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STF - Plenário

ADI 2.238-DF

Ação Direta de Inconstitucionalidade

Relator: Alexandre de Moraes

Julgamento: 24/06/2020

Publicação: 15/09/2020

STF - Plenário

ADI 2.238-DF

Tese Jurídica

ADIN ajuizada contra diversos dispositivos da Lei Complementar (LC) 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF) foi julgada parcialmente procedente pelo STF.

Resumo Oficial

O Plenário, em conclusão, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra diversos dispositivos da Lei Complementar (LC) 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF), que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, e da Medida Provisória 1980-18/2000, que dispõe sobre as relações financeiras entre a União e o Banco Central do Brasil.

Preliminarmente, o colegiado não conheceu da ação quanto aos arts. 7º, §§ 2º e 3º, da LRF e aos arts. 3º, II, e 4º da Medida Provisória 1980-18/2000. Asseverou a total ausência de paradigma constitucional invocado. Além disso, observou que a medida provisória impugnada foi reeditada diversas vezes, sem que as novas edições houvessem sido acompanhadas de pedido de aditamento da petição inicial. Não conheceu da ação também quanto ao art. 15 da LRF, por ausência de impugnação de todo o complexo normativo necessário. Julgou a ação prejudicada quanto aos arts. 30, I, e 72 da LRF, por exaurimento da eficácia das normas. Reforçou motivos já apresentados no julgamento da medida cautelar (Informativos 204, 206, 218, 267, 297 e 475).

No que tange ao mérito, a Corte julgou improcedente a alegação da inconstitucionalidade formal da LRF. Isso porque houve respeito ao devido processo legislativo. Além disso, o fato de ter se referido à lei complementar no singular, e não no plural, não significa que todas as matérias elencadas nos incisos do art. 163 da Constituição Federal (CF) devessem ser disciplinadas por um mesmo diploma legislativo, mas sim a imposição constitucional de uma espécie normativa específica para regulamentar as matérias previstas nesse artigo. 

O Tribunal julgou improcedente, também, a apontada inconstitucionalidade material dos arts. 4º, § 2º, II, e § 4º; 7º, caput e § 1º; 11, parágrafo único; 14, II; 17, §§ 1º a 7º; 18, § 1º; 20; 24; 26, § 1º; 28, § 2º; 29, I, e § 2º; 39; 59, § 1º, IV; 60 e 68, caput, da LRF. Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin e Rosa Weber apenas no tocante à alínea d do inciso I do art. 20. 

Afirmou que a exigência prevista no art. 4º, § 2º, II, em relação aos entes subnacionais, de demonstração de sincronia entre diretrizes orçamentárias e metas e previsões fiscais macroeconômicas definidas pela União não esvazia a autonomia daqueles, mas é absolutamente consentânea com as normas da Constituição Federal e com o fortalecimento do federalismo fiscal responsável. Da mesma forma, a exigência adicional do processo legislativo orçamentário estipulada no art. 4º, § 4º, não implica nenhum risco de descumprimento do art. 165, § 2º, da CF.

Afastou a apontada violação ao art. 167, VII, da CF pelo art. 7º, caput e § 1º. A previsão de transferência de resultados do Banco Central do Brasil (BCB) para o Tesouro Nacional é uma dinâmica que encontra previsão em outros dispositivos estranhos à LRF (arts. 4º, XXVII; e 8º, parágrafo único, da Lei 4.595/1964; e art. 6º, II, da Lei 11.803/2008). O dispositivo em questão não concede crédito algum, apenas determina uma consignação obrigatória a ser feita na lei orçamentária de cada ano, o que está longe de significar autorização para gastos ilimitados. Além disso, a norma não trata de despesas de funcionalismo ou de custeio do BCB. Essas são registradas no orçamento geral da União como as de qualquer outra autarquia, como decorre do art. 5º, § 6º, da própria LRF. O que justifica a transmissão de resultados do BCB diretamente para o Tesouro Nacional não são essas despesas, mas aquelas decorrentes da atuação institucional dessa autarquia especial na sua atividade-fim, que corresponde à execução das políticas monetária e cambial (art. 164 da CF).

Já a mensagem normativa do parágrafo único do art. 11, de instigação ao exercício pleno das competências impositivas fiscais tributárias dos entes locais, não conflita com a Constituição Federal, mas traduz-se como fundamento de subsidiariedade, que é congruente com o princípio federativo, e desincentiva a dependência de transferências voluntárias. Com efeito, não é saudável para a Federação que determinadas entidades federativas não exerçam suas competências constitucionais tributárias, aguardando compensações não obrigatórias da União.

Compreendeu que o art. 14 se destina a organizar estratégia, dentro do processo legislativo, de tal modo que os impactos fiscais de projetos de concessão de benefícios tributários sejam melhor quantificados, avaliados e assimilados em termos orçamentários. A democratização do processo de criação de gastos tributários pelo incremento da transparência constitui forma de reforço do papel de estados e municípios e da cidadania fiscal. O inciso II do art. 14 funciona como uma cláusula de incentivo à conciliação entre as deliberações gerais do processo orçamentário e aquelas relativas à criação de novos benefícios fiscais. Não é possível extrair do seu comando qualquer atentado à autonomia federativa.

