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STJ - Quarta Turma

REsp 1.799.625-SP

Recurso Especial

Relator: Marco Buzzi

Julgamento: 06/06/2023

Publicação: 15/06/2023

STJ - Quarta Turma

REsp 1.799.625-SP

Tese Jurídica Simplificada

Para cumprimento do lapso de 5 anos necessário à declaração de usucapião especial urbana, não é possível aproveitar o tempo anterior de posse de terceiros.

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Contexto e controvérsia

O direito de usucapir algo está previsto nos arts. 183 e 191 da Constituição Federal e no art. 1.238 e seguintes do Código Civil. A usucapião representa um modo originário de aquisição de propriedade, vez que não existe vínculo do adquirente com o proprietário anterior, sendo a propriedade obtida por meio de um reconhecimento, pelo juiz, da situação fática de alguém a ocupando por longo período de tempo sem intervenção do proprietário.

Entre as modalidades de usucapião, destaca-se a chamada usucapião especial urbana, também denominada de pro-misero ou pro-moradia. É tida como especial por ser tutelada diretamente pelo texto constitucional, nos termos do art. 183:

 Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

Dessa forma, a usucapião urbana terá como requisitos:
a) propriedade de até 250m²;
b) 5 anos de estadia ininterruptos e sem oposição;
c) ser moradia de família;
d) não ser o possuidor proprietário de outro imóvel.

No julgamento em questão discute-se a possibilidade de uso do tempo anterior de posse de terceiros para complementar os 5 anos necessários à declaração da usucapião.

Julgamento

O STJ entendeu que, para cumprimento do lapso de 5 anos necessário à declaração de usucapião especial urbana, não é possível aproveitar o tempo anterior de posse de terceiros.

Embora o Código Civil não estabeleça nenhuma limitação quanto à possibilidade de acréscimo/soma de posses às modalidades de usucapião por ele disciplinas, a usucapião especial urbana é regulada pelo Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), norma de caráter especial, prevê somente a hipótese de sucessio possessionis (art. 9°, §3°) e não a accessio possessionis.

A accessio possessionis é a possibilidade legal de soma das posses. Isso significa que o novo adquirente pode somar sua posse à posse daquele que usava o imóvel anteriormente para fins de usucapião. Já a sucessio possessionis trata do caso específico em que a posse do falecido é transmitida ao herdeiro, que pode somar o tempo de sua posse com a posse anterior, desde que cumpridos determinados requisitos legais.

No caso da usucapião especial, nota-se que a pessoalidade da posse é sua característica essencial, pois é necessário que o requerente demonstre que o imóvel serve de moradia para si e/ou sua família. Logo, exige-se a habitação/domicílio efetivo pela família.

Assim, infere-se o caráter personalíssimo ou familiar do instituto, o que permite concluir pela incompatibilidade entre a usucapião especial urbana e o instituto do accessio possessionis, que pressupõe o exercício de posse por pessoas diversas/alheias ao núcleo familiar.

Nesse sentido, o Enunciado n° 317 aprovado na IV Jornada de Direito Civil, realizada pelo CNJ: "A accessio possessionis de que trata o art. 1.243, primeira parte, do Código Civil não encontra aplicabilidade relativamente aos arts. 1.239 e 1.240 do mesmo diploma legal, em face da normatividade da usucapião constitucional urbano e rural, arts. 183 e 191, respectivamente".

O instituto do accessio possessionis não se coaduna com o escopo constitucional da usucapião especial urbana. Isso porque trata-se de modalidade de aquisição da propriedade imóvel com especificidade próprias, a exemplo do prazo reduzido de 5 anos, em comparação aos demais modos, bem como a exigência da finalidade principal de moradia e de o requerente não ser titular de nenhum outro imóvel urbano ou rural.

Tese Jurídica Oficial

Não é possível aproveitar o tempo anterior de posse de terceiros para complementação do quinquênio necessário à declaração de prescrição aquisitiva no caso de usucapião especial urbana.

Resumo Oficial

Cinge-se a controvérsia à possibilidade de aproveitamento do tempo anterior de posse de terceiros para complementação do quinquênio necessário à declaração de prescrição aquisitiva, em se tratando de usucapião especial urbana, também denominada de pro-misero ou pro-moradia.

Quanto ao ponto, observa-se que o Código Civil, lei geral, não estabelece nenhuma limitação/restrição quanto à possibilidade de acréscimo/soma de posses às modalidades de usucapião ali disciplinadas, porquanto apresenta previsão de caráter genérico.

Contudo, não se pode olvidar que o instituto ora em análise - usucapião pro-moradia - é regulamentado pelo Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001), diploma normativo de caráter específico/especial, em que se prevê, tão-somente, a hipótese de sucessio possessionis, inferida do parágrafo 3º do artigo 9º, e não a accessio possessionis.

De fato, o Estatuto da Cidade, de cunho mais específico e diploma regulamentador do artigo 183 da Constituição da República, permite apenas a aplicação da sucessio possessionis à hipótese de usucapião especial urbana.

Nessa ordem de ideias, a par do exame dos textos normativos acima indicados, dada a aparente antinomia, faz-se imprescindível analisar pormenorizadamente a natureza e finalidade da usucapião especial urbana, a fim de aferir sua compatibilidade, ou não, com o do somatório de posses (assessio posessionis), sobretudo à luz de seu propósito e vocação constitucional.

A partir dos requisitos para o reconhecimento da usucapião especial, depreende-se ser a pessoalidade da posse a característica essencial, porquanto imprescindível que o requerente demonstre servir o imóvel de moradia para si e/ou sua família. Exige-se, assim, a habitação/domicílio efetivo pela família.

Forte em tal característica/requisito, infere-se o caráter personalíssimo ou familiar do instituto, o que permite concluir pela incompatibilidade entre a usucapião especial urbana e o instituto da accessio possessionis, ao pressupor o exercício de posse por pessoas diversas/alheias ao núcleo familiar.

Em sentido consonante, ao consolidar o entendimento doutrinário prevalecente, destaca-se o Enunciado n. 317 aprovado na IV Jornada de Direito Civil, realizada pelo Conselho da Justiça Federal, cujo teor ora se transcreve: "A accessio possessionis de que trata o art. 1.243, primeira parte, do Código Civil não encontra aplicabilidade relativamente aos arts. 1.239 e 1.240 do mesmo diploma legal, em face da normatividade da usucapião constitucional urbano e rural, arts. 183 e 191, respectivamente".

Efetivamente, distancia-se do escopo constitucional entender-se pela compatibilidade entre o instituto da accessio possessionis com a usucapião especial urbana, porquanto inarredável o caráter pessoal e humanitário inerente a essa. Trata-se de modalidade de aquisição da propriedade imóvel singular, com especificidades próprias, a exemplo do prazo relativamente diminuto, comparativamente aos demais modos, bem assim a exigência da finalidade precípua de moradia e de o requerente não ser titular de nenhum outro imóvel urbano ou rural.

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