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STJ - Corte Especial

REsp 1.850.512-SP

Recurso Especial

Repetitivo

Relator: Og Fernandes

Julgamento: 16/03/2022

Publicação: 28/03/2022

STJ - Corte Especial

REsp 1.850.512-SP

Tese Jurídica Simplificada

1ª Tese: Quando os valores da condenação, da causa ou do proveito econômico forem altos, não é possível que o juiz fixe honorários por apreciação equitativa (sem vinculação a bases pré-estabelecidas). Nesses casos deve-se observar os percentuais dos §§2º ou 3º do art.85 do CPC que serão calculados sobre o valor (a) da condenação, (b) do proveito econômico obtido ou (c) do valor atualizado da causa.

2ª Tese: A apreciação equitativa dos honorários só é admitida quando os valores obtidos pelo vencedor forem inestimáveis, irrisórios ou se a causa tiver valor muito baixo.

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Nossos Comentários

Apreciação equitativa

Entende-se por apreciação equitativa o arbitramento dos honorários realizado sem vinculação a percentuais legais pelo juiz, apenas observando, conforme incisos I a IV, §2º do art.85 do CPC: 

I - o grau de zelo do profissional;

II - o lugar de prestação do serviço;

III - a natureza e a importância da causa;

IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

Segundo o Enunciado nº 6 da I Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal - CJF:

A fixação dos honorários de sucumbência por apreciação equitativa só é cabível nas hipóteses previstas no § 8º, do art. 85 do CPC.

Ainda, de acordo com o art.140, parágrafo único do CPC:

Art. 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico.

Parágrafo único. O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei.

Ou seja, a apreciação equitativa só será possível nas causas em que o proveito econômico for inestimável, irrisório ou quando o valor da causa for muito baixo.

Art.85, §8º do CPC e o proveito econômico inestimável

Trata-se de julgado que analisa a incidência do art.85, §8º do CPC. Segundo a redação do referido art.:

 Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

§ 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.

A expressão "proveito econômico inestimável" incluiria valores muito altos, ou apenas os irrisórios?

Julgado

A corte especial do STJ decidiu por interpretar a norma de forma estrita, de modo a não afrontar o princípio da separação dos poderes, ressaltando que cabe ao Legislativo a produção de norma em sentido diverso. Assim, conforme a melhor interpretação do texto legal atua, o sentido de "valor econômico inestimável" não é sinônimo de "elevado".

O amicus curiae do caso em tela sustentou que utillizar a apreciação por equidade nos casos de baixo valor ou proveito econômico resultaria em enriquecimento sem causa do vencedor, pois haveria o risco de o juiz arbitrar honorários altos mesmo em demandas simples, onde o advogado tenha tido pouco trabalho. A corte ressaltou que essa argumentação não serve para respaldar a apreciação por equidade mas para balancear a fixação do percentual contido no art.85, §2º ou dos incisos do art.85, §3º.

O CPC de 2015, diferentemente do antigo CPC, incluiu  uma ordem decrescente de vocação dos percentuais de arbitramento de honorários, pela conjugação dos §§2º e 8º do art. 85. Observe o esquema abaixo:

Ademais, no que tange à Fazenda Pública, o art.85 do CPC em seu §3º escalonou os honorários de acordo com percentuais e valores fixos para resguardar o erário. 

A corte ainda considerou que não utilizar as disposições elencadas pelo art.85 sob o argumento de dar guarida a valores abstratos como razoabilidade e proporcionalidade para valores "inestimáveis", é um "estímulo à propositura de demandas frívolas e de caráter predatório". Além de afrontar o procedimento de declaração de inconstitucionalidade previsto no art.97 da CF.

Também ressaltou que não há necessidade de modulação de efeitos do julgado, ou seja, a restrição da eficácia temporal das decisões de modo a terem efeitos exclusivamente para o futuro em nome da segurança jurídica. Ela não será necessária pois não houve alteração da jurisprudência dominante, segundo art.927, §3º do CPC: 

§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

Em resumo: quando os valores da condenação, da causa ou do proveito econômico forem altos, não é possível que o juiz fixe honorários por apreciação equitativa (sem vinculação a bases pré-estabelecidas). Nesses casos deve-se observar os percentuais dos §§2º ou 3º do art.85 do CPC que serão calculados sobre o valor (a) da condenação, (b) do proveito econômico obtido ou (c) do valor atualizado da causa. Assim, a apreciação equitativa dos honorários só é admitida quando os valores obtidos pelo vencedor forem inestimáveis, irrisórios ou se a causa tiver valor muito baixo.

