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STF - Plenário

ADI 6.308-RR

Ação Direta de Inconstitucionalidade

Relator: Luís Roberto Barroso

Julgamento: 03/06/2022

Publicação: 10/06/2022

STF - Plenário

ADI 6.308-RR

Tese Jurídica Simplificada

Primeira Tese

São inconstitucionais emendas parlamentares estaduais impositivas em lei orçamentária anteriores às ECs 86/2015 e 100/2019.

Segunda Tese

Não cabe à Constituição estadual instituir programações orçamentárias impositivas fora das hipóteses previstas no regramento nacional.

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Nossos Comentários

O caso

O Governador de Roraima propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade tendo por objeto:

  • Art.113, §§3º, 3º-A, 4º, 6º, 7º, 8º e 9º da Constituição Estadual. Eles foram acrescidos pelas Emendas Constitucionais nº 41/2014 e 61/2019;
  • Arts.22, parágrafo único e 24, §§1º a 6º da Lei Estadual nº 1.327/2019 (Lei de Diretrizes Orçamentárias de Roraima);
  • Art.8º e Anexo da Lei Estadual nº 1.371/2020 (Lei Orçamentária Anual de Roraima para 2020).

Em resumo, essas normas estabelecem obrigação do Executivo em cumprir o orçamento impositivo advindo de emendas parlamentares individuais e coletivas, em valores superiores ao previsto nacionalmente. 

Segundo o Governador, elas violariam:

  • Separação de poderes;
  • Modelo constitucional orçamentário;
  • Competência da União para legislar sobre direito financeiro;
  • Art. 2º, art.165, III e §9º, III, art.166, §§3º,9º e 12 da CF;
  • Emendas à Constituição Federal nº 86/2015 e nº 100/2019.

Emendas parlamentares

As emendas são a maneira pela qual o poder legislativo pode alterar o orçamento anual para atender demandas das comunidades, influenciando na forma de gasto do dinheiro público.

A elaboração do orçamento é feita pelo Poder Executivo (Presidente, Governadores e Prefeitos) e a participação dos parlamentares nas decisões é feita por meio de emendas.

Elas podem ser de várias espécies:

  • Emenda Parlamentar do relator ou de relatoria: quando o relator do projeto de lei orçamentária introduz alterações.
  • Emenda Parlamentar Individual: propostas feitas por parlamentares para alteração do orçamento do governo federal. Normalmente beneficiam as bases eleitorais dos parlamentares.
  • Emenda Parlamentar de Bancada: feitas pelas bancadas estaduais, por senadores e deputados do mesmo estado, independentemente do partido.
  • Emenda Parlamentar de Comissão: apresentadas exclusivamente pelas comissões permanentes do Congresso sobre um eixo temático.

Emendas Constitucionais nº 86/2015 e nº 100/2019

Até 2015 não havia obrigatoriedade de o executivo concordar com as emendas parlamentares. No entanto, a partir da EC nº 86/2015 (PEC do Orçamento Impositivo), estabeleceu-se uma quota de emendas que devem ser obrigatoriamente acolhidas pelo executivo.

A EC alterou os arts. 165, 166 e 168 da CF. Dentre eles, destacam-se as modificações do art. 166, §§9º, 10º e 11:

Art. 166.

§9º As emendas individuais ao projeto de lei orçamentária serão aprovadas no limite de 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento) da receita corrente líquida prevista no projeto encaminhado pelo Poder Executivo, sendo que a metade deste percentual será destinada a ações e serviços públicos de saúde.

§10. A execução do montante destinado a ações e serviços públicos de saúde previsto no § 9º, inclusive custeio, será computada para fins do cumprimento do inciso I do § 2º do art. 198, vedada a destinação para pagamento de pessoal ou encargos sociais.

§11. É obrigatória a execução orçamentária e financeira das programações a que se refere o § 9º deste artigo, em montante correspondente a 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento) da receita corrente líquida realizada no exercício anterior, conforme os critérios para a execução equitativa da programação definidos na lei complementar prevista no § 9º do art. 165.

(...)

Ou seja, a imposição de aprovação é no limite de 1,2% da receita prevista e metade disso destina-se a ações e serviços de saúde. A obrigação de execução, conforme o §11 do art.166 é de 1,2% da receita líquida do exercício anterior, conforme requisitos de lei complementar.

Já a EC nº 100/2019, trouxe inovações similares à EC nº 86/2015, porém no sentido de autorizar a aprovação e execução impositiva para Estados. Assim, alterou os arts. 165 e 166 da CF, sendo importante observar o §12 deste último:

Art. 166.

§12. A garantia de execução de que trata o §11 deste artigo aplica-se também às programações incluídas por todas as emendas de iniciativa de bancada de parlamentares de Estado ou do Distrito Federal, no montante de até 1% (um por cento) da receita corrente líquida realizada no exercício anterior.

Assim, no caso de emendas de iniciativa de bancada parlamentar de Estado ou DF o montante será de até 1% da receita do exercício anterior.

