STJ - Quarta Turma
REsp 1.293.137-BA
Recurso Especial
Relator: Raul Araújo
Julgamento: 11/10/2022
Publicação: 24/10/2022
STJ - Quarta Turma
REsp 1.293.137-BA
Tese Jurídica Simplificada
Mãe biológica pode formular pedido de adoção em relação a filho dado a adoção, desde que este seja maior de idade.
Nossos Comentários
Tese Jurídica Oficial
O pedido de nova adoção formulado pela mãe biológica, em relação à filha adotada por outrem, anteriormente, na infância, não se afigura juridicamente impossível.
Resumo Oficial
De acordo com a nova redação dos arts. 1.618 e 1.619 do CC/2002, a adoção de crianças será regida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. No mesmo sentido a adoção de adultos, que também dependerá da assistência efetiva do Poder Público e de sentença constitutiva, e será regida pela mesma Lei, no que couber.
Portanto, não subsiste mais a discussão em torno de se determinar qual é o documento legal regente das adoções. Atualmente, todas as adoções, sejam de crianças, adolescentes ou adultos, serão regidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, guardadas as particularidades próprias das adoções de adultos.
Contudo, uma vez proposta demanda judicial, o julgamento desta deve ter como referência a lei vigente no momento do ajuizamento da ação. No caso, a demanda foi ajuizada em agosto de 2003, quando a adoção de adultos era regulada pelo Código Civil de 2002.
Então para o julgamento da presente ação de adoção de pessoa maior, deve-se considerar dois aspectos relevantes: a) o regramento aplicável ao pedido de adoção é aquele vigente à época da propositura da ação, ou seja, a redação original dos arts. 1.618 e seguintes do Código Civil de 2002; b) a pessoa maior foi adotada em 1986, antes, portanto, do Estatuto da Criança e do Adolescente, quando era vigente o Código de Menores (Lei n. 6.697/1979).
É inequívoco que a adoção realizada na infância é válida e irrevogável, mesmo considerando-se que foi realizada sob a égide do Código de Menores (art. 37 da Lei n. 6.697/1979). Criou-se novo vínculo de filiação, com a consequente desconstituição do vínculo da adotada com os pais biológicos e parentes consanguíneos, exceto quanto aos impedimentos matrimoniais.
No caso, a genitora ajuizou ação de adoção, no intuito de adotar sua filha biológica, maior de idade e capaz, a qual fora adotada na infância. Com o passar dos anos, mãe e filha biológicas foram se aproximando cada vez mais e passaram a nutrir um desejo recíproco de retornarem a ser mãe e filha, com o que concordam os pais adotivos.
Todavia, na demanda, não se postula a nulidade ou revogação da adoção anterior, mas o deferimento de outra adoção, adoção de pessoa maior, regida pelo Código Civil de 2002, não sujeita (ao tempo da propositura da ação) ao regime especial do Estatuto da Criança e do Adolescente, embora dependendo de procedimento judicial e sentença constitutiva (art. 1.623, parágrafo único, do CC/2002).
A lei não traz expressamente a impossibilidade de se adotar pessoa anteriormente adotada. Basta, portanto, o consentimento das partes envolvidas, ou seja, os pais ou representantes legais, e da concordância do adotando.
Cabe ressaltar que o argumento de que a adoção é irrevogável, consoante a antiga redação do art. 48 do ECA (atual art. 39, § 1º), não conduz à conclusão de que o pedido é juridicamente impossível. Isso, porque a finalidade da irrevogabilidade da adoção é proteger os interesses do menor adotado, em se tratando de criança e adolescente.
Com efeito, o escopo da norma é vedar a revogação da filiação adotiva a fim de evitar que os adotantes simplesmente "arrependam-se" da adoção efetivada, por quaisquer motivos, e "devolvam" a criança ou adolescente adotado, sendo a irrevogabilidade uma medida de proteção, estatuída em favor dos interesses do menor adotado.
Quando o adotado, ao atingir a maioridade, deseja constituir novo vínculo de filiação e concorda com nova adoção, não faz sentido a proteção legal, ficando claro que seus interesses serão melhor preservados com o respeito à sua vontade, livremente manifestada.
A adoção de qualquer pessoa, maior ou menor de dezoito anos, deve "constituir efetivo benefício para o adotando" (CC/2002, art. 1.625), o que corresponde às "reais vantagens" da diretriz do ECA (art. 43), sendo, dessa forma, expressões que se equivalem e induzem ao princípio do melhor interesse.
Portanto, aplicando-se à espécie o regramento do Código Civil de 2002, por se tratar de adoção de pessoa maior e capaz, tem-se que todos os requisitos legais foram preenchidos na situação: a adotante é maior de dezoito anos (art. 1.618); há diferença de idade de dezesseis anos (art. 1.619); houve consentimento dos pais da adotanda e concordância desta (art. 1.621); o meio escolhido foi o processo judicial (art. 1.623); foi assegurada a efetiva assistência do Poder Público (art. 1.623, parágrafo único); o Ministério Público constatou o efetivo benefício para a adotanda (art. 1.625).
Imagine o seguinte caso:
Uma pessoa manifesta seu desejo de entregar seu filho à adoção. Essa criança, aos dois anos, é adotada por uma família previamente habilitada previamente inserida nos cadastros de adoção (a adoção, portanto, foi feita conforme preceitua o ECA e o Código Civil). Essa criança, contudo, não perdeu o contato com a mãe biológica, apesar da adoção e da destituição do poder familiar. Quando a criança completou 18 anos, a mãe biológica ajuíza ação de adoção, com a concordância dos pais adotivos.
O juiz de primeiro grau julgou a ação improcedente, por entender que essa adoção pela mãe biológica contrariava a lei. O argumento para o indeferimento é com base no já revogado art. 1.626 do CC, que preceituava que uma vez transitada em julgado adoção, a adotada perde qualquer vínculo com seus genitores e parentes consanguíneos, exceto no que diz respeito aos impedimentos para o casamento.
A apelação também foi não provida, basicamente sob o mesmo argumento.
O MP, que atuava como fiscal daquela ação de adoção, interpôs Recurso Especial ao STJ alegando o acórdão entrou em desacordo com o procedimento previsto no próprio ECA para a adoção de pessoa maior e capaz.
O STJ, no julgamento desse Resp, entendeu ser possível a adoção da pessoa maior de idade pela própria mãe biológica anteriormente destituída do poder familiar em razão da adoção.
A adotanda tem plena capacidade civil para emitir sua vontade, e essa vontade deve ser respeitada pelas autoridades. Desde que essa vontade seja livremente manifestada, e desde que haja concordância dos pais adotivos, não há qualquer irregularidade no deferimento dessa adoção.
Não há, no ECA, qualquer menção à vedação de adoção por mãe ou pai biológico. A única coisa que o ECA exige para essas adoções de maior de idade é o consentimento livre das pessoas envolvidas, ou seja, dos pais adotivos, da pessoa a ser adotada e do pai ou mãe adotante, indepentente de ser biológica ou não.
Mas a adoção não é irrevogável? Sim. A adoção é irrevogável. Mas isso não significa que em alguns casos específicos não haja a possibilidade de desconstituí-la, em prol do bem estar do próprio adotado. A finalidade dessa característica da adoção é proteger os interesses da criança ou adolescente adotado. O caso em questão não trata de adoção de criança ou adolescente, mas sim de uma pessoa adulta, absolutamente capaz de decidir o que melhor lhe aprouver. Além disso, no caso em questão, sequer haverá revogação da adoção pelos pais adotivos (não biológicos), mas sim de uma segunda adoção, com a superação da primeira.