Originária do direito francês, a teoria da perda de uma chance (perte d'une chance) foi concebida no âmbito da responsabilidade civil para considerar indenizável a perda da oportunidade de se alcançar um resultado favorável, de ocorrência futura, incerta e dependente de fatores não submetidos ao controle total das partes envolvidas. Segundo a teoria, a vítima de um ilícito civil tem direito à reparação quando esse ato lhe subtrair a chance de, exercendo suas competências, chegar a determinada situação que lhe seria vantajosa, mesmo na impossibilidade de garantir que tal situação se implementaria no futuro não fosse a prática do ato ilícito.
A transposição da perte d'une chance do direito civil para o processo penal é uma ideia original de ALEXANDRE MORAIS DA ROSA e FERNANDA MAMBRINI RUDOLFO.
Inconformados com a baixa qualidade de investigações policiais, os juristas argumentam que quando o Ministério Público se satisfaz em produzir o mínimo de prova possível - por exemplo, arrolando como testemunhas somente os policiais que prenderam o réu em flagrante -, é na prática tirada da defesa a possibilidade de questionar a denúncia. Por isso, a acusação não pode deixar de realmente investigar o caso, transferindo à defesa o ônus de fazê-lo. Ao contrário, a polícia e o Ministério Público devem buscar o que os autores chamam de comprovação externa do delito: a prova que, sem guardar relação de dependência com a narrativa montada pela instituição estatal, seja capaz de corroborá-la.
Nessa perspectiva, quando há outras provas em tese possíveis para auxiliar o esclarecimento dos fatos, é ônus do Parquet produzi-las, ou então justificar a inviabilidade de sua produção. Diversos exemplos práticos ilustram a aplicabilidade da teoria. Para mencionar alguns: (I) se há testemunhas oculares do delito, a condenação não pode prescindir de sua prévia ouvida em juízo e fundamentar-se em testemunhos indiretos; (II) existindo câmeras de vigilância no local de um crime violento, a juntada da filmagem aos autos é necessária para aferir as reais condições em que ocorreu o delito e avaliar sua autoria ou excludentes de ilicitude; (III) sendo possível a consulta aos dados de geolocalização de aparelho celular do réu, a fim de verificar se estava na cena do crime, a produção da prova é necessária; e (IV) havendo coleta de sêmen do agressor em um caso de estupro, deve ser realizado exame de DNA para confirmar sua identidade.
Às ponderações dos autores, acrescento que a prova imprescindível é aquela que, se fosse produzida, poderia em tese levar a um de dois resultados: (I) demonstrar a inocência do acusado ou (II) confirmar a procedência da acusação. Faço essa diferenciação porque, se a prova diz respeito apenas à inocência do réu, mas sem guardar pertinência direta com a narrativa da denúncia (porquanto incapaz de confirmar seus fatos caso produzida), é ônus exclusivo da defesa apresentá-la. O melhor exemplo dessa hipótese é a prova relativa ao álibi do réu.
Imagine-se que, acusado de um crime violento, o demandado pretenda comprovar com documento (registro de frequência em seu ambiente de trabalho, exemplificativamente) que se encontrava em outro local no momento do crime. Nesse caso, a eventual produção da prova até poderá demonstrar sua inocência, mas como não guarda nenhuma relação com os fatos da denúncia em si, é ônus exclusivo da defesa produzi-la. É certo que, não logrando o acusado êxito na comprovação do álibi, ainda assim poderá ser absolvido, porque permanece incólume o ônus probatório do Ministério Público quanto aos fatos da imputação por ele formulada.
Diferentemente, se a prova se refere a um fato exposto na denúncia e, a depender do resultado de sua produção, pode em tese gerar a absolvição ou condenação do réu, o Parquet não pode dispensá-la, sob pena de incorrer na perda da chance probatória. Aqui se inserem, dentre muitas outras, as quatro situações que exemplifiquei acima: a ouvida de testemunhas oculares, a juntada do registro do crime em vídeo, os dados de geolocalização, o exame de DNA... Essa distinção que proponho respeita a tradicional compreensão jurisprudencial de que, nos termos do art. 156 do CPP, a prova que interessa exclusivamente à defesa (como o álibi) deve ser por ela produzida, ao mesmo tempo em que impede a acusação de agir como fez o MP/AL nestes autos, apresentando somente um mínimo de provas e ignorando diversas outras linhas de extrema relevância.
Ficam excluídas dessa determinação, certamente, as provas irrelevantes e protelatórias, nos termos do art. 400, § 1º, do CPP, que nada acresceriam à apuração dos fatos. O conceito de irrelevância, aqui, se atrela à formulação de ROSA e RUDOLFO: irrelevante é a prova incapaz de, mesmo em tese, conduzir à absolvição do réu (ou, acrescento eu, confirmar a acusação) caso produzida, como a ouvida testemunhas de caráter, apenas para trazer um exemplo.
