ação, nos termos do art. 240, § 1º, do CPC/2015 (art. 219, § 1º, do CPC/1973), mesmo quando a citação da parte legítima - que não integrava o polo passivo originalmente - ocorrer após o implemento do prazo prescricional, em razão do reconhecimento, no curso do processo, da necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário.

Os artigos 202 do Código Civil (CC); e 240, § 1º, do CPC/2015 (correspondente ao art. 219, § 1º,do CPC/1973) tratam da eficácia interruptiva da prescrição. A interpretação conjunta desses dispositivos evidencia que a interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, retroage à data da propositura da ação, desde que o interessado a promova no prazo e na forma da lei processual.

A validade do ato citatório é, portanto, condição indispensável para a eficácia interruptiva da prescrição. Em outras palavras, somente a citação válida e tempestiva da parte legítima tem o condão de interromper a prescrição.

No caso, a União defende que a retroação da interrupção da prescrição à data da propositura da ação somente é possível quando a citação da parte legítima ocorrer dentro do prazo prescricional.

Nesse contexto, é necessário definir se os efeitos da citação válida do Estado do Paraná e do estabelecimento de ensino superior - contra os quais a ação foi inicialmente proposta - se estendem também à União, que somente foi citada após o decurso do prazo prescricional, devido ao reconhecimento, no curso do processo, da necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário.

A jurisprudência do STJ tem reconhecido a possibilidade de interrupção da prescrição quando o autor propõe a ação contra aquele que, com base em elementos razoáveis, acreditava ser o legítimo responsável - situação que autoriza a aplicação da Teoria da Aparência.

Nos casos em discussão, a aplicação da Teoria da Aparência - e a consequente interrupção do prazo prescricional - revela-se plenamente possível, já que, à época do ajuizamento das ações, havia divergência jurisprudencial acerca da legitimidade passiva da União, o que justifica a opção dos autores por direcionar a demanda apenas contra o Estado do Paraná e a faculdade, sobretudo considerando que diversas demandas semelhantes estavam sendo regularmente processadas perante a Justiça Estadual.

Nesse ponto, é importante destacar que, ainda que, no julgamento do mérito, reconheça-se a responsabilidade exclusiva da União, isso não implica necessariamente a ilegitimidade passiva dos demais réus, o que reforça a aplicação do disposto no art. 240, § 1º, do CPC/2015, possibilitando a extensão dos efeitos da interrupção e retroação do prazo prescricional à parte que não integrava a relação processual originalmente.

Além da Teoria da Aparência, há ainda outro fundamento jurídico relevante que permite estender a interrupção do prazo prescricional ao litisconsorte cuja citação se deu após o prazo prescricional: a solidariedade.

Em regra, a interrupção da prescrição não aproveita nem prejudica os demais credores ou devedores, conforme preceitua o art. 204, caput, do CC/2002. Contudo, de acordo com o seu § 1º, a regra é excepcionada no regime de solidariedade: a interrupção da prescrição contra um devedor solidário atinge os demais.

Antes do julgamento do Tema Repetitivo 928, a jurisprudência firmada no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região oscilava sobre a solidariedade existente entre os envolvidos.

No julgamento do aludido Tema 928, a Primeira Seção do STJ apenas reconheceu a solidariedade entre a União e o Estado do Paraná nos casos de professores sem vínculo formal com instituição pública ou privada de ensino. Neste ponto, vale dizer que a aplicação do § 1º do art. 204 do CC justifica-se também nos demais casos, em que a responsabilidade foi atribuída exclusivamente à União ou à instituição de ensino, tendo em vista a histórica divergência jurisprudencial sobre a solidariedade entre os réus.

Portanto, a solidariedade reconhecida pelas instâncias ordinárias e pelo STJ nos casos em análise reforça o entendimento de que os efeitos da interrupção da prescrição decorrente da citação válida do Estado do Paraná e da Vizivali alcançam a União, ainda que esta só tenha sido citada após o decurso de mais de cinco anos do ajuizamento da ação.

O raciocínio desenvolvido contém em si um elemento que, não obstante implícito, não pode ser ignorado: a demora na citação da União se deu por motivos alheios à vontade da parte autora. Nesse contexto, emerge mais um fundamento jurídico que se soma aos já expostos reforçando a solução aqui apresentada: a parte não pode ser prejudicada pela demora na citação da União, imputável exclusivamente ao serviço judiciário.

O pressuposto autorizador da perda do direito de ação pela prescrição é a inércia, ou seja, a negligência do sujeito que deixa perecer o direito do qual é titular, ao não ajuizar a ação no prazo legal ou não adotar todas as providências necessárias para a citação do devedor e para o desenvolvimento válido do processo - o que, definitivamente, não se verifica no presente casso.

Nesse sentido, são inúmeros os precedentes deste STJ que reconhecem que a parte que deduz sua pretensão dentro do prazo legal não pode ser lesada pela demora a que não deu causa. Em outras palavras, para a caracterização da prescrição, não basta o simples transcurso do tempo: é indispensável a presença simultânea da possibilidade de exercício do direito de ação e da inércia do seu titular.

Por fim, para cumprimento do requisito legal e regimental, propõe-se a seguinte tese jurídica: Nas ações relacionadas ao Tema Repetitivo 928, a citação válida do Estado do Paraná e da Faculdade Vizivali tem o condão de interromper a prescrição também em relação à União, com efeitos retroativos à data da propositura da ação. Esse entendimento aplica-se inclusive aos casos em que a citação da União tenha ocorrido após o decurso de cinco anos desde o ajuizamento da demanda, quando essa demora for imputável exclusivamente ao Poder Judiciário, em razão do reconhecimento, no curso do processo, da necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário.

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