As Emendas do Estado de Roraima

Segundo as alterações legais das Emendas à Constituição Estadual de Roraima nº 41/2014 e nº 61/2019, a aprovação das emendas parlamentares individuais ao Projeto de Lei Orçamentária Anual deveriam ser até o limite de 2% e as emendas coletivas, até o limite de 1,5% (art. 113, §3º e §3º-A da Constituição do Estado de Roraima). Estes valores são notoriamente superiores aos valores previstos na norma nacional (CF). 

Julgamento

A Corte considerou que:

  1. A primeira Emenda à Constituição Estadual estabelecendo o orçamento impositivo data de 2014. No plano federal tal figura foi criada apenas em 2015.
  2. O quadro normativo de Roraima só se completou em 2019, com a EC nº61, com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (2019) e com a Lei Orçamentária Anual para o exercício de 2020.
  3. A EC nº61 de abril de 2019 também foi anterior à previsão federal, pois, a previsão de emendas positivas coletivas, só foi admitida na CF com a EC nº 100 de julho de 2019. 

Assim, desenhou-se um cenário no qual o legislador estadual criou um instituto de direito financeiro, inovando com relação à Constituição Federal. Seria tal situação legal?

Competência para legislar

De acordo com os arts.24, 163 e 165 da CF:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;

(...)

§1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

§2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

§3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

§4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

Art. 163. Lei complementar disporá sobre:

I - finanças públicas;

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

I - o plano plurianual;

II - as diretrizes orçamentárias;

III - os orçamentos anuais.

(...)

§9º Cabe à lei complementar:

I - dispor sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual;

II - estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos.

III - dispor sobre critérios para a execução equitativa, além de procedimentos que serão adotados quando houver impedimentos legais e técnicos, cumprimento de restos a pagar e limitação das programações de caráter obrigatório, para a realização do disposto nos §§ 11 e 12 do art. 166.

Pela redação constitucional, a União Federal tem competência para editar normas de direito financeiro. As normas gerais sobre elaboração de lei orçamentária anual, gestão financeira e critérios para executar programações obrigatórias (como as emendas parlamentares impositivas) devem ser reservadas à lei complementar federal.

O legislador estadual, ao criar estes dispositivos foi contrário ao disposto na lei federal. Seria possível falar em competência concorrente na ausência de normativa federal, porém, no caso, as normas estaduais dispõem contra o legislado pela Constituição, o que não é admissível.

Não é possível, também, falar em convalidação das normas estaduais após o advento das Emendas à Constituição Federal, pois inexistente a figura da constitucionalidade superveniente. E, ainda que existisse, a Constituição Federal trouxe limites diversos daqueles previstos na Constituição Estadual.

O STF considerou que as emendas parlamentares impositivas, de execução obrigatória do Executivo, subtrai relevante parcela de atribuições da Chefia do poder para planejamento e gestão pública. Também é uma exceção à regra de separação dos poderes. Por isso, a interpretação deve ser estrita e cautelosa.

Assim, em resumo:

Primeira Tese

São inconstitucionais emendas parlamentares estaduais de caráter impositivo em lei orçamentária anteriores à vigência das ECs 86/2015 e 100/2019.

Segunda Tese

Não cabe à Constituição estadual instituir a figura das programações orçamentárias impositivas fora das hipóteses previstas no regramento nacional.

Tese Jurídica Oficial

Primeira Tese

São inconstitucionais emendas parlamentares estaduais de caráter impositivo em lei orçamentária anteriores à vigência das ECs 86/2015 e 100/2019.

Segunda Tese

Não cabe à Constituição estadual instituir a figura das programações orçamentárias impositivas fora das hipóteses previstas no regramento nacional. 

Resumo Oficial

São inconstitucionais emendas parlamentares estaduais de caráter impositivo em lei orçamentária anteriores à vigência das ECs 86/2015 e 100/2019.

O constituinte do Estado de Roraima, ao inovar e tratar da execução de emendas parlamentares impositivas (individuais ou coletivas), não agiu dentro da competência suplementar permitida na seara da legislação concorrente, uma vez que dispôs em sentido contrário às normas gerais federais que efetivamente já existiam à época sobre o tema e que não contemplavam o instituto.

Além disso, inexiste no ordenamento jurídico brasileiro a figura da constitucionalidade superveniente, de modo que não há se falar na consequente convalidação das normas.

Não cabe à Constituição estadual instituir a figura das programações orçamentárias impositivas fora das hipóteses previstas no regramento nacional.

A compreensão doutrinária e jurisprudencial anota que as normas da CF/1988 sobre processo legislativo em geral e processo legislativo das leis orçamentárias em especial são de reprodução obrigatória pelas Constituições estaduais, por força do princípio da simetria.

No caso, apesar de a CF/1988 ter passado a prever expressamente sobre o tema, fixou limites diferentes dos adotados pelo Estado roraimense.

Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, conheceu parcialmente da ação e, nessa parte, a julgou procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 113, §§ 3º, 3º-A, 4º, 6º, 7º, 8º e 9º, da Constituição do Estado de Roraima, acrescidos pelas Emendas Constitucionais 41/2014 e 61/2019, e, por arrastamento, do art. 24, §§ 1º, 2º, 4º, 5º e 6º, da Lei 1.327/2019 (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e do art. 8º da Lei 1.371/2020 (Lei Orçamentária Anual para o exercício de 2020), ambas do Estado de Roraima, mantidos os efeitos da cautelar no período em que vigeu.

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