Tese Jurídica Oficial

1ª Tese: A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC - a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa.

2ª Tese: Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo.

Resumo Oficial

O objeto da controvérsia é definir o alcance da norma inserta no § 8º do artigo 85 do CPC/2015, a fim de compreender as suas hipóteses de incidência, bem como se é permitida a fixação dos honorários por apreciação equitativa quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados.

O CPC/2015 pretendeu trazer mais objetividade às hipóteses de fixação dos honorários advocatícios e somente autoriza a aplicação do § 8º do artigo 85 - isto é, de acordo com a apreciação equitativa do juiz - em situações excepcionais em que, havendo ou não condenação, estejam presentes os seguintes requisitos: 1) proveito econômico irrisório ou inestimável, ou 2) valor da causa muito baixo.

A propósito, quando o § 8º do artigo 85 menciona proveito econômico "inestimável", claramente se refere àquelas causas em que não é possível atribuir um valor patrimonial à lide (como pode ocorrer nas demandas ambientais ou nas ações de família, por exemplo). Não se deve confundir "valor inestimável" com "valor elevado".

Trata-se, pois, de efetiva observância do Código de Processo Civil, norma editada regularmente pelo Congresso Nacional, no estrito uso da competência constitucional a ele atribuída, não cabendo ao Poder Judiciário, ainda que sob o manto da proporcionalidade e razoabilidade, reduzir a aplicabilidade do dispositivo legal em comento, decorrente de escolha legislativa explicitada com bastante clareza.

Percebe-se que o legislador tencionou, no novo diploma processual, superar jurisprudência firmada pelo STJ no que tange à fixação de honorários por equidade quando a Fazenda Pública fosse vencida, o que se fazia com base no art. 20, § 4º, do CPC revogado. O fato de a nova legislação ter surgido como uma reação capitaneada pelas associações de advogados à postura dos tribunais de fixar honorários em valores irrisórios, quando a demanda tinha a Fazenda Pública como parte, não torna a norma inconstitucional nem autoriza o seu descarte.

Além disso, há que se ter em mente que o entendimento do STJ fora firmado sob a égide do CPC revogado. É perfeitamente legítimo ao Poder Legislativo editar nova regulamentação legal em sentido diverso do que vinham decidindo os tribunais. Cabe aos tribunais interpretar e observar a lei, não podendo, entretanto, descartar o texto legal por preferir a redação dos dispositivos decaídos. A atuação do legislador que acarreta a alteração de entendimento firmado na jurisprudência não é fenômeno característico do Brasil, sendo conhecido nos sistemas de common law como overriding.

Sobre a matéria discutida, o Enunciado n. 6 da I Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal - CJF afirma que: "A fixação dos honorários de sucumbência por apreciação equitativa só é cabível nas hipóteses previstas no § 8º, do art. 85 do CPC".

Não se pode alegar, que o art. 8º do CPC permite que o juiz afaste o art. 85, §§ 2º e 3º, com base na razoabilidade e proporcionalidade, quando os honorários resultantes da aplicação dos referidos dispositivos forem elevados.

O CPC de 2015, preservando o interesse público, estabeleceu disciplina específica para a Fazenda Pública, traduzida na diretriz de que quanto maior a base de cálculo de incidência dos honorários, menor o percentual aplicável. O julgador não tem a alternativa de escolher entre aplicar o § 8º ou o § 3º do artigo 85, mesmo porque só pode decidir por equidade nos casos previstos em lei, conforme determina o art. 140, parágrafo único, do CPC/2015.

O argumento de que a simplicidade da demanda ou o pouco trabalho exigido do causídico vencedor levariam ao seu enriquecimento sem causa - como defendido pelo amicus curiae -, deve ser utilizado não para respaldar apreciação por equidade, mas sim para balancear a fixação do percentual dentro dos limites do art. 85, § 2º, ou dentro de cada uma das faixas dos incisos contidos no § 3º do referido dispositivo.

Na maioria das vezes, a preocupação com a fixação de honorários elevados ocorre quando a Fazenda Pública é derrotada, diante da louvável consideração com o dinheiro público, conforme se verifica nas divergências entre os membros da Primeira Seção. É por isso que a matéria já se encontra pacificada há bastante tempo na Segunda Seção (nos moldes do REsp 1.746.072/PR, relator para acórdão Ministro Raul Araújo, DJe de 29/3/2019), no sentido de que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados no patamar de 10% a 20%, conforme previsto no art. 85, § 2º, inexistindo espaço para apreciação equitativa nos casos de valor da causa ou proveito econômico elevados.

