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STF - Plenário

ADPF 607-DF

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

Relator: Dias Toffoli

Julgamento: 25/03/2022

Publicação: 01/04/2022

STF - Plenário

ADPF 607-DF

Tese Jurídica Simplificada

O chefe do Executivo não pode tratar, mediante decreto, sobre o remanejamento dos cargos em comissão destinados aos peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), a exoneração de seus ocupantes e a transformação dessa atividade em prestação de serviço público relevante não remunerado.

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Contexto

A Procuradoria-Geral da República ajuizou a ADPF em questão pedindo a suspensão da eficácia do Decreto 9.831/2019, editado pela Presidência da República. O Decreto remanejou os 11 cargos de perito do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) para o Ministério da Economia, exonerou aqueles que ocupavam esses cargos e tornou o trabalho não remunerado.

O MNPCT, criado pela Lei 12.847/13, é o órgão responsável pela prevenção e combate à tortura e a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, nos termos do art. 3º do Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. 

O órgão é composto por 11 especialistas independentes (peritos), os quais têm acesso às instalações de privação de liberdade, como centros de detenção, estabelecimento penal, hospital psiquiátrico, abrigo de pessoa idosa, instituição socioeducativa ou centro militar de detenção disciplinar. Verificadas eventuais violações, esses peritos elaborarão relatórios com recomendações às demais autoridades competentes, que poderão usá-los para adotar as devidas providências.

Com o referido Decreto 9.831/2019, a participação no MNPCT passou a ser considerada "prestação de serviço público relevante, não remunerada".

Um ato infralegal, como o Decreto em questão, pode tratar sobre esses temas?

Poder Regulamentar

Dentre os poderes da Administração Pública, destaca-se o poder normativo, que serve para edição de normas gerais e abstratas dentro dos limites da lei. Não se trata de poder legislativo, poque é inferior à lei e serve para facilitar a sua aplicação. Tal poder se exterioriza por meio de resoluções, instruções normativas e regulamentos.

O regulamento é um ato administrativo privativo do chefe do Executivo que se apresenta sob a forma de decreto. Sendo assim, o chefe do Executivo detém o poder regulamentar, que é o poder para expedir regulamentos. O poder regulamentar é uma espécie do gênero poder normativo.

Os regulamentos se dividem em dois grupos:

  • regulamento executivo: expedido para fiel execução da lei, para facilitar a execução do texto legal;
  • regulamento autônomo: o art. 84, VI, da CF prevê que o Presidente da República pode:

Art. 84 [...]

VI - dispor, mediante decreto, sobre:         

a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; 

b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;  

O Decreto 9.831/2019, que é objeto de análise do caso, foi editado pelo Presidente no uso da atribuição prevista no mencionado art. 84, VI, "a", da CF. Sendo assim, é um regulamento/decreto autônomo.

No entendimento do Supremo, houve abuso do poder regulamentar por parte do chefe do Executivo, desrespeitando a separação dos Poderes. Isso porque as medidas implementadas por meio do decreto, que é ato infralegal, levam ao esvaziamento de políticas públicas previstas na Lei 12.847/2013, que criou o MNPCT.

No caso, a violação se mostra grave, diante do potencial desmonte de órgão cuja competência é a prevenção e o combate à tortura. Tornar a atividade um serviço público não remunerado impossibilita que o trabalho seja feito com dedicação integral e desestimula profissionais especializados a integrarem o corpo técnico do órgão.

Além disso, tais medidas colocam o Brasil em situação de descumprimento de obrigação assumida perante a comunidade internacional e incorporada no ordenamento jurídico pátrio, pois contraria o Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (Decreto 6.085/2007), por meio do qual o país se obrigou “a tornar disponíveis todos os recursos necessários para o funcionamento dos mecanismos preventivos nacionais”.

Com isso, o Plenário declarou a inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos e expressões:

  • arts. 1º, 2º (por arrastamento), 3º e 4º do Decreto 9.831/2019;
  • expressão "designados" do art. 10, caput, do Decreto 8.154/2013, conferindo interpretação conforme ao dispositivo para que se entenda que os peritos do MNPCT devem ser nomeados para cargo em comissão.

Como consequência, o Plenário determinou que fosse reestabelecida a destinação de 11 cargos em comissão do Grupo Direção e Assessoramento Superiores - DAS 102.4 - ou cargo equivalente - aos peritos do MNPCT, garantida a respectiva remuneração.

Em resumo, o chefe do Executivo não pode tratar, mediante decreto, sobre o remanejamento dos cargos em comissão destinados aos peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), a exoneração de seus ocupantes e a transformação dessa atividade em prestação de serviço público relevante não remunerado.

Tese Jurídica Oficial

São indevidos, mediante decreto, o remanejamento dos cargos em comissão destinados aos peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), a exoneração de seus ocupantes e a transformação dessa atividade em prestação de serviço público relevante não remunerado.

Resumo Oficial

Tais medidas, implementadas por meio de ato infralegal (Decreto 9.813/2019), levam ao esvaziamento de políticas públicas previstas na Lei 12.847/2013, o que importa em abuso do poder regulamentar e, por conseguinte, desrespeito à separação dos Poderes.

Na espécie, a violação se mostra especialmente grave, diante do potencial desmonte de órgão cuja competência é a prevenção e o combate à tortura. A transformação da atividade em serviço público não remunerado impossibilita que o trabalho seja feito com dedicação integral e desestimula profissionais especializados a integrarem o corpo técnico do órgão.

Ademais, essas medidas colocam o Brasil em situação de descumprimento de obrigação assumida perante a comunidade internacional e internalizada no âmbito do ordenamento jurídico pátrio, pois vai de encontro à disciplina do Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (Decreto 6.085/2007), mediante o qual o País se obrigou “a tornar disponíveis todos os recursos necessários para o funcionamento dos mecanismos preventivos nacionais”.

Com base nesse entendimento, o Plenário declarou a inconstitucionalidade dos arts. 1º, 2º (por arrastamento), 3º e 4º, este último na parte em que altera o § 5º do art. 10 do Decreto 8.154/2013, todos do Decreto 9.831/2019, bem como da expressão “designados” do caput do mencionado art. 10 do Decreto 8.154/2013, conferindo interpretação conforme ao dispositivo para que se entenda que os peritos do MNPCT devem ser nomeados para cargo em comissão, devendo, por consequência dessa decisão, ser restabelecida a destinação de 11 cargos em comissão do Grupo Direção e Assessoramento Superiores - DAS 102.4 — ou cargo equivalente — aos peritos do MNPCT, garantida a respectiva remuneração.

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