Nessa mesma linha, os arts. 17, e parágrafos, e 24 representam atenção ao equilíbrio fiscal. A rigidez e a permanência das despesas obrigatórias de caráter continuado as tornam fenômeno financeiro público diferenciado, devendo ser consideradas de modo destacado pelos instrumentos de planejamento estatal. A internalização de medidas compensatórias, conforme enunciadas pelos dispositivos, no processo legislativo é parte de projeto de amadurecimento fiscal do Estado, de superação da cultura do desaviso e da inconsequência fiscal, administrativa e gerencial. A prudência fiscal é um objetivo expressamente consagrado pelo art. 165, § 2º, da CF. 

Frisou que o art. 18, § 1º, ao se referir a contratos de terceirização de mão de obra, não sugere qualquer burla aos postulados da licitação e do concurso público. Impede apenas expedientes de substituição de servidores via contratação terceirizada em contorno ao teto de gastos com pessoal.

No que diz respeito ao art. 20, reputou que a definição de um teto de gastos particularizado, segundo os respectivos Poderes ou órgãos afetados, não representa intromissão na autonomia financeira dos entes subnacionais. Reforça, antes, a autoridade jurídica da norma do art. 169 da CF, no propósito, federativamente legítimo, de afastar dinâmicas de relacionamento predatório entre os entes componentes da Federação. Rejeitou, em seguida, a alegação de que a autonomia do Ministério Público da União (MPU) teria sido afetada pela estipulação, na alínea c do inciso I do art. 20, de limite diferenciado para gastos com pessoal na esfera do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (MPDFT). Asseverou que a LRF seguiu o modelo orçamentário tradicional para o MPDFT, estabelecendo os limites de despesa com seu pessoal de maneira especial, de modo a se ajustar a uma realidade de financiamento atípica, criada pela própria Constituição Federal, cujo art. 21, XIII, atribui à União o encargo de manter o MPDFT. Manteve-se, portanto, o vínculo orçamentário desse órgão com o Poder Executivo federal, não sobrecarregando e tampouco comprometendo a chefia do MPU no encaminhamento de seu próprio orçamento, respeitado o respectivo limite global relativo a todos os demais ramos. No ponto, divergiram os ministros Edson Fachin e a ministra Rosa Weber. Para eles, o MPDFT encontra-se abarcado pelo limite de gastos com pessoal do MPU, nos termos do art. 20, I, d, da LRF.

Relativamente aos arts. 26, § 1º; 28, § 2º; 29, I, e § 2º; 39, reiterou a fundamentação utilizada quando da análise da constitucionalidade formal da LRF, uma vez que a inconstitucionalidade formal arguida pelos requerentes se confunde com a inconstitucionalidade material. 

O Tribunal também entendeu ser constitucional o art. 59, § 1º, IV. O art. 169, caput, da CF encomenda à legislação complementar os limites de despesa com pessoal ativo e inativo. A norma apenas estipula um mecanismo de articulação administrativa, informando Poderes e órgãos autônomos sobre uma situação presumidamente temerária.

Quanto ao art. 60, considerou que a possibilidade de fixação por estados e municípios de limites de endividamento abaixo daqueles nacionalmente exigíveis não compromete competências do Senado Federal. Ao contrário, materializa prerrogativa que decorre naturalmente da autonomia política e financeira de cada ente federado. 

Rejeitou, ainda, a alegada inconstitucionalidade do art. 68. O art. 250 da CF não exige que a criação do fundo por ele mencionado seja necessariamente veiculada em lei ordinária, nem impede que os recursos constitutivos sejam provenientes de imposição tributária. 

O Plenário julgou o pedido procedente com relação aos arts. 9º, § 3º; 56, caput; 57, caput; parcialmente procedente para dar interpretação conforme, com relação aos arts. 12, § 2º, e 21, II; e procedente para declarar a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do parágrafo 1º do art. 23, e a inconstitucionalidade do parágrafo 2º do mesmo artigo, todos da LRF.

Relativamente ao parágrafo 3º do art. 9º, entendeu, por maioria, que a norma prevista não guarda pertinência com o modelo de freios e contrapesos estabelecido constitucionalmente para assegurar o exercício responsável da autonomia financeira por parte dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público. Isso porque o dispositivo estabelece inconstitucional hierarquização subserviente em relação ao Executivo, permitindo que, unilateralmente, limite os valores financeiros segundo os critérios fixados pela Lei de Diretrizes Orçamentárias no caso daqueles outros dois Poderes e instituição não promoverem a limitação no prazo fixado no caput. A defesa de um Estado Democrático de Direito exige o afastamento de normas legais que repudiam o sistema de organização liberal, em especial, na presente hipótese, o desrespeito à separação das funções do Poder e suas autonomias constitucionais. Ficaram vencidos, no ponto, os Ministros Dias Toffoli (presidente), Edson Fachin, Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Marco Aurélio, que julgaram o pleito parcialmente procedente para fixar interpretação conforme no sentido de que a limitação dos valores financeiros pelo Executivo dar-se-á no limite do orçamento realizado no ente federativo respectivo e observada a exigência de desconto linear e uniforme da Receita Corrente Líquida prevista na lei orçamentária, com a possibilidade de arresto nas contas do ente federativo respectivo no caso de desrespeito à regra prevista no art. 168 da CF (repasse até o dia 20 de cada mês). 