O próprio legislador anteviu a situação e cuidou de resguardar o erário, criando uma regra diferenciada para os casos em que a Fazenda Pública for parte. Foi nesse sentido que o art. 85, § 3º, previu a fixação escalonada de honorários, com percentuais variando entre 1% e 20% sobre o valor da condenação ou do proveito econômico, sendo os percentuais reduzidos à medida que se elevar o proveito econômico. Impede-se, assim, que haja enriquecimento sem causa do advogado da parte adversa e a fixação de honorários excessivamente elevados contra o ente público. Não é adequado ignorar a redação do referido dispositivo legal a fim de criar o próprio juízo de razoabilidade, especialmente em hipótese não prevista em lei.

A suposta baixa complexidade do caso sob julgamento não pode ser considerada como elemento para afastar os percentuais previstos na lei. No ponto, assiste razão ao amicus curiae Instituto Brasileiro de Direito Processual - IBDP, quando afirma que "esse dado já foi levado em consideração pelo legislador, que previu 'a natureza e a importância da causa' como um dos critérios para a determinação do valor dos honorários (art. 85, § 2º, III, do CPC), limitando, porém, a discricionariedade judicial a limites percentuais. Assim, se tal elemento já é considerado pelo suporte fático abstrato da norma, não é possível utilizá-lo como se fosse uma condição extraordinária, a fim de afastar a incidência da regra". Idêntico raciocínio se aplica à hipótese de trabalho reduzido do advogado vencedor, uma vez que tal fator é considerado no suporte fático abstrato do art. 85, § 2º, IV, do CPC/2015 ("o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço").

Cabe ao autor - quer se trate do Estado, das empresas, ou dos cidadãos - ponderar bem a probabilidade de ganhos e prejuízos antes de ajuizar uma demanda, sabendo que terá que arcar com os honorários de acordo com o proveito econômico ou valor da causa, caso vencido. O valor dos honorários sucumbenciais, portanto, é um dos fatores que deve ser levado em consideração no momento da propositura da ação.

É muito comum ver no STJ a alegação de honorários excessivos em execuções fiscais de altíssimo valor posteriormente extintas. Ocorre que tais execuções muitas vezes são propostas sem maior escrutínio, dando-se a extinção por motivos previsíveis, como a flagrante ilegitimidade passiva, o cancelamento da certidão de dívida ativa, ou por estar o crédito prescrito. Ou seja, o ente público aduz em seu favor a simplicidade da causa e a pouca atuação do causídico da parte contrária, mas olvida o fato de que foi a sua falta de diligência no momento do ajuizamento de um processo natimorto que gerou a condenação em honorários. O Poder Judiciário não pode premiar tal postura.

A fixação de honorários por equidade nessas situações - muitas vezes aquilatando-os de forma irrisória - apenas contribui para que demandas frívolas e sem possibilidade de êxito continuem a ser propostas diante do baixo custo em caso de derrota.

O art. 20 da "Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro" (Decreto-Lei n. 4.657/1942), incluído pela Lei n. 13.655/2018, prescreve que, "nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão". Como visto, a consequência prática do descarte do texto legal do art. 85, §§ 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 8º, do CPC, sob a justificativa de dar guarida a valores abstratos como a razoabilidade e a proporcionalidade, será um poderoso estímulo comportamental e econômico à propositura de demandas frívolas e de caráter predatório.

A postura de afastar, a pretexto de interpretar, sem a devida declaração de inconstitucionalidade, a aplicação do § 8º do artigo 85 do CPC/2015, pode ensejar questionamentos acerca de eventual inobservância do art. 97 da CF/1988 e, ainda, de afronta ao verbete vinculante n. 10 da Súmula do STF.

Embora não tenha sido suscitado pelas partes ou amigos da Corte, não há que se falar em modulação dos efeitos do julgado, uma vez que não se encontra presente o requisito do art. 927, § 3º, do CPC/2015. Isso porque, no caso sob exame, não houve alteração de jurisprudência dominante do STJ, a qual ainda se encontra em vias de consolidação.

Assim, não se configura a necessidade de modulação dos efeitos do julgado, tendo em vista que tal instituto visa a assegurar a efetivação do princípio da segurança jurídica, impedindo que o jurisdicionado de boa-fé seja prejudicado por seguir entendimento dominante que terminou sendo superado em momento posterior, o que, como se vê claramente, não ocorreu no caso concreto.

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