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STJ - Quarta Turma

REsp 1.936.743-SP

Recurso Especial

Relator: Luis Felipe Salomão

Julgamento: 14/06/2022

Publicação: 20/06/2022

STJ - Quarta Turma

REsp 1.936.743-SP

Tese Jurídica Simplificada

A empresa de metrô não responde pela morte de passageiro que desmaiou e caiu nos trilhos, pois trata-se de fortuito externo, sem relação de causa e efeito com a organização do serviço.

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Contexto

Uma passageira, depois de desmaiar por conta de um ataque epilético, caiu nos trilhos do metrô e foi atropelada por um trem, causando sua morte.

A controvérsia que surge é: a empresa concessionária de transporte público responde pelo pagamento de indenização por danos morais?

Responsabilização no Direito do Consumidor

O CDC impõe dever de cuidado com a saúde e bem estar do consumidor. Para que seja conferida ampla proteção ao consumidor, presumidamente vulnerável, o CDC prevê um sistema de responsabilidade amplo, que supera a dicotomia “contratual x extracontratual” do Direito Civil. 

No Direito do Consumidor, existem dois sistemas de responsabilidade: 

  • Responsabilidade pelo Vício: Pode ser vício do produto ou vício do serviço
  • Responsabilidade pelo Fato: Pode ser pelo fato do produto ou fato do serviço 

No caso, nos interessa a responsabilidade pelo fato do serviço. 

Tem-se fato do serviço quando o serviço é prestado de forma a lesionar ou ameaçar de lesão bem jurídico do consumidor ou de terceiros. 

Nesses casos, quem responde? Caso a prestação do serviço seja defeituosa, em regra todos os envolvidos na cadeia do fornecimento do serviço serão responsabilizados solidaria e objetivamente (independente de culpa). 

Excepcionalmente, esses servidores envolvidos na cadeia não responderão pelos defeitos se comprovada culpa exclusiva do consumidor ou inexistência do defeito. Além dessas, a doutrina também considera o caso fortuito e a força maior como causas excludentes de responsabilidade.

É o que diz o art. 14 do CDC:

 Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

 § 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

Julgamento

O STJ, ao considerar a queda como fortuito externo, entendeu que a concessionária não tem o dever de reparação, ainda que não tenha adotado tecnologia moderna para impedir a ocorrência do fato.

Lembrando que o fortuito externo é caracterizado pela irresistibilidade, inevitabilidade e externidade do fato, como ocorre nos casos de fenômenos da natureza, tais como inundações e terremotos.

O Ministro Relator aplicou ao caso a teoria da causalidade adequada, a qual prevê que só há responsabilidade pelo fato do serviço quando houver defeito no serviço e este for precisamente a causa dos danos sofridos pelo consumidor.

No caso concreto, trata-se de caso fortuito, consubstanciando fortuito externo que não se tinha como prever ou prevenir. 

De acordo com a doutrina, o fato de tratar-se de responsabilidade objetiva:

"não elimina a necessidade de demonstrar-se a presença do dano e do nexo causal entre o dano e a qualidade de agente público do autor do dano, ou a conexão com a prestação do serviço público. Desse modo, as situações que servem para afastar o nexo de causalidade, como o caso fortuito, a força maior, a culpa exclusiva da vítima e a culpa exclusiva de terceiro, da mesma forma servem para exonerar a responsabilidade do Estado pelos danos sofridos por particulares. Não basta, assim, que haja falha de conduta atribuível ao Estado ou a seus agentes. É necessário que se verifique no processo causal, claramente, a relação entre a atuação atribuída ao Estado e o dano do que se reclama indenização".

Assim, no caso, à luz da teoria da causalidade adequada, não há como considerar que a conduta da concessionária foi a causa específica e determinante para o evento danoso, pois o risco de a passageira cair na linha férrea sem que seja por fatores ligados à própria organização do serviço, é fortuito externo, ou seja, o risco não está incluso na esfera de responsabilização objetiva da concessionária.

Não se trata de hipótese de defeito no serviço (art. 14, §1º), pois o caso concreto não trata de um risco inerente do serviço ou produto de gerar danos, presente na generalidade dos transportes públicos que utilizam o mesmo modal, mas de algo que escapa do razoável, diferente do padrão de outros serviços semelhantes.

Embora a parte tenha suscitado a necessidade de instalação das chamadas portas de plataforma, tecnologia que, em tese, teria evitado a tragédia, o STJ consignou que, ao considerar o serviço defeituoso, estaria tacitamente impondo o dever de a Companhia instalar imediatamente a tecnologia mais moderna de segurança, sem qualquer análise do impacto econômico e dos efeitos externos da decisão, como o aumento no preço da tarifa, em clara violação à separação dos Poderes.

Por esses motivos, é possível concluir que a empresa de metrô não responde pela morte de passageiro que desmaiou e caiu nos trilhos, pois trata-se de fortuito externo, sem relação de causa e efeito com a organização do serviço.

Tese Jurídica Oficial

Considera-se fortuito externo a queda de passageiro em via férrea de metrô, por decorrência de mal súbito, não ensejando o dever de reparação do dano por parte da concessionária de serviço público, mesmo considerando que não houve adoção, por parte do transportador, de tecnologia moderna para impedir o trágico evento.

