HC 769.783-RJ

STJ Terceira Seção

Habeas Corpus

Relator: Laurita Vaz

Julgamento: 10/05/2023

Publicação: 23/05/2023

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Tese Jurídica Simplificada

O reconhecimento de pessoas deve ser valorado como os outros meios de prova e não prepondera sobre eles.

Nossos Comentários

Art. 226 do Código de Processo Penal

Segundo a redação do art.226 do CPP: 

Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:

I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida;

II - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;

III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela;

IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.

Parágrafo único. O disposto no no III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento.

Há muito discute-se na doutrina e jurisprudência se o procedimento do reconhecimento pessoal veiculado no art.226 é uma obrigação ou mera recomendação.

O reconhecimento ocorre quando a vítima do delito é levada a reconhecer alguém/algo que poderia ter relação com o delito. Trata-se de ato formal que pode ocorrer antes do processo ou durante ou processo e visa garantir a legitimidade da prova.

O procedimento é o seguinte: o juiz ou a autoridade policial coloca o investigado/acusado ao lado de pelo menos cinco pessoas que possuam semelhanças físicas entre elas (inciso II), de acordo com a descrição feita pelo ofendido (inciso I). Caso exista algum temor de intimidação da vítima, esta não deve ser vista pelos investigados/acusados no momento do reconhecimento (inciso III).

Obrigatoriedade da formalidade

A partir de 2020, após o julgamento do HC nº 598.886, os Tribunais Superiores passaram a ter um entendimento mais estrito quanto à necessidade do reconhecimento pessoal. Consideraram como obrigatório. 

Julgado

Nos autos, o Ministro relator apontou que:

  1. A condenação encontra-se amparada somente no depoimento da vítima e nos reconhecimentos da fase extrajudicial e em juízo;
  2. Não foram ouvidas outras testemunhas de acusação;
  3. O objeto do furto não foi apreendido em poder do acusado; e
  4. O réu negou a imputação.

Portanto, considerou o reconhecimento eivado de graves incongruências, as quais não podem ser sanadas pela quantidade de vezes em que ele foi reconhecido em outros processos.

O STJ entendeu que desde que respeitadas as exigências legais, o reconhecimento de pessoas pode ser valorado. Entretanto, isso não significa que em qualquer caso a identificação é prova cabal e irrefutável. A sua força probante não é absoluta e não pode, isoladamente, provar a autoria delitiva. 

Segundo a decisão, há diferentes graus de confiabilidade de um reconhecimento.

Se decorrido curto lapso temporal entre o crime e o ato e se a descrição do suspeito é precisa, isenta de contradições e de alterações com o passar do tempo a prova merece maior prestígio. No entanto, nos casos em que já decorrido muito tempo desde a prática do delito, quando há contradições na descrição. Ademais, a confirmação, em juízo, do reconhecimento fotográfico extrajudicial, por si só, não torna o ato seguro e isento de erros involuntários.

No caso, considerando que a condenação se pautou apenas nos reconhecimentos pela vítima e que existem divergências e inconsistências nesta prova, há dúvida razoável a respeito da autoria. Por isso, cabível o in dubio pro reo.

Em resumo: o reconhecimento de pessoas deve ser valorado como os outros meios de prova e não prepondera sobre eles.


Tese Jurídica Oficial

O reconhecimento de pessoas que obedece às disposições legais não prepondera sobre quaisquer outros meios de prova (confissão, testemunha, perícia, acareação); ao contrário, deve ser valorado como os demais.

Desde que respeitadas as exigências legais, o reconhecimento de pessoas pode ser valorado pelo Julgador. Isso não significa admitir que, em todo e qualquer caso, a afirmação do ofendido de que identifica determinada pessoa como o agente do crime seja prova cabal e irrefutável. Do contrário, a função dos órgãos de Estado encarregados da investigação e da acusação (Polícia e Ministério Público) seria relegada a segundo plano. O Magistrado, por sua vez, estaria reduzido à função homologatória da acusação formalizada pelo ofendido.

Consoante jurisprudência do STJ, o reconhecimento positivo, que respeite as exigências legais "é válido, sem, todavia, força probante absoluta, de sorte que não pode induzir, por si só, à certeza da autoria delitiva, em razão de sua fragilidade epistêmica" (HC 712.781/RJ, Rel. Ministro Rogerio Schietti).

Há diferentes graus de confiabilidade de um reconhecimento. Se decorrido curto lapso temporal entre o crime e o ato e se a descrição do suspeito é precisa, isenta de contradições e de alterações com o passar do tempo - o que não ocorre no caso em tela - a prova, de fato, merece maior prestígio.

No entanto, em algumas hipóteses o reconhecimento deve ser valorado com maior cautela, como, por exemplo, nos casos em que já decorrido muito tempo desde a prática do delito, quando há contradições na descrição declarada pela vítima e até mesmo na situação em que esse relato porventura não venha a corresponder às reais características físicas do suspeito apontado.

A confirmação, em juízo, do reconhecimento fotográfico extrajudicial, por si só, não torna o ato seguro e isento de erros involuntários, pois "uma vez que a testemunha ou a vítima reconhece alguém como o autor do delito, há tendência, por um viés de confirmação, a repetir a mesma resposta em reconhecimentos futuros, pois sua memória estará mais ativa e predisposta a tanto" (STJ, HC 712.781/RJ, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 15/3/2022, DJe 22/3/2022).

No caso, é incontroverso nos autos que (i) a condenação do paciente encontra-se amparada tão somente no depoimento da vítima e nos reconhecimentos realizados na fase extrajudicial e em juízo; (ii) não foram ouvidas outras testemunhas de acusação; (iii) a res furtiva não foi apreendida em poder do acusado; e (iv) o réu negou a imputação que lhe foi dirigida. Portanto, as graves incongruências no reconhecimento do paciente não podem ser sanadas apenas em razão da quantidade de vezes em que este foi reconhecido em outros feitos.

Com efeito, considerando que o decreto condenatório está amparado tão somente nos reconhecimentos formalizados pela vítima e, ainda, as divergências e inconsistências na referida prova, aferíveis de plano, conclui-se que há dúvida razoável a respeito da autoria delitiva, razão pela qual é necessário adotar a regra de julgamento que decorre da máxima in dubio pro reo, tendo em vista que o ônus de provar a imputação recai sobre a acusação.

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