Originária do direito francês, a teoria da perda de uma chance (perte d'une chance) foi concebida no âmbito da responsabilidade civil para considerar indenizável a perda da oportunidade de se alcançar um resultado favorável, de ocorrência futura, incerta e dependente de fatores não submetidos ao controle total das partes envolvidas. Segundo a teoria, a vítima de um ilícito civil tem direito à reparação quando esse ato lhe subtrair a chance de, exercendo suas competências, chegar a determinada situação que lhe seria vantajosa, mesmo na impossibilidade de garantir que tal situação se implementaria no futuro não fosse a prática do ato ilícito.
A transposição da perte d'une chance do direito civil para o processo penal é uma ideia original de ALEXANDRE MORAIS DA ROSA e FERNANDA MAMBRINI RUDOLFO.
Inconformados com a baixa qualidade de investigações policiais, os juristas argumentam que quando o Ministério Público se satisfaz em produzir o mínimo de prova possível - por exemplo, arrolando como testemunhas somente os policiais que prenderam o réu em flagrante -, é na prática tirada da defesa a possibilidade de questionar a denúncia. Por isso, a acusação não pode deixar de realmente investigar o caso, transferindo à defesa o ônus de fazê-lo. Ao contrário, a polícia e o Ministério Público devem buscar o que os autores chamam de comprovação externa do delito: a prova que, sem guardar relação de dependência com a narrativa montada pela instituição estatal, seja capaz de corroborá-la.
Nessa perspectiva, quando há outras provas em tese possíveis para auxiliar o esclarecimento dos fatos, é ônus do Parquet produzi-las, ou então justificar a inviabilidade de sua produção. Diversos exemplos práticos ilustram a aplicabilidade da teoria. Para mencionar alguns: (I) se há testemunhas oculares do delito, a condenação não pode prescindir de sua prévia ouvida em juízo e fundamentar-se em testemunhos indiretos; (II) existindo câmeras de vigilância no local de um crime violento, a juntada da filmagem aos autos é necessária para aferir as reais condições em que ocorreu o delito e avaliar sua autoria ou excludentes de ilicitude; (III) sendo possível a consulta aos dados de geolocalização de aparelho celular do réu, a fim de verificar se estava na cena do crime, a produção da prova é necessária; e (IV) havendo coleta de sêmen do agressor em um caso de estupro, deve ser realizado exame de DNA para confirmar sua identidade.
Às ponderações dos autores, acrescento que a prova imprescindível é aquela que, se fosse produzida, poderia em tese levar a um de dois resultados: (I) demonstrar a inocência do acusado ou (II) confirmar a procedência da acusação. Faço essa diferenciação porque, se a prova diz respeito apenas à inocência do réu, mas sem guardar pertinência direta com a narrativa da denúncia (porquanto incapaz de confirmar seus fatos caso produzida), é ônus exclusivo da defesa apresentá-la. O melhor exemplo dessa hipótese é a prova relativa ao álibi do réu.
Imagine-se que, acusado de um crime violento, o demandado pretenda comprovar com documento (registro de frequência em seu ambiente de trabalho, exemplificativamente) que se encontrava em outro local no momento do crime. Nesse caso, a eventual produção da prova até poderá demonstrar sua inocência, mas como não guarda nenhuma relação com os fatos da denúncia em si, é ônus exclusivo da defesa produzi-la. É certo que, não logrando o acusado êxito na comprovação do álibi, ainda assim poderá ser absolvido, porque permanece incólume o ônus probatório do Ministério Público quanto aos fatos da imputação por ele formulada.
Diferentemente, se a prova se refere a um fato exposto na denúncia e, a depender do resultado de sua produção, pode em tese gerar a absolvição ou condenação do réu, o Parquet não pode dispensá-la, sob pena de incorrer na perda da chance probatória. Aqui se inserem, dentre muitas outras, as quatro situações que exemplifiquei acima: a ouvida de testemunhas oculares, a juntada do registro do crime em vídeo, os dados de geolocalização, o exame de DNA... Essa distinção que proponho respeita a tradicional compreensão jurisprudencial de que, nos termos do art. 156 do CPP, a prova que interessa exclusivamente à defesa (como o álibi) deve ser por ela produzida, ao mesmo tempo em que impede a acusação de agir como fez o MP/AL nestes autos, apresentando somente um mínimo de provas e ignorando diversas outras linhas de extrema relevância.
Ficam excluídas dessa determinação, certamente, as provas irrelevantes e protelatórias, nos termos do art. 400, § 1º, do CPP, que nada acresceriam à apuração dos fatos. O conceito de irrelevância, aqui, se atrela à formulação de ROSA e RUDOLFO: irrelevante é a prova incapaz de, mesmo em tese, conduzir à absolvição do réu (ou, acrescento eu, confirmar a acusação) caso produzida, como a ouvida testemunhas de caráter, apenas para trazer um exemplo.