Quanto aos arts. 56, caput, e 57, caput, o Tribunal, também por votação majoritária, considerou que houve um desvirtuamento do modelo previsto nos arts. 71 e seguintes da CF. A Constituição determina que as contas do Poder Executivo englobarão todas as contas, receberão um parecer conjunto do Tribunal de Contas, e serão julgadas pelo Congresso. No caso do Judiciário, do Ministério Público e do Legislativo, o Tribunal de Contas julga as contas, e não dá um parecer prévio. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que, em relação ao art. 56, deu interpretação conforme no sentido de que as contas, submetidas ao Congresso, são as do Executivo, e não as do Ministério Público, do Poder Judiciário e do Poder Legislativo; e, quanto ao art. 57, julgou improcedente a ação.

O colegiado deu interpretação conforme ao art. 12, § 2º, para o fim de explicitar que a proibição de que trata o artigo não abrange operações de crédito autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta. A previsão de limite textualmente diverso da regra do art. 167, III, da CF enseja interpretações distorcidas do teto a ser aplicado às receitas decorrentes de operações de crédito. 

De igual modo, deu interpretação conforme ao art. 21, II, no sentido de que se entenda como limite legal nele citado o previsto em lei complementar. Observou que o art. 169, caput, da CF remete à legislação complementar a definição de limites de despesa com pessoal ativo e inativo.

A Corte, por maioria, nos termos do voto do ministro Edson Fachin, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do art. 23, § 1º, de modo a obstar interpretação segundo a qual é possível reduzir valores de função ou cargo que estiver provido. Quanto ao parágrafo 2º do art. 23, declarou a sua inconstitucionalidade, ratificando a medida cautelar. Salientou que, por mais inquietante e urgente que seja a necessidade de realização de ajustes nas contas públicas estaduais, a ordem constitucional vincula a todos, independentemente dos ânimos econômicos ou políticos. Portanto, caso se considere conveniente e oportuna a redução das despesas com folha salarial no funcionalismo público como legítima política de gestão da Administração Pública, deve-se observar o que está fixado na Constituição (art. 169, §§ 3º e 4º). Não cabe flexibilizar mandamento constitucional para gerar alternativas menos onerosas, do ponto de vista político, aos líderes públicos eleitos. De acordo com a jurisprudência do Tribunal, o art. 37, XV, da CF impossibilita que a retenção salarial seja utilizada como meio de redução de gastos com pessoal com a finalidade de adequação aos limites legais ou constitucionais. A irredutibilidade do estipêndio funcional é garantia constitucional voltada a qualificar prerrogativa de caráter jurídico-social instituída em favor dos agentes públicos. A redução da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária é medida inconstitucional. Aduziu, por fim, que a irredutibilidade de vencimentos dos servidores também alcança aqueles que não possuem vínculo efetivo com a Administração Pública. No que se refere aos parágrafos 1º e 2º do art. 23, ficaram vencidos integralmente os Ministros Alexandre de Moraes (relator), Roberto Barroso e Gilmar Mendes, que julgaram improcedente a ação, com a cassação da medida cautelar concedida. Segundo eles, em suma, não seria razoável afastar a possibilidade de temporariamente o servidor público estável ter relativizada sua irredutibilidade de vencimentos, com diminuição proporcional às horas trabalhadas, com a finalidade de preservar seu cargo e a própria estabilidade. A temporariedade da medida destinada a auxiliar o ajuste fiscal e a recuperação das finanças públicas, a proporcionalidade da redução remuneratória com a consequente diminuição das horas trabalhadas e a finalidade maior de preservação do cargo, com a manutenção da estabilidade do servidor estariam em absoluta consonância com o princípio da razoabilidade e da eficiência, pois, ao preservar o interesse maior do servidor na manutenção de seu cargo, também se evitaria a cessação da prestação de eventuais serviços públicos. No ponto, a Ministra Cármen Lúcia ficou vencida parcialmente, por divergir do ministro Edson Fachin apenas em relação à locução “quanto pela redução dos valores a eles atribuídos”. Para ela, é possível a redução da jornada, mas não dos valores. Vencido parcialmente, ainda, o presidente, que acompanhou o relator quanto ao parágrafo 1º do art. 23 e, quanto ao parágrafo 2º, julgou parcialmente procedente a ação para fixar interpretação conforme no sentido de que o referido dispositivo deve observar a gradação constitucional estabelecida no art. 169, § 3º, da CF, de modo que somente será passível de aplicação quando já adotadas as medidas exigidas pelo art. 169, § 3º, I, da CF, e a utilização da faculdade nele prevista se fará primeiramente aos servidores não estáveis e, somente se persistir a necessidade de adequação ao limite com despesas de pessoal, a faculdade se apresentará relativamente ao servidor estável.
 

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