STJ - Primeira Seção
REsp 1.854.662-CE
Recurso Especial
Relator: Sérgio Kukina
Julgamento: 22/06/2022
Publicação: 27/06/2022
STJ - Primeira Seção
REsp 1.854.662-CE
Tese Jurídica Simplificada
O servidor federal inativo deve receber em dinheiro a licença-prêmio não utilizada ou não contada em dobro para a aposentadoria, sem que seja preciso fazer requerimento administrativo ou comprovar que a licença não foi utilizada por necessidade do serviço. Se esta licença não for paga, haverá enriquecimento ilícito da administração pública.
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Tese Jurídica Oficial
Presente a redação original do art. 87, §2º, da Lei n. 8.112/1990, bem como a dicção do art. 7º da Lei n. 9.527/1997, o servidor federal inativo, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração e independentemente de prévio requerimento administrativo, faz jus à conversão em pecúnia de licença-prêmio por ele não fruída durante sua atividade funcional, nem contada em dobro para a aposentadoria, revelando-se prescindível, a tal desiderato, a comprovação de que a licença-prêmio não foi gozada por necessidade do serviço.
Resumo Oficial
A controvérsia, tal como delimitada na proposta afetada por esta Primeira Seção, consiste em: a) definir se o servidor público federal possui, ou não, o direito de obter a conversão em pecúnia de licença-prêmio por ele não gozada e nem contada em dobro para fins de aposentadoria; b) em caso afirmativo, definir se a referida conversão em pecúnia estará condicionada, ou não, à comprovação, pelo servidor, de que a não fruição ou contagem da licença-prêmio decorreram do interesse da Administração Pública.
A pacífica jurisprudência do STJ, formada desde a época em que a competência para o exame da matéria pertencia à Terceira Seção, firmou-se no sentido de que, embora a legislação faça referência à possibilidade de conversão em pecúnia apenas no caso de falecimento do servidor, possível se revela que o próprio servidor inativo postule em juízo indenização pecuniária concernente a períodos adquiridos de licença-prêmio, que não tenham sido por ele fruídos nem contados em dobro para fins de aposentadoria, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração.
Nesse sentido, consigna-se que "foge à razoabilidade jurídica que o servidor seja tolhido de receber a compensação pelo não-exercício de um direito que incorporara ao seu patrimônio funcional e, de outra parte, permitir que tal retribuição seja paga aos herdeiros, no caso de morte do funcionário" (AgRg no Ag 735.966/TO, Relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJ de 28/8/2006, p. 305).
Tal compreensão, na verdade, mostra-se alinhada à orientação adotada pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, no julgamento do ARE 721.001/RJ (Tema 635), segundo a qual "é devida a conversão de férias não gozadas bem como de outros direitos de natureza remuneratória em indenização pecuniária por aqueles que não mais podem delas usufruir, seja por conta do rompimento do vínculo com a Administração, seja pela inatividade, em virtude da vedação ao enriquecimento sem causa da Administração".
Oportunamente, mostra-se importante sublinhar que a tese repetitiva cuida, única e exclusivamente, de controvérsia envolvendo direito postulado por servidor público federal inativo, concernente à conversão em pecúnia de licença-prêmio não gozada, não abrangendo, portanto, igual pretensão eventualmente formulada por servidores ativos.
Além disso, a controvérsia também engloba o debate sobre saber se a conversão em pecúnia da licença-prêmio não gozada estaria condicionada, ou não, à comprovação, pelo servidor, de que a não fruição do aludido direito decorreu do interesse da Administração Pública.
Nesse passo, o reiterado entendimento do STJ considera "desnecessária a comprovação de que as férias e a licença-prêmio não foram gozadas por necessidade do serviço já que o não-afastamento do empregado, abrindo mão de um direito, estabelece uma presunção a seu favor" (REsp 478.230/PB, Relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJ de 21/5/2007, p. 554).
Entende-se, outrossim, dispensável a comprovação de que a licença-prêmio não tenha sido gozada por interesse do serviço, pois o não afastamento do servidor, abrindo mão daquele direito pessoal, gera presunção quanto à necessidade da atividade laboral.
Conforme assentado em precedentes desta Corte, a inexistência de prévio requerimento administrativo do servidor não reúne aptidão, só por si, de elidir o enriquecimento sem causa do ente público, sendo certo que, na espécie examinada, o direito à indenização decorre da circunstância de o servidor ter permanecido em atividade durante o período em que a lei expressamente lhe possibilitava o afastamento remunerado ou, alternativamente, a contagem dobrada do tempo da licença.
Diante desse contexto, entende-se pela desnecessidade de se perquirir acerca do motivo que levou o servidor a não usufruir do benefício do afastamento remunerado, tampouco sobre as razões pelas quais a Administração deixou de promover a respectiva contagem especial para fins de inatividade, porque, numa ou noutra situação, não se discute ter havido a prestação laboral ensejadora do recebimento da aludida vantagem.
Ademais, caberia à Administração, na condição de detentora dos mecanismos de controle que lhe são próprios, providenciar o acompanhamento dos registros funcionais e a prévia notificação do servidor acerca da necessidade de fruição da licença-prêmio antes de sua passagem para a inatividade.
