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STJ - Sexta Turma

AgRg no HC 729.836-MS

Agravo Regimental no Habeas Corpus

Relator: Laurita Vaz

Julgamento: 27/04/2023

Publicação: 02/05/2023

STJ - Sexta Turma

AgRg no HC 729.836-MS

Tese Jurídica Simplificada

A sinalização do cão de faro, seguida de abordagem a suposto usuário saindo do local, desacompanhada de outra diligência investigativa ou elemento concreto indicando a necessidade de imediata ação policial, não justifica a dispensa do mandado judicial para o ingresso em domicílio.

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Nossos Comentários

Ingresso em domicílio 

O §2º do art.283 do CP estabelece que a prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio, previstas no art.5º, XI, da CF:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

Assim, o cumprimento de um mandado de prisão ou mandado decorrente de uma sentença penal condenatória transitado em julgado só pode ser realizado durante o dia, salvo se houver consentimento do morador para ingresso no imóvel. Nos casos de flagrante delito, é possível a entrada no imóvel em qualquer momento.

Ainda, segundo o art.293 do CPP, no período da noite, o executor do mandado não poderá adentrar no imóvel sem consentimento do morador, salvo caso de flagrante. O morador que se recusar a entregar o sujeito procurado será conduzido a presença da autoridade policial:

Art. 293.  Se o executor do mandado verificar, com segurança, que o réu entrou ou se encontra em alguma casa, o morador será intimado a entregá-lo, à vista da ordem de prisão. Se não for obedecido imediatamente, o executor convocará duas testemunhas e, sendo dia, entrará à força na casa, arrombando as portas, se preciso; sendo noite, o executor, depois da intimação ao morador, se não for atendido, fará guardar todas as saídas, tornando a casa incomunicável, e, logo que amanheça, arrombará as portas e efetuará a prisão.

Parágrafo único.  O morador que se recusar a entregar o réu oculto em sua casa será levado à presença da autoridade, para que se proceda contra ele como for de direito.

Parte da doutrina entende que o mandado de prisão por si só não autoriza o ingresso no domicílio, sendo também necessário que o juiz expeça um mandado de busca e apreensão.

No caso de prisão em flagrante, observa-se o disposto no art.293 do CPP apenas naquilo em que for aplicável. Pode-se adentrar na residência até mesmo no período noturno.

Caso

Trata-se de julgamento de agravo regimental. Portanto, a parte interessada propôs esse recurso para combater decisão anterior do próprio STJ. No caso, a decisão agravada foi de um Habeas Corpus.  

No caso, o paciente (agravante) foi condenado em primeira instância a 6 anos de reclusão em regime inicial fechado e 600 dias-multa pela prática de tráfico de drogas.

O acusado apelou e lhe foi dado parcial provimento, reduzindo sua pena para 5 anos, 3 meses e 525 dias-multa em regime prisional fechado. 

A defesa, então, impetrou habeas corpus no Tribunal de origem que denegou a ordem. Também impetrou HC no STJ, sustentando a nulidade da condenação porque houve ingresso forçado no domicílio do réu, sem fundadas razões e sem mandado judicial. 

O STJ denegou o HC e a defesa apresentou o agravo interno, pedindo reconsideração. 

Julgamento

No julgamento do agravo interno a relatora reconsiderou a decisão anterior, a qual fora denegatória. 

Nesta oportunidade, mencionou o art.5º, XI da CF, afirmando que a casa é asilo inviolável e, no caso em tela, só poderia ser penetrada sem consentimento do morador por determinação judicial durante o dia ou em qualquer período no caso de flagrante delito.

Aponta que a jurisprudência anterior do STJ era no sentido de que, em casos de tráfico, como a consumação do delito se alonga no tempo, tratar-se-ia de crime permanente, hipótese de exceção à inviolabilidade do art.5º, XI da CF. Ou seja, os policiais poderiam ingressar no domicílio sem autorização judicial por ser caso de flagrante delito, sem ressalvas. 

Entretanto, sinalizou que a jurisprudência da Corte foi alterada. Citou o entendimento de Gilmar Mendes no julgamento do REx nº 603.616/RO. Nele, o ministro aponta que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori.

Ainda, a Sexta Turma do STJ julgou em março de 2021 o HC 598.051/SP no qual estabeleceu diretrizes e parâmetros para reconhecer a existência de fundada suspeita de flagrante delito. 

No caso em tela, o cão de faro indicou a varanda da casa do réu no momento em que um terceiro saía dela afirmando que comprara uma porção de maconha e feito uso no local. Após, foram recepcionados pelo réu e encontraram várias porções de maconha na residência, além de pasta base de cocaína, dinheiro e balança de precisão.

A ministra relatora considerou que a mera sinalização do cão seguida da abordagem do usuário - que não foi ouvido em juízo - saindo do local, desacompanhada de outra diligência investigativa ou outro elemento concreto indicando necessidade de imediata ação policial não justificam, por si, a dispensa do mandado para o ingresso em domicílio.

Ademais, o STJ já afirmou que para não deixar dúvidas sobre a legalidade do ingresso na residência, deve ser assinada declaração pela pessoa que autorizou o ingresso. No caso, não há prova documental de que houve tal autorização e a palavra dos policiais não encontra respaldo em nenhum outro elemento probatório. 

Assim, o acusado foi absolvido.

Em resumo: a sinalização do cão de faro, seguida de abordagem a suposto usuário saindo do local, desacompanhada de outra diligência investigativa ou elemento concreto indicando a necessidade de imediata ação policial, não justifica a dispensa do mandado judicial para o ingresso em domicílio.

Tese Jurídica Oficial

A mera sinalização do cão de faro, seguida de abordagem a suposto usuário saindo do local, desacompanhada de qualquer outra diligência investigativa ou outro elemento concreto indicando a necessidade de imediata ação policial, não justifica a dispensa do mandado judicial para o ingresso em domicílio.

Resumo Oficial

De início, destaca-se que "é pacífico, nesta Corte, o entendimento de que, nos crimes permanentes, tal qual o tráfico de drogas, o estado de flagrância se protrai no tempo, o que não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de que naquele momento, dentro da residência, haveria situação de flagrante delito" (AgRg no AREsp 1.512.826/PR, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 18/2/2020, DJe 27/2/2020).

No caso, o Tribunal de origem consignou que durante abordagem realizada na casa do vizinho do acusado, na qual os policiais utilizavam-se de um cão de faro, o animal sinalizou para a casa do Paciente, ocasião em que este foi abordado e franqueou a entrada dos policiais no imóvel.

Todavia, não há nenhuma comprovação documental de que houve autorização voluntária e livre de coação para o ingresso no domicílio do acusado. Além disso, a palavra dos agentes policiais acerca da suposta autorização não encontra respaldo em nenhum outro elemento probatório, sendo certo que no depoimento extrajudicial do acusado não há registro sobre o seu consentimento.

Ressalta-se que o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que "como forma de não deixar dúvidas sobre a sua legalidade, a prova da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe ao Estado, devendo ser realizada com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato" (HC 728.920/GO, Rel. Ministro Olindo Menezes, Desembargador Convocado do TRF da 1ª Região, Sexta Turma, julgado em 14/6/2022, DJe 20/6/2022).

No mais, a mera sinalização do cão de faro, seguida da abordagem de um suposto usuário - que não foi ouvido em juízo - saindo do local, desacompanhada de qualquer outra diligência investigativa ou outro elemento concreto indicando a necessidade de imediata ação policial naquele momento, não justifica, por si só, a dispensa do mandado judicial para o ingresso em domicílio.

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