Resumo Oficial

A questão controvertida principal consiste em saber se a queda de passageiro em via férrea de metrô, por decorrência de mal súbito, enseja o dever de reparar os danos, considerando que não houve adoção, por parte do transportador, de tecnologia moderna (portas de plataforma) para impedir o trágico evento.

No caso, e à luz da própria causa de pedir da demanda, é incontroverso que o lamentável e fatídico acidente decorre de caso fortuito (mal súbito, convulsão por epilepsia), consubstanciando fortuito externo que, segundo o curso normal das coisas, não se tinha como antever ou prevenir que a passageira caísse justamente na linha férrea.

Na hipótese em exame, a presença de funcionário na estação, não teria o condão de evitar o acidente, por não ser factível que estivesse ao lado de cada um dos passageiros, ainda mais de passageira jovem, de apenas 29 anos de idade, que, em linha de princípio, não estaria a precisar de nenhum auxílio específico para ingressar na composição do metrô.

Segundo a doutrina, o fato de tratar-se de responsabilidade objetiva "não elimina a necessidade de demonstrar-se a presença do dano e do nexo causal entre o dano e a qualidade de agente público do autor do dano, ou a conexão com a prestação do serviço público. Desse modo, as situações que servem para afastar o nexo de causalidade, como o caso fortuito, a força maior, a culpa exclusiva da vítima e a culpa exclusiva de terceiro, da mesma forma servem para exonerar a responsabilidade do Estado pelos danos sofridos por particulares. Não basta, assim, que haja falha de conduta atribuível ao Estado ou a seus agentes. É necessário que se verifique no processo causal, claramente, a relação entre a atuação atribuída ao Estado e o dano do que se reclama indenização".

O nexo de causalidade é o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato.

Não há, portanto, no caso, como considerar, à luz da teoria da causalidade adequada, a conduta da ré causa específica e determinante para o evento danoso, pois o risco de a passageira cair na linha férrea, sem que seja por fatores ligados à própria organização do serviço (v.g. tropeço pelo piso estar molhado ou escorregadio, tumulto por desorganização no embarque e desembarque da composição), é fortuito externo, isto é, risco não está abrangido pela esfera imputável objetivamente à concessionária de serviço público.

Ademais, não é compatível com o CDC o entendimento de que há um "dever específico de prevenir o evento letal por todos os meios de que possa conceber o conhecimento humano e de que esteja à sua altura fazê-lo e desde que ainda não seja caso de impossibilidade material".

O defeito a que alude o art. 14, § 1º, do CDC consubstancia-se em falha que se desvia da normalidade, capaz de gerar uma frustração no consumidor ao não experimentar a segurança que ordinariamente se espera do produto ou serviço.

Assim, o defeito previsto no artigo não pode dizer respeito a um risco inerente do serviço ou produto de gerar danos, presente na generalidade dos transportes públicos que utilizam do mesmo modal, mas a algo que escapa do razoável, discrepante do padrão de outros serviços congêneres ou de outros exemplares do mesmo produto.

Além do mais, como máxima de experiência, não é a regra que trens de metrôs, inclusive em países com altíssimo nível de desenvolvimento econômico e social, tenham as denominadas "portas de plataforma" (Platform Screen Doors - PSD).

O recente art. 20 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, incluído pela Lei n. 13.655/2018, explicitou o dever do magistrado de considerar as consequências práticas da decisão.

Ao considerar o serviço defeituoso, estar-se-ia tacitamente a impor o dever, em violação da tripartição de poderes, de a Companhia instalar imediatamente a tecnologia mais moderna de segurança, sem qualquer necessário criterioso exame das repercussões econômicas e dos efeitos externos da decisão, como eventual abrupto aumento do preço da tarifa de transporte.

Mutatis mutandis, o Enunciado n. 446, da V Jornada de Direito Civil do CJF, propõe que a responsabilidade civil prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do CC deve levar em consideração não apenas a proteção da vítima e a atividade do ofensor, mas também a prevenção e o interesse da sociedade.

Por último, cumpre consignar que o caso não guarda nenhuma relação com aquele julgado pela Segunda Seção, em sede de recurso repetitivo, REsp 1.210.064/SP, Tema n. 517.

Isso porque não se trata de "omissão ou negligência do dever de vedação física das faixas de domínio da ferrovia com muros e cercas bem como da sinalização e da fiscalização dessas medidas garantidoras da segurança na circulação da população", imposta por regulação do serviço público, em que o transeunte, de fato, seguindo o curso normal das coisas, inequivocamente pode vir a ser surpreendido e atropelado pela composição.

Na verdade, quanto à questão das portas de plataforma, que por ora ainda não são usuais na maioria dos metrôs, a questão é diferente, pois o acidente ocorreu bem no momento em que a composição se alinhava à estação e, como é de sabença, nas estações de metrô há faixa amarela de segurança, paralela à via férrea (atrás da qual, no mínimo, devem permanecer os usuários, ainda mais sentindo incontroverso mal-estar), sendo certo que a aproximação do usuário da composição/linha férrea deve ocorrer apenas após o efetivo alinhamento da composição à estação, seguido de abertura de portas do trem e, em regra, de aviso sonoro.

Portanto, cabe ressalvar que o caso é diverso daquele que foi solucionado pelo recurso repetitivo, e que não se adota o fundamento de culpa exclusiva da vítima da sentença, mas de fortuito externo, sem relação de causa e efeito com a organização do serviço.

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