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STF - Plenário

ADI 7.013-DF

Tese Jurídica Simplificada

A ausência de disciplina dos objetivos, metas, programas e indicadores para acompanhamento de feminicídios e mortes decorrentes da intervenção de agentes de segurança pública no Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social II configura retrocesso social em direitos fundamentais e proteção deficiente dos direitos à vida e à segurança pública.

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Plano de Segurança Pública e Defesa Social

Em 2018, a lei 13.675 foi sancionada para aprimorar o acesso aos direitos constiucionais da vida e da segurança pública. Nela instituiu-se o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) e foi criada a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS). 

A ideia era instituir plano padronizado de políticas de segurança pública no Brasil, para reduzir enormes distinções de compreensão e instrumetos no enfrentamento da violência. Com isso, buscou-se preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio, pela atuação conjunta coordenada, sistêmica e integrada de órgãos de segurança pública e defesa social da União, Estados,  DF e Municípios, em articulação com a sociedade.

O primeiro Plano foi insituído pelo Decreto 9.630/18. Nele foram estabelecidos 15 objetivos. No objetivo 1 havia previsão de estratégias para ações e protocolos para investigar e responsabilizar adequadamente autores de mortes violentas intencionais,  incluindo o feminicídio e mortes decorrentes de intervenções de segurança pública via polícias Civis e Militares e Corpos de Bombeiros Militares.

Entretanto, sobreveio o Decreto 10.822/21 que substituiu o PNSP I, até então vigente, pelo PNSP II. A justificativa para a substituição do primeiro PNSP foi a Nota Técnica 288/21, da Secretaria Executiva do Ministério da Justiça, que o considerou falho na clareza quanto à governança e deficiente em elementos gerenciais. 

O novo PNSP excluiu do primeiro ciclo de implantação medidas direcionadas ao acompanhamento e redução de feminicídios e mortes decorrentes de intervenções de segurança pública. Feminicídios deixaram de ser especificados e foram englobados no grupo "mortes violentas"; e mortes por intervenção de agentes de segurança foram englobados no indicador "homicídios". 

Caso

O partido PSB questionou a validade do art.1º, caput e anexo (item 5) do Decreto 10.822/21. De acordo com o partido, o decreto reitrou do Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social os indicadores de monitoramento de feminicídio e de mortes por intervenção de agentes de segurança pública. 

A alegação é de que a retirada ofendeu os direitos fundamentais à vida e à segurança pública e ao princípio da dignidade da pessoa humana, além de significar um retrocesso social em matéria de segurança e inobservar os princípios administrativos da eficiência e motivação. Tudo isso conforme os respectivos dispositivos da CF: art.5º, caput; arts. 144, 227, 230; art.1º, III; art.37, caput.

Julgamento

A relatora, ministra Cármen Lúcia, considerou que é dever de toda a sociedade, e, especialmente, do Poder Público, efetivar normas constitucionais de segurança pública. Nesse sentido, segundo a ministra, a proibição do retrocesso social é um princípio acolhido como

[...] marco impeditivo de recuo a momentos anteriores às conquistas civilizatórias, em especial aquelas que respeitem os direitos humanos.

No julgamento, Cármen considerou que o caso deveria ser analisado perante duas dimensões do princípio da proporcionalidade:

  • Proibição do excesso;
  • Proibição da proteção deficiente.

De acordo com a ministra, os motivos para a exclusão das medidas direcionadas ao acompanhamento e redução de feminicídios e de mortes decorrentes de intervenções de segurança pública no segundo PNSP são insuficientes e ineficientes em comparação ao primeiro PNSP. Cármen Lúcia relata:

O novo Plano Nacional de Segurança Pública II retrocede em relação ao disposto no Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social instituído em 2018 , no sentido da necessária e especial atenção dos temas relativos à violência de gênero e da desproporcionalidade/ilicitude frequente na atuação de agentes.

Assim, a relatora conclui que, cotejando o PNSP I e II, o segundo representa, em parte, retrocesso social em matéria de direitos fundamentais, notadamente aos direitos à vida e à segurança pública, incorrendo também em proteção deficiente quanto a esses direitos.

Ao invisibilizar o feminicídio no grupo de “ mortes violentas ” e traçar metas para redução de “ mortes violentas de mulheres ”, [...] retrocede em comparação ao que se conquistou para mais eficiente combate à violência doméstica, a todas as formas de violência contra a mulher, ao respeito à dignidade da vida, à vulnerabilidade imposta por preconceito e discriminação às mulheres, na medida em que se desconsidera, ainda que justificadamente, as peculiaridades da violência de gênero, especialmente nos casos de feminicídio.

A ausência [...] de meta, indicador ou ação estratégica direcionada à redução das mortes decorrentes de intervenções de segurança pública contraria a Constituição, porque o avanço obtido com o plano revogado dava cumprimento aos objetivos constitucionais do Estado brasileiro e acentuava fatores para ação estratégica específica sobre estas gravíssimas questões. Buscava-se, então, dar cumprimento ao preceito constitucional do combate à violência com ênfase na dignidade humana e na eficiência administrativa, o que se afastou com o atual modelo.

Afinal, a ministra considerou necessário o restabelecimento no segundo PNSP do modelo de definição de ações estratégicas referentes ao feminicídio e às mortes decorrentes da intervenção de agentes de segurança pública previstas no primeiro PNSP. 

Tese Jurídica Oficial

A ausência de disciplina objetiva e expressa dos objetivos, metas, programas e indicadores para acompanhamento de feminicídios e mortes decorrentes da intervenção de agentes de segurança pública no Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social II (PNSP II - Decreto 10.822/2021) configura retrocesso social em matéria de direitos fundamentais e proteção deficiente dos direitos à vida e à segurança pública (CF/1988, arts. 5º, “caput”; e 144).

Resumo Oficial

O PNSP II (2021-2030) retrocede em relação ao PNSP I (2018-2028), instituído pelo Decreto 9.630/2018, no sentido da necessária e especial atenção aos temas relativos à violência de gênero e desproporcionalidade/ilicitude frequente na atuação de agentes de segurança pública.

Na espécie, os feminicídios passaram a ser incluídos no grupo “mortes violentas”, inviabilizando-se a classificação específica dos casos para atendimento eficiente da atuação estatal. Ademais, não há meta ou objetivo estabelecido para redução de mortes por intervenção de agentes de segurança pública no primeiro ciclo do PNSP II.

O retrocesso social decorrente da substituição do PNSP de 2018 pelo de 2021 e a proteção insuficiente em face da omissão do Poder Executivo na inclusão de indicadores exatos de feminicídios e letalidade policial impõem a necessidade de restabelecimento do modelo anterior de definição das ações estratégicas relacionadas ao tema, a fim de dar cumprimento aos objetivos fundamentais da República (CF/1988, art. 3º, I, III e IV).

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, recebeu a ADI como ADO,

(i) converteu o exame da medida cautelar em julgamento de mérito; e

(ii) julgou procedente a ação para que seja suprida a omissão reconhecida, determinando-se o restabelecimento do cuidado antes adotado e ao qual se retrocedeu, com a inclusão, no Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, de disciplina objetiva e expressa dos objetivos, metas, programas e indicadores para acompanhamento de feminicídios e mortes decorrentes da intervenção de agentes de segurança pública, prevista no Decreto presidencial 9.630/2018, a ser cumprido no prazo máximo de 120 dias.

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