De resto, cumpre também pontuar a inexistência de previsão legal estipuladora de prazo para o exercício do direito em questão ou, ainda, acenando com a eventual perda do gozo da licença-prêmio, tudo a recomendar, portanto, que se reconheça a legalidade da conversão em pecúnia daquele benefício, sendo certo que tal entendimento, conforme já realçado pelo Supremo Tribunal Federal (RE 721.001/RJ), está fundado na responsabilidade objetiva do Estado, nos termos do art. 37, § 6º, da CF/1988, bem assim no princípio que veda o enriquecimento sem causa da Administração.
Caso
O autor teve reconhecido por sentença judicial o direito de conversão em pecúnia dos períodos de licenças-prêmio, adquiridos e não gozados, devendo a União pagá-las no valor da remuneração do autor na data da aposentadoria, observada a prescrição quinquenal.
Foi deferido o pagamento de 6 meses de licenças-prêmio, referentes às datas de 18/12/1981 a 18/12/1986 e de 07/10/1989 a 05/10/1994. Elas não foram gozadas ou contadas para qualquer fim.
A União, entretanto, discordando da decisão, apelou ao TRF da 5ª Região. Nesta instância, o julgamento foi favorável à União, decidindo o TRF que o sevidor deveria ter demonstrado que não usufruiu da licença por força do serviço.
Indignado, o autor moveu Recurso Especial com fundamento no art.105, III, a e c da CF:
Argumenta divergência jurisprudencial e que houve ofensa aos arts. 87 da Lei nº 8.112/1990 (vigente à época dos fatos) e art.7º da Lei nº 9527/97:
Em contrarrazões, a União manifestou que o REsp não deveria ser reconhecido em razão de violação às Súmulas 284 do STF e 7 do STJ, além de a decisão do TRF não conter violação aos dispositivos indicados pelo autor.
Este recurso foi entendido como representativo de controvérsia e sua importância decorre do tratamento de eventual direito de servidores públicos federais, dando origem ao Tema 1086.
Assim, ao STJ restou definir se:
Licença - Prêmio
Antes da alteração da Lei nº 8.112/90, o servidor tinha direito à Licença-Prêmio por Assiduidade. Ou seja, a cada 5 anos de exercício ininterrupto de trabalho tinha direito a 3 meses de licença.
A Medida Provisória nº 1.522, posteriormente convertida na Lei nº 9.527/97, extinguiu a Licença-Prêmio por Assiduidade e a transformou em Licença para Capacitação. Porém, restou assegurando o direito adquirido à licença-prêmio para o servidor que completou o tempo necessário até 15/10/1996, de acordo com o art, 7º da Lei 9.527/97.
Responsabilidade Objetiva do Estado
Se o Estado causar dano ao particular e existir nexo causal entre a conduta e o dano. Essa responsabilidade será objetiva na modalidade de risco administrativo (ato lesivo ou injusto causado à vítima pela Administração). Ou seja, não há avaliação de dolo ou culpa. Assim:
Julgamento
A Primeira Seção do STJ entendeu que, conforme a jurisprudência da Corte, ainda que a lei se refira à possibilidade de conversão em dinheiro apenas no caso de morte do servidor (art.87, §2º da Lei nº 8.112/90), também é possível que o servidor inativo postule a indenização em juízo referente aos períodos adquiridos de licença-prêmio e não fruídos ou contados em dobro para fins de aposentadoria. Do contrário, a administração estaria enriquecendo ilicitamente.
É esta também a posição do STF (ARE 721.001/R, Tema 635), quando afirma que a conversão de férias não gozadas e outros direitos remuneratórios são devidos em forma de indenização em dinheiro por aqueles que não mais podem delas usufruir, seja por rompimento de vínculo com a administração, seja por inatividade, já que não se admite o enriquecimento ilícito da administração pública.
A Corte ainda ressaltou que a decisão é válida para requerimentos de servidores inativos, não sendo o mesmo entendimento cabível para os ativos.
Sobre a condição da prova do direito à indenização, a Primeira Seção entendeu que, conforme já reiterado pelo próprio STJ, as férias e a licença-prêmio não gozadas por necessidade de serviço não precisam de comprovação, pois o empregado ao não gozá-las, abriu mão de um direito, existindo presunção a seu favor (REsp 478.230/PB, Relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJ de 21/5/2007, p. 554).
Ademais, não importa que o servidor não tenha feito prévio requerimento administrativo, pois a falta deste não elide a impossibilidade de que a administração enriqueça ilicitamente. Até porque, seria de reponsabilidade da administração acompanhar o funcionário e notificá-lo da necessidade de fruir a licença-prêmio antes da inatividade. Trata-se, portanto, de situação na qual o Estado tem responsabilidade objetiva (art.37, §6º, CF)
Finalmente, entendeu que não há prazo previsto que limite o exercício do direito em questão.
Em resumo: o servidor federal inativo deve receber em dinheiro a licença-prêmio não utilizada ou não contada em dobro para a aposentadoria, sem que seja preciso fazer requerimento administrativo ou comprovar que a licença não foi utilizada por necessidade do serviço. Se esta licença não for paga, haverá enriquecimento ilícito da administração pública.