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STF - Plenário

RE 633.782-MG

Recurso Extraordinário

Paradigma

Relator: Luiz Fux

Julgamento: 23/10/2020

Publicação: 25/11/2020

STF - Plenário

RE 633.782-MG

Tese Jurídica Simplificada

É constitucional a delegação do poder de polícia, por meio de lei, a empresas estatais de capital social majoritariamente público que prestem exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial.

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Conceitos preliminares

No contexto dos poderes administrativos, o poder de polícia representa um poder de restrição ao exercício de liberdades individuais e ao uso da propriedade privada em prol do interesse público. A polícia administrativa está regulada no artigo 78 do Código Tributário Nacional:

 Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

A doutrina entende que o poder de polícia passa por 4 ciclos:

  1. Norma de polícia: trata-se da restrição. Por exemplo: "não estacione".
  2. Fiscalização de polícia: ato de fiscalizar;
  3. Consentimento de polícia: licença e autorização, por exemplo.
  4. Sanção de polícia: multa, por exemplo.

Para a doutrina moderna, somente os atos de fiscalização e consentimento podem ser delegados a particulares, enquanto os atos punitivos não podem ser delegados.

Assim, a instalação de radares, por exemplo, pode ser delegada aos particulares, por tratar-se de um ato de fiscalização. Contudo, o julgamento da multa não pode ser delegado.

Contexto

O caso envolve uma decisão proferida pelo STJ em 2009 afirmando que a Empresa de Transporte de Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans), responsável pela coordenação do trânsito na capital mineira, não teria o poder de aplicar multas.

Na linha do que diz a doutrina, a Corte havia entendido que somente os atos de consentimento e fiscalização poderiam ser delegados, haja vista que os atos de sanção provêm do poder de coerção da Administração Pública, o qual é indelegável às pessoas jurídicas de direito privado.

Por tratar-se de uma sociedade de economia mista com fins empresariais, foi fixado o entendimento de que era impossível a transferência do poder de polícia. 

Julgamento

Já no STF, prevaleceu o entendimento de que a indelegabilidade do poder de polícia a pessoas jurídicas de direito privado não possui caráter absoluto, podendo ser desconsiderada quando se tratar de entidades pertencentes à administração indireta que prestem somente serviço público de atuação própria do Estado. Além disso, seu capital social deverá ser majoritariamente público, devendo atuar em regime não concorrencial e sem objetivo de lucro.

A composição acionária da BHTrans pertence 98% à Prefeitura de Belo Horizonte e os outros 2% são distribuídos entre a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap) e a Empresa de Informática e Informação do Município de Belo Horizonte (Prodabel).

A Corte destacou que o fato de a pessoa jurídica integrante da Administração Público indireta destinatária da delegação da atividade de polícia administrativa ser constituída sob a roupagem do regime privado não a impede de exercer a função pública de polícia administrativa.

Ressalta que o regime jurídico híbrido das empresas estatais que prestam serviço público em regime de monopólio é plenamente compatível com a delegação, do mesmo modo em que se admite a delegação da atividade de polícia a entidades de direito público. Isso porque a incidência de normas de direito público em relação às empresas estatais prestadoras de serviço público busca aproximar essas entidades do regime de direito público, do regime fazendário, fazendo com que desempenhem atividade própria do Estado.

A Constituição, ao autorizar a criação de empresas estatais que prestam serviço público de atuação típica do Estado, autoriza, consequentemente, a delegação dos meios necessários à realização do serviço público delegado, sob pena de inviabilizar a atuação desas entidades na prestação de serviços públicos.

A única fase do ciclo de polícia que não pode ser delegada é a função legislativa, ou seja, as normas de polícia, pois a competência legislativa é restrita aos entes públicos dispostos na CF, sendo proibida sua delegação fora das hipóteses expressamente autorizadas pelo texto constitucional.

Diante disso, conclui-se que é constitucional a delegação do poder de polícia, por meio de lei, a empresas estatais de capital social majoritariamente público que prestem exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial.

Tese Jurídica Oficial

É constitucional a delegação do poder de polícia, por meio de lei, a pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração Pública indireta de capital social majoritariamente público que prestem exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial.

Resumo Oficial

O fato de a pessoa jurídica integrante da Administração Pública indireta destinatária da delegação da atividade de polícia administrativa ser constituída sob a roupagem do regime privado não a impede de exercer a função pública de polícia administrativa.

O regime jurídico híbrido das estatais prestadoras de serviço público em regime de monopólio é plenamente compatível com a delegação, nos mesmos termos em que se admite a constitucionalidade do exercício delegado de atividade de polícia por entidades de regime jurídico de direito público. Isso porque a incidência de normas de direito público em relação àquelas entidades da Administração indireta tem o condão de as aproximar do regime de direito público, do regime fazendário e acabar por desempenhar atividade própria do Estado.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao desdobrar o ciclo de polícia, entende que somente os atos relativos ao consentimento e à fiscalização são delegáveis, pois aqueles referentes à legislação e à sanção derivam do poder de coerção do Poder Público. Segundo a teoria do ciclo de polícia, o atributo da coercibilidade é identificado na fase de sanção de polícia e caracteriza-se pela aptidão que o ato de polícia possui de criar unilateralmente uma obrigação a ser adimplida pelo seu destinatário.

Apesar da substancialidade da tese, verifica-se que, em relação às estatais prestadoras de serviço público de atuação própria do Estado e em regime de monopólio, não há razão para o afastamento do atributo da coercibilidade inerente ao exercício do poder de polícia, sob pena de esvaziamento da finalidade para a qual aquelas entidades foram criadas.

A Constituição da República, ao autorizar a criação de empresas públicas e sociedades de economia mista que tenham por objeto exclusivo a prestação de serviços públicos de atuação típica do Estado, autoriza, consequentemente, a delegação dos meios necessários à realização do serviço público delegado, sob pena de restar inviabilizada a atuação dessas entidades na prestação de serviços públicos.

Por outro lado, cumpre ressaltar a única fase do ciclo de polícia que, por sua natureza, é absolutamente indelegável: a ordem de polícia, ou seja, a função legislativa. A competência legislativa é restrita aos entes públicos previstos na Constituição da República, sendo vedada sua delegação, fora das hipóteses expressamente autorizadas no tecido constitucional, a pessoas jurídicas de direito privado.

Em suma, os atos de consentimento, de fiscalização e de aplicação de sanções podem ser delegados a estatais que possam ter um regime jurídico próximo daquele aplicável à Fazenda Pública.

Na espécie, cuida-se de recurso extraordinário contra acórdão do STJ o qual prestigiou a tese de que somente os atos relativos ao consentimento e à fiscalização seriam delegáveis.

Diante disso, o Tribunal, por maioria, ao apreciar o Tema 532 da repercussão geral, conheceu e deu provimento a recurso extraordinário para reconhecer a compatibilidade constitucional da delegação da atividade de policiamento de trânsito à empresa, nos limites da tese jurídica objetivamente fixada pelo